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Versão Chinesa

REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

Lei n.º 15/2022

Lei da fidúcia

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei estabelece o regime jurídico da fidúcia, regulando, nomeadamente, a sua constituição e extinção, o património fiduciário e a capacidade, os direitos e os deveres do fiduciante, do fiduciário e do beneficiário.

Artigo 2.º

Definição da fidúcia

Entende-se por «fidúcia» a relação jurídica na qual o fiduciante transmite os seus direitos patrimoniais ao fiduciário, para que este, em seu nome próprio, administre ou disponha do património fiduciário, no interesse do beneficiário.

CAPÍTULO II

Constituição da fidúcia

Artigo 3.º

Forma de constituição

1. Salvo disposição legal em contrário, a fidúcia é constituída por contrato ou por testamento.

2. A fidúcia contratual é constituída através de documento particular; caso a transmissão dos bens ou direitos a integrar o património fiduciário exija forma mais solene, a constituição da fidúcia contratual fica dependente da observância desta forma.

3. A fidúcia testamentária é constituída com observância das disposições relativas ao testamento previstas no Código Civil.

Artigo 4.º

Conteúdo mínimo do acto constitutivo

O acto constitutivo da fidúcia deve conter os seguintes elementos:

1) O fim da fidúcia;

2) A lista dos bens ou direitos a integrar o património fiduciário e a respectiva identificação ou o procedimento para a sua identificação;

3) A identificação do fiduciante;

4) A identificação do fiduciário;

5) Os poderes atribuídos ao fiduciário ou fiduciários, nomeadamente, os eventuais poderes de disposição e de aquisição;

6) A identificação do beneficiário ou do universo dos beneficiários, ou o procedimento para a sua identificação;

7) O conteúdo do direito ao benefício fiduciário do beneficiário.

Artigo 5.º

Produção de efeitos da fidúcia

1. A fidúcia contratual produz efeitos a partir da data da sua celebração.

2. A fidúcia testamentária produz efeitos a partir do momento da abertura da sucessão.

3. A fidúcia cuja constituição esteja sujeita a condição suspensiva ou termo inicial só produz efeitos depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.

Artigo 6.º

Bens ou direitos sujeitos a registo

1. Quando integram o património fiduciário bens ou direitos sujeitos a registo, é efectuado o registo nos serviços dos registos competentes, nos termos gerais da lei do registo; na falta do registo, a integração desses bens ou direitos no património fiduciário não é oponível a terceiros.

2. No registo de aquisição dos bens ou direitos referidos no número anterior que tenha como causa a constituição da fidúcia ou a administração ou disposição do património fiduciário, o fiduciário figura como titular do direito inscrito e é feita a menção de que o bem ou o direito em causa integra o património fiduciário.

3. O registo do património fiduciário referido no n.º 1 é público nos termos gerais da lei do registo, mas os respectivos documentos arquivados nos serviços dos registos e do notariado só podem ser consultados, ou ser requerida a sua certidão, pelo fiduciante, fiduciário ou beneficiário, ou pelo seu representante.

Artigo 7.º

Aceitação ou recusa da fidúcia testamentária pelo fiduciário

1. O fiduciário designado na fidúcia testamentária pode aceitar ou recusar assumir as funções.

2. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, caso o fiduciário designado na fidúcia testamentária não possa ou recuse assumir as funções, é designado um novo fiduciário por unanimidade dos beneficiários; na falta desta designação, cabe ao tribunal designar um novo fiduciário, a requerimento de qualquer um dos beneficiários ou do Ministério Público.

Artigo 8.º

Nulidade da fidúcia

A fidúcia é nula em qualquer das seguintes situações:

1) O fim da fidúcia é contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes;

2) O património fiduciário é física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável;

3) O beneficiário ou o universo dos beneficiários é indeterminável;

4) A constituição da fidúcia tem como fim principal a prossecução de acção judicial;

5) Outras situações legalmente previstas.

Artigo 9.º

Impugnação da fidúcia

1. O credor do fiduciante pode, nos termos dos artigos 605.º a 613.º do Código Civil, impugnar judicialmente a constituição da fidúcia quando esta envolva diminuição da garantia patrimonial do seu crédito, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2. A impugnação referida no número anterior não afecta os benefícios já adquiridos pelo beneficiário da fidúcia, salvo se este, no momento da obtenção dos mesmos, tinha ou devia ter conhecimento de que a constituição da fidúcia impossibilitaria ou agravaria a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito.

3. O direito de impugnação referido no n.º 1 caduca passado um ano sobre a data em que o credor tome conhecimento da constituição da fidúcia e, em qualquer caso, decorridos cinco anos sobre a data da sua constituição.

4. Caso se verifique a declaração de falência ou insolvência do fiduciante no prazo de seis meses a contar da data da constituição da fidúcia, presume-se que o seu acto impossibilita ou agrava a impossibilidade de o seu credor obter a satisfação integral do crédito.

CAPÍTULO III

Património fiduciário

Artigo 10.º

Âmbito do património fiduciário

1. Podem integrar o património fiduciário os bens ou direitos determinados ou determináveis à data da celebração do acto constitutivo.

2. Integram o património fiduciário os bens ou direitos adquiridos pelo fiduciário no momento da constituição da fidúcia, bem como os adquiridos por administração, disposição ou outras circunstâncias relativas ao património fiduciário.

3. O fiduciário pode aceitar ou recusar liberalidades, puras ou com encargos, feitas em benefício do património fiduciário, no estrito cumprimento do estabelecido no acto constitutivo, dos seus deveres legais e da natureza da fidúcia.

Artigo 11.º

Autonomia do património fiduciário

1. O património fiduciário é autónomo dos patrimónios próprios do fiduciante, do fiduciário e do beneficiário, e não responde pelas dívidas destes.

2. Os patrimónios fiduciários confiados ao mesmo fiduciário que administre diferentes fidúcias são autónomos entre si.

3. O património fiduciário responde apenas pelas dívidas contraídas no âmbito da actividade do fiduciário que actue nessa qualidade.

4. Caso o património fiduciário seja insuficiente para a cobertura das dívidas para com terceiros decorrentes da gestão da fidúcia, o fiduciário responde, com o seu próprio património, por estas dívidas, salvo nas situações em que o fiduciário e os terceiros tenham convencionado, por escrito, que pelas dívidas responde exclusivamente o património fiduciário.

5. O fiduciário goza de privilégio creditório sobre o património fiduciário no caso de ter pago previamente, com o seu próprio património, despesas e dívidas a terceiros decorrentes da gestão da fidúcia.

6. O fiduciário apenas responde pelas obrigações para com o beneficiário, no que respeita à prestação do benefício fiduciário, até ao limite dos valores do património fiduciário.

7. No caso de morte, dissolução, declaração de insolvência ou falência do fiduciário, o património fiduciário não integra a herança, património por liquidar ou massa falida do fiduciário.

8. O património fiduciário não é susceptível de execução coerciva, salvo se para satisfação de direitos constituídos antes da constituição da fidúcia sobre os bens que integram o património fiduciário, para satisfação de direitos emergentes da gestão da fidúcia ou quando a lei determine o contrário.

9. O fiduciante, o fiduciário ou o beneficiário pode opor-se judicialmente à execução coerciva do património fiduciário realizada em violação do disposto no número anterior, por qualquer meio admitido por lei, nomeadamente mediante embargos de terceiro.

Artigo 12.º

Disposição indevida do património fiduciário

O fiduciante, o beneficiário ou os demais fiduciários podem requerer, nos termos gerais, a anulação dos actos de disposição do património fiduciário praticados pelo fiduciário em violação do fim da fidúcia ou dos termos do acto constitutivo, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé.

Artigo 13.º

Métodos de administração do património fiduciário

1. A alteração dos métodos de administração do património fiduciário depende do consentimento unânime do fiduciante, do fiduciário e do beneficiário, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

2. Quando, por alteração das circunstâncias, os métodos de administração do património fiduciário se mostrarem desconformes com os interesses do beneficiário, ou desfavoráveis à prossecução do fim da fidúcia, o fiduciante, o fiduciário ou o beneficiário podem requerer ao tribunal a alteração dos mesmos.

CAPÍTULO IV

Fiduciante

Artigo 14.º

Capacidade do fiduciante

1. Têm capacidade para constituir fidúcias contratuais todas as pessoas singulares e colectivas que possam contratar e dispor dos seus bens.

2. Têm capacidade para constituir fidúcias testamentárias todas as pessoas singulares com capacidade para testar.

Artigo 15.º

Direito de alteração ou revogação do fiduciante

1. Mediante o consentimento de todos os beneficiários, o fiduciante pode alterar o beneficiário ou o direito ao benefício fiduciário, bem como revogar a fidúcia contratual, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

2. O fiduciante tem o direito de alterar o beneficiário ou o direito ao benefício fiduciário por ingratidão do beneficiário, ou revogar a fidúcia por ingratidão de todos os beneficiários.

3. As disposições do Código Civil relativas à revogação da doação por ingratidão do donatário são aplicáveis, com as necessárias adaptações, às situações referidas no número anterior.

4. O fiduciário pode pedir a indemnização, nos termos gerais, pelos danos causados pela revogação da fidúcia.

CAPÍTULO V

Fiduciário

Artigo 16.º

Capacidade do fiduciário

Tem capacidade para assumir as funções de fiduciário quem possua a qualidade de:

1) Instituições de crédito reguladas pelo Regime Jurídico do Sistema Financeiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32/93/M, de 5 de Julho;

2) Sociedades financeiras reguladas pelo Decreto-Lei n.º 15/83/M, de 26 de Fevereiro;

3) Sociedades gestoras de patrimónios reguladas pelo Decreto-Lei n.º 25/99/M, de 28 de Junho;

4) Sociedades gestoras de fundos de investimento reguladas pelo Decreto-Lei n.º 83/99/M, de 22 de Novembro;

5) Seguradoras reguladas pelo Decreto-Lei n.º 27/97/M, de 30 de Junho;

6) Sociedades gestoras de fundos de pensões reguladas pelo Decreto-Lei n.º 6/99/M, de 8 de Fevereiro;

7) Outras entidades autorizadas a exercer a actividade fiduciária ao abrigo de lei especial.

Artigo 17.º

Dever de diligência

O fiduciário age com a diligência de um gestor criterioso e ordenado na gestão da fidúcia.

Artigo 18.º

Dever de lealdade

1. O fiduciário, no estrito cumprimento do acto constitutivo, actua no melhor interesse do beneficiário, sendo-lhe vedada, salvo se houver consentimento por escrito do beneficiário ou se o acto constitutivo dispuser em contrário, nomeadamente:

1) A prática de qualquer acto que possa originar conflito entre os interesses do beneficiário e os interesses pessoais do fiduciário;

2) A obtenção de benefícios em proveito próprio ou alheio.

2. Os benefícios obtidos pelo fiduciário em violação do número anterior revertem para o património fiduciário.

Artigo 19.º

Dever de imparcialidade

Tendo a fidúcia sido constituída no interesse de dois ou mais beneficiários, o fiduciário actua de modo imparcial, abstendo-se de privilegiar os interesses de um ou mais beneficiários em detrimento dos interesses dos demais, salvo se houver consentimento por escrito do beneficiário ou se o acto constitutivo dispuser em contrário, nomeadamente:

1) Na administração, investimento e conservação do património fiduciário, bem como na distribuição dos benefícios fiduciários;

2) Na comunicação com os beneficiários.

Artigo 20.º

Dever de gestão por si próprio

1. O fiduciário deve gerir, por si próprio, a fidúcia, podendo, se o acto constitutivo assim o determinar ou se tiver justa causa,fazer-se substituir por terceiros, incluindo encarregar terceiros mediante mandato para executar um ou mais assuntos que se integrem no fim da fidúcia ou constituir procuradores para a prática de determinados actos ou categoria de actos.

2. Para efeitos do número anterior, o fiduciário, atendendo ao fim da fidúcia, nomeia pessoas idóneas e assegura uma supervisão contínua das suas actividades.

3. O fiduciário é civilmente responsável pelos actos e omissões das pessoas referidas no n.º 1, nos mesmos termos do artigo 493.º do Código Civil.

Artigo 21.º

Dever de separação patrimonial

O fiduciário assegura uma separação clara entre o seu património próprio e os patrimónios fiduciários, e entre cada um dos patrimónios fiduciários, bem como entre a administração e escrituração de cada um deles.

Artigo 22.º

Deveres de conservação e de actualização de registos

1. O fiduciário mantém registos actualizados relativos, nomeadamente:

1) À lista do património fiduciário;

2) Às actividades de administração da fidúcia;

3) Aos direitos de cada um dos beneficiários.

2. Enquanto a fidúcia se mantiver, o fiduciário é obrigado a ter escrituração, livros, correspondência, documentação e justificativos referentes à administração da fidúcia, devidamente ordenados e conservados.

3. Os documentos referidos no número anterior são conservados durante cinco anos, a contar da data da extinção da fidúcia, salvo se o acto constitutivo previr um prazo de conservação mais longo.

Artigo 23.º

Dever de sigilo

1. Salvo disposição na lei ou no acto constitutivo em contrário, o fiduciário não pode revelar ou utilizar, em proveito próprio ou alheio, factos ou informações cujo conhecimento lhe tenha advindo do exercício das funções.

2. O dever de sigilo mantém-se mesmo depois de terminadas as funções de fiduciário.

Artigo 24.º

Dever de informação

1. O fiduciário presta ao beneficiário todas as informações relevantes sobre a fidúcia, nomeadamente relativas:

1) À lista do património fiduciário;

2) Aos direitos do beneficiário;

3) Ao número de beneficiários;

4) À duração da fidúcia;

5) Aos poderes do fiduciário.

2. O fiduciário informa o beneficiário sobre qualquer facto ou informação relevante que possa afectar a administração do património fiduciário, o património fiduciário ou os direitos do beneficiário.

3. O fiduciário informa o fiduciante e os beneficiários, pelo menos uma vez por ano, sobre a lista do património fiduciário, bem como sobre a administração, aplicação, disposição, receitas e despesas relativas ao património fiduciário.

4. O fiduciário responde a todos os pedidos justificados de informação relativa à fidúcia apresentados pelo fiduciante ou beneficiário, no estrito cumprimento do dever de imparcialidade e do dever de sigilo.

Artigo 25.º

Remuneração

1. O fiduciário tem direito a remuneração nos termos do acto constitutivo.

2. Sempre que o fiduciário seja remunerado pelo património fiduciário, o fiduciário informa o beneficiário do montante e da forma de cálculo dessa remuneração.

3. Se a remuneração fixada no acto constitutivo se tornar manifestamente injusta por alteração das circunstâncias, o tribunal pode, a requerimento do fiduciário ou do beneficiário, e de acordo com juízos de equidade, aumentar ou reduzir o respectivo montante ou modificar a forma de cálculo.

4. O fiduciário que tiver causado danos ao património fiduciário ou ao beneficiário, devido ao incumprimento culposo dos seus deveres não pode exigir o pagamento de remuneração antes da reconstituição natural do património fiduciário ou do pagamento de indemnização.

Artigo 26.º

Responsabilidade do fiduciário

1. O fiduciário que não cumpra culposamente os seus deveres é responsável com o seu próprio património pelos danos causados ao património fiduciário ou ao beneficiário.

2. Incumbe ao fiduciário provar que o incumprimento dos deveres não procede de culpa sua.

3. O fiduciante, o beneficiário e os demais fiduciários têm legitimidade para intentar acção de responsabilidade civil contra o fiduciário em causa.

4. Os resultados da acção revertem a favor do património fiduciário ou do beneficiário, consoante o caso.

Artigo 27.º

Co-fiduciários

1. A fidúcia pode ser administrada por vários fiduciários em conjunto.

2. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, os actos de administração e de disposição são aprovados pelos fiduciários por unanimidade; não havendo unanimidade dos fiduciários, cabe aos beneficiários decidir por unanimidade; na falta de consenso dos beneficiários, qualquer um dos fiduciários pode requerer ao tribunal a resolução da divergência.

3. A declaração de vontade feita por terceiro a qualquer um dos co-fiduciários produz efeitos em relação aos demais.

4. Pelas obrigações para com o beneficiário na prestação do benefício fiduciário e pelas dívidas perante os terceiros decorrentes da gestão da fidúcia respondem solidariamente os co-fiduciários.

5. Pelos danos causados ao património fiduciário ou ao beneficiário devido ao incumprimento culposo dos deveres por qualquer um dos co-fiduciários respondem solidariamente os demais fiduciários, nos termos do artigo 490.º do Código Civil.

6. No caso de o acto constitutivo estabelecer um regime de decisão por maioria dos co-fiduciários, os que votem contra um determinado acto não são responsáveis pelos danos causados ao património fiduciário ou ao beneficiário por essa decisão.

Artigo 28.º

Cessação de funções

1. As funções do fiduciário cessam nas seguintes situações:

1) Falecimento, declaração de interdição, de inabilitação ou de insolvência;

2) Dissolução ou declaração de falência;

3) Perda de qualidade para assumir as funções de fiduciário;

4) Renúncia;

5) Destituição;

6) Outras circunstâncias previstas no acto constitutivo ou na lei.

2. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, no caso de cessação de funções de um fiduciário, é designado um novo fiduciário pelo fiduciante; na falta desta designação, é designado um novo fiduciário pelos beneficiários por unanimidade; na falta desta designação, cabe ao tribunal designar um novo fiduciário, a requerimento de qualquer um dos beneficiários ou do Ministério Público.

3. No caso de cessação de funções de um dos co-fiduciários, incumbe aos outros fiduciários assumir as suas funções, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

4. No caso de cessação de funções de todos os fiduciários, antes da assunção das funções pelo novo fiduciário, o antigo fiduciário, os seus herdeiros ou o administrador da herança, o representante legal, o liquidatário ou o administrador da falência, ou ainda o administrador provisório, têm de conservar apropriadamente o património fiduciário, bem como proceder às diligências necessárias para a entrega da gestão da fidúcia ao novo fiduciário, nomeadamente no que respeita ao processamento das formalidades respeitantes à transmissão do património fiduciário.

5. O novo fiduciário sucede nos direitos e obrigações do antigo fiduciário, decorrentes da gestão da fidúcia; sempre que se verifiquem dívidas contraídas pelo antigo fiduciário na gestão da fidúcia, o novo fiduciário apenas responde perante os credores até ao limite dos valores do património fiduciário sucedido pelo novo fiduciário.

6. O antigo fiduciário tem de apresentar um relatório sobre a gestão da fidúcia ao novo fiduciário, ficando o antigo fiduciário exonerado das suas responsabilidades para com os beneficiários decorrentes das matérias indicadas no relatório, desde que este relatório tenha sido reconhecido pelo fiduciante ou pelo beneficiário, salvo se houver irregularidades por parte do antigo fiduciário.

7. O novo fiduciário pode exercer contra o antigo fiduciário os direitos a que o artigo 12.º e o n.º 3 do artigo 26.º se referem.

Artigo 29.º

Renúncia

1. A renúncia ao exercício das funções de fiduciário produz efeitos 30 dias após a data da recepção da comunicação escrita por todos os fiduciantes, beneficiários e demais fiduciários, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

2. Se da renúncia de fiduciário resultar a falta de fiduciário a exercer funções, a renúncia apenas produz efeitos após a nomeação de novo fiduciário.

Artigo 30.º

Destituição

1. O fiduciante ou o beneficiário pode destituir o fiduciário nos termos do acto constitutivo.

2. Por interesse relevante do beneficiário, nomeadamente quando o fiduciário administrar ou dispuser do património fiduciário em violação do fim da fidúcia ou nas situações em que o fiduciário não cumprir culposamente os seus deveres de forma substancial ou reiterada, o fiduciante ou o beneficiário pode requerer ao tribunal a destituição do fiduciário.

3. A acção de destituição é intentada no prazo de um ano a contar da data do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.

4. Na acção de destituição, o tribunal pode, ouvido o beneficiário, nomear um administrador provisório e fixar as suas competências.

CAPÍTULO VI

Beneficiário

Artigo 31.º

Capacidade do beneficiário

1. Todas as pessoas singulares e colectivas podem ser beneficiários.

2. Podem ser constituídas fidúcias em benefício de nascituros concebidos ou não concebidos, sendo descendentes de pessoa determinada, viva ao tempo da constituição da fidúcia.

3. O fiduciante pode ser beneficiário.

4. O fiduciário pode ser beneficiário, desde que não seja o beneficiário único.

Artigo 32.º

Co-beneficiários

Nas fidúcias constituídas em benefício de várias pessoas, os direitos de cada beneficiário ao benefício fiduciário são quantitativamente iguais, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

Artigo 33.º

Direito ao benefício fiduciário

1. O beneficiário tem direito ao benefício fiduciário a partir da data da produção de efeitos da fidúcia, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

2. O beneficiário pode pedir a prestação do benefício fiduciário, nos termos do acto constitutivo.

3. No caso de o acto constitutivo atribuir ao fiduciário poderes discricionários de distribuição, o beneficiário pode opor-se, judicialmente, à adequação do exercício desses poderes do fiduciário, face aos seus deveres, nomeadamente ao dever de lealdade e ao dever de imparcialidade.

4. O beneficiário pode ceder o seu direito ao benefício fiduciário, nos termos gerais, aplicando-se as disposições do Código Civil relativas à cessão de créditos, com as necessárias adaptações.

5. O direito ao benefício fiduciário do beneficiário responde pelas suas dívidas nos termos gerais.

Artigo 34.º

Renúncia ao direito ao benefício fiduciário

1. O beneficiário pode renunciar ao seu direito ao benefício fiduciário mediante comunicação por escrito ao fiduciário.

2. Caso a fidúcia seja constituída em benefício de várias pessoas, a renúncia de um dos beneficiários não prejudica os direitos dos demais.

3. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, o direito ao benefício fiduciário que foi renunciado acresce, em partes iguais, aos dos demais beneficiários, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

4. Os credores do beneficiário renunciante podem sub-rogar-se ao beneficiário no direito ao benefício fiduciário, nos termos dos artigos 601.º e seguintes do Código Civil.

5. A sub-rogação referida no número anterior deve efectuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento da renúncia.

6. Pagos os credores, o remanescente do direito ao benefício fiduciário aproveita aos demais beneficiários, nos termos do n.º 3.

Artigo 35.º

Herdeiros do beneficiário

O direito ao benefício fiduciário transmite-se com a morte do beneficiário para os seus herdeiros, nos termos gerais, salvo disposição no acto constitutivo em contrário.

CAPÍTULO VII

Extinção da fidúcia

Artigo 36.º

Duração

A fidúcia é constituída por tempo indeterminado, salvo se houver um prazo previsto no acto constitutivo.

Artigo 37.º

Causas da extinção

A fidúcia extingue-se:

1) Nos termos do acto constitutivo;

2) Pela realização do seu fim ou por este se tornar impossível;

3) Por revogação;

4) Pelo decurso do seu prazo de duração;

5) Pela concentração, na mesma pessoa, das posições de beneficiário único e de fiduciário;

6) Pela renúncia ao direito ao benefício fiduciário por todos os beneficiários;

7) Por perecimento da totalidade do património fiduciário.

Artigo 38.º

Efeitos da extinção

1. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, se a fidúcia for extinta por renúncia ao direito ao benefício fiduciário ou ingratidão de todos os beneficiários, o património fiduciário passa a pertencer ao fiduciante ou seus herdeiros.

2. Salvo disposição no acto constitutivo em contrário, se a fidúcia for extinta por outras situações fora do caso previsto no número anterior, o património fiduciário passa a pertencer, na ordem seguinte:

1) Aos beneficiários ou seus herdeiros, excluindo a Região Administrativa Especial de Macau;

2) Aos fiduciantes ou seus herdeiros.

3. Enquanto o património fiduciário não for transmitido pelo fiduciário nos termos dos números anteriores, considera-se que a relação fiduciária continua a subsistir, sendo beneficiários aqueles para quem o património fiduciário deve ser transmitido.

4. O fiduciário tem de elaborar um relatório de liquidação sobre a gestão da fidúcia, ficando exonerado da responsabilidade decorrente das matérias indicadas no relatório, desde que este seja reconhecido pelo beneficiário ou por aqueles para quem o património fiduciário deve ser transmitido, salvo se houver irregularidades por parte do fiduciário.

CAPÍTULO VIII

Disposições finais

Artigo 39.º

Colação e redução

1. São havidos como doação, para efeitos de colação, os benefícios fiduciários recebidos pelo beneficiário em vida do fiduciante.

2. Para efeitos de redução por inoficiosidade, a constituição da fidúcia contratual e a constituição da fidúcia testamentária são equiparadas, respectivamente, a liberalidades que hajam sido feitas em vida e a legados, com limite até ao valor dos bens e direitos no momento em que os mesmos integram o património fiduciário.

Artigo 40.º

Alteração ao Código do Registo Predial

A alínea b) do artigo 89.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46/99/M, de 20 de Setembro, e alterado pela Lei n.º 9/1999, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 89.º

(Convenções e cláusulas acessórias)

[...]:

a) [...];

b) As cláusulas de substituição fideicomissária, de pessoa a nomear, de reserva de dispor de bens doados ou de reversão deles e, em geral, outras cláusulas suspensivas ou resolutivas que condicionem os efeitos de actos de disposição ou oneração;

c) [...];

d) [...].»

Artigo 41.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor em 1 de Dezembro de 2022.

Aprovada em 3 de Novembro de 2022.

O Presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In.

Assinada em 7 de Novembro de 2022.

Publique-se.

O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.