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1.ª Secção | Intimação para passagem de certidão. |
Convite para formular conclusões. | |
N.º do Proc. 342 | Deserção do recurso. |
Concessionário. | |
Data da sessão |
Competência do Tribunal Administrativo. |
1) O recorrente convidado a suprir omissões ou deficiências das suas alegações ao abrigo do convite formulado nos termos do art.º 690.º, n.º 3, do C. P. Civil, deve limitar-se a satisfazer ao conteúdo da respectiva notificação e não pode aproveitar essa oportunidade para responder às contra-alegações da outra parte.
2) Quando o recorrente tenha sido convidado a suprir omissões ou deficiências das suas alegações e não se contenha no âmbito da respectiva notificação não deve ser sancionado com a deserção do recurso mas apenas considerar-se como não escrito tudo quanto de novo alegou ou em que responda às contra-alegações do recorrido.
3) O concessionário dum serviço público a quem foram conferidos poderes de autoridade para o excutir da concessão é autoridade administrativa para os efeitos do artigo 9.º, n.º 2, alínea m), da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto.
4) O meio processual acessório de intimação para a passagem de certidão tem como seu objecto a satisfação do dever da Administração de informar e destinatárias as autoridades administrativas pelo que excede seu âmbito a qualificação do acto concreto a que a certidão se há-de reportar.
5) O concessionário de serviço público está sujeito a ser intimado para a passagem de certidão em tudo quanto seja directamente referido ao exercitar do contrato de concessão.
Simões Redinha (relator)
Amâncio Ferreira
Sebastião Póvoas
Acordam, em conferência, no Tribunal Superior de Justiça de Macau:
A CAM — Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, S.A.R.L. — veio interpor o presente recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Macau que entendeu ser o tribunal competente para a intimar à passagem duma certidão, em conformidade com o disposto no art.º 82.º, n.os 1 e 2, da LPTA.
Nas suas alegações a recorrente conclui assim:
1.ª As concessões de obras e serviços públicos regem-se pelas disposições da Lei n.º 3/90/M, de 14 de Maio.
2.ª A concessão da construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau rege-se ainda pelo disposto no Decreto-Lei n.º 41/88/M, de 30 de Maio.
3.ª E pelo contrato de concessão outorgado em 8 de Março de 1989 e publicado no Boletim Oficial n.º 11, de 13 do mesmo mês e ano.
4.ª Em ambas as leis é admitida a subconcessão nas condições estabelecidas no contrato de concessão.
5.ª O contrato admite a subconcessão, condicionando-a apenas a prévia aprovação do concedente. In casu essa aprovação foi dada e foi-o sem quaisquer condições.
6.ª A subconcessão tem natureza diferente da concessão, não se regendo por normas de direito administrativo.
7.ª Carece o Tribunal Administrativo de competência para conhecer dos actos não administrativos dos concessionários, como é o caso dos autos.
8.ª Deste modo, a douta decisão recorrida violou as normas do art.º 9.º, alíneas d) e m), da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto, pelo que deve ser revogada, assim se fazendo justiça.»
Em contra-alegações, a requerente do presente meio processual acessório defende o julgado.
Neste Tribunal Superior, o M.P. foi de parecer que o recurso deve improceder pelos fundamentos da douta decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir:
Começa-se por referir a matéria de facto pertinente:
a) No Boletim Oficial de 13 de Março de 1989, pg. 1185 e seguintes, foi publicado o contrato de concessão da construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau em que figura como concedente o Governador de Macau e concessionária a CAM — Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, S.A.R.L. — cuja cláusula primeira subordinada à epígrafe «Âmbito da concessão» diz assim:
«O território de Macau, adiante designado por «Concedente», outorga pelo presente contrato, ao abrigo do Decreto-Lei número quarenta e um barra oitenta e oito barra M, de trinta de Maio, à Sociedade Anónima de Responsabilidade Limitada, denominada «CAM — Sociedade do Aeroporto Internacional de Macau, S.A.R.L.», em chinês «Ou Mun Kuok Chai Kei Cheong Chung Ieng Cong Si», e em inglês «Macau International Airport Company Limited», com sede em Macau, adiante designada por «Concessionária», a concessão, em regime de serviço público, da construção e da exploração do Aeroporto Internacional de Macau, nos termos e condições estabelecidas nas cláusulas seguintes.»
b) A cláusula quarta do contrato referido no número precedente tem o seguinte teor:
«Um. A concessão é de serviço público e pauta-se, em tudo quanto não estiver especialmente regulado neste contrato, pelo Decreto-Lei número quarenta e um barra oitenta e oito barra M, de trinta de Maio, pelas normas legais e regulamentares aplicáveis e pelos princípios gerais.
Dois. A presente concessão é dada com declaração de utilidade pública administrativa.»
c) A concessionária promoveu a realização de um concurso visando a construção e exploração do terminal de carga e correio aéreo do futuro aeroporto, para o qual a requerente «TERTIR — Terminais de Portugal, S.A.» foi pré-seleccionada.
d) Em 12 de Dezembro de 1994 a requerente recebeu uma comunicação datada de 7 de Dezembro dizendo:
«1. ...2. Com base nesta conclusão, a Comissão Executiva da CAM determinou que o vosso consórcio não mereceu o Concurso.
A proposta apresentada pela OGDEN/MASC foi classificada em primeiro lugar e as negociações prosseguem em conformidade. 3...» (pg. 23 e 24).
e) Perante esta comunicação a requerente dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração da CAM o seguinte pedido:
«... tendo sido notificada ... de que a proposta apresentada ... não foi escolhida para a adjudicação... vem, perante a total falta de fundamentação e demais elementos exigidos por lei para a notificação de actos administrativos de que não estão isentas as concessionárias de Serviços Públicos, requerer a V. Ex.ª que seja emitida certidão de onde constem os elementos referidos no artigo 30.º e do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Junho (...), o que fez nos termos e para os efeitos previstos no artigo 31.º do mesmo diploma legal e a fim de permitir à requerente o uso dos meios administrativos, graciosos ou contenciosos, como ao caso couber. Mais requer que a certidão ora solicitada seja emitida no prazo legal de dez dias, nos termos do artigo 82.º do já referido decreto-lei e tendo em consideração, ainda, o disposto no n.º 2 do art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 23/85/M, de 23 de Março.»
f) Recebido o pedido em 29 de Dezembro de 1994 (pg. 27) a CAM, por intermédio do Sr. Presidente do Conselho de Administração, enviou à requerente a comunicação com referência CAM — EXE — 2 762/94, datada de 29 de Dezembro, cuja cópia está junta a fls. 28 e 29, em que conclui:
«Não se verificam, portanto, os pressupostos invocados no vosso requerimento, uma vez que estamos perante um acto de pura gestão privada e não face a um acto administrativo como V. Ex.ª certamente por lapso, invoca.»
Sendo esta matéria de facto, antes de entrar no conhecimento do mérito do recurso deixa-se uma palavra para dizer que mesmo que a recorrente, a pretexto da notificação que lhe foi feita para que indicasse a norma jurídica violada pela sentença e formulasse conclusões, tivesse alterado os fundamentos da alegação, a consequência não poderia ser a deserção do recurso mas antes e apenas a de não considerar qualquer novo fundamento de impugnação invocado.
Na verdade, não será de esperar que o recorrente, beneficiando dum poder-dever do juiz de lhe dar a oportunidade de suprir deficiências ou omissões suas, (art.º 690, n.º 3, do C.P.C.) aproveite para «replicar» às contra-alegações.
Mas a verdade é que não se podem sancionar atitudes dessas com a deserção, como se alegação não tivesse sido produzida em devido tempo, e antes se deve é considerar como não escrito tudo quanto a mais foi alegado e tudo quanto se não contenha na satisfação da notificação ordenada ao abrigo do citado art.º 690.º, n.º 3, do C.P.C.
No caso dos autos, para além da inoportuna referência que se fez a fl. 87, a propósito das contra-alegações da recorrida, não se pode dizer que novos fundamentos de impugnação da sentença tenham sido lançados na peça processual em causa.
Não havia, pois, fundamento para julgar deserto o recurso, mas as alegações a considerar são as iniciais, integradas com as conclusões atinentes apresentadas em consequência do despacho que a mandou formular.
E, muito embora este despacho não tenha sido impugnado, sempre se dirá que não se alcança da LPTA qualquer norma ou princípio que impossibilite o uso do art.º 690.º, n.º 3, do C.P.C. aos recursos jurisdicionais das decisões tomadas no âmbito do meio processual acessório em que nos movemos.
Com efeito, sabendo-se que as normas do processo civil são subsidiariamente aplicáveis ao contencioso administrativo e que sua aplicação tem de ser feita com as necessárias adaptações (art.º 1.º da LPTA), será necessário distinguir as situações em que o intérprete se tenha de socorrer do processo civil.
Isto porque, nos recursos jurisdicionais, o legislador da LPTA entendeu fazer nova referência ao Código de Processo Civil, sem nos prevenir contra a inadaptação, ainda parcial, deste corpo de leis, o que nos leva a concluir que em matéria de recursos há apenas que observar as normas do processo civil, como no respectivo código se contêm (art. 102.º da LPTA).
Vamos então examinar a única questão que a recorrente coloca, ou seja, a competência do tribunal administrativo para conhecer do pedido de intimação que a recorrida havia formulado.
Diz a recorrente que não assiste competência ao tribunal dado que não importa apenas verificar a sua integração na «Administração indirecta para que, sem mais, se possa concluir pela sindicabilidade de todos os seus actos em sede de jurisdição administrativa. Forçoso é também que se tenha concluído pela natureza administrativa do acto em siŠ».
Ou seja, na sua tese, a qualidade de autoridade administrativa não seria suficiente para merecer ser enquadrada na alínea m) do art.º 9.º da Lei n.º 112/91, onde se fixa a competência do Tribunal Administrativo de Macau para conhecer dos pedidos de intimação das autoridades administrativas que recusem meios de informação aos cidadãos.
Apesar da recorrente não chegar a pôr em causa a sua qualidade de ente integrado na administração indirecta do território de Macau e, nesta medida, não enfrentar, ostensivamente, uma das premissas da douta decisão recorrida é precisamente por aí que se deve começar pelo exame da questão posta no presente recurso.
Ora, não oferece dúvida de que a recorrente é concessionária dum serviço público, como logo refere o contrato de concessão.
Com efeito, essa natureza da concessão resulta das cláusulas 1.ª e 4.ª, chegando-se a afirmar, naquela primeira cláusula, que a concessão o é «em regime de serviço público» certamente para reforçar bem a ideia da natureza da concessão como de serviço público.
Deixando-nos de considerações sobre a polissemia do conceito de concessão e cingindo-nos ao de concessão de serviço público nele vemos relevar o objecto da concessão — um serviço público.
Assim estamos perante uma concessão de serviço público sempre que um ente público (concedente) encarrega uma empresa (concessionária) de fazer funcionar um serviço público sob o seu risco e com retribuição a obter pelos usuários desse serviço público.
É deste conceito clássico que se tem de partir pois a evolução da vida jurídica-administrativa tem sido fervilhante ao ponto de aceitar, com grande frequência, situações de concessão de serviço público em que a concessionária pode não ser uma empresa privada o que em nada importa para o nosso problema, pois o que temos é, precisamente, uma empresa privada como concessionária. (sobre o conceito de concessão de serviço público e sua evolução ver «Traite des Contrats Administratif», Tomo I, 2.ª Edition, de André Laubadére, Franck Moderne e Pierre Devolvé, pg. 285, e Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. 2, pg. 541).
Portanto, no nosso caso, temos uma empresa privada como concessionária dum serviço público, como tal qualificado na própria concessão, razão pela qual se não impõe fazer qualquer averiguação sobre a natureza do serviço que é a construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau com a amplitude com que é desenvolvido na cláusula terceira n.os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do contrato de concessão.
Quer dizer, a pessoa colectiva de direito público que é o território de Macau tendo de desenvolver um serviço público, que é a construção e exploração do Aeroporto Internacional de Macau, em vez de o fazer por si, concedeu-o a uma empresa privada — CAM — pelo contrato referido na alínea a) da matéria de facto, pelo que, ao cabo e ao resto, esse serviço público será excutido pela CAM.
E sabemos ainda que a CAM (concessionária) foi constituída precisamente com o objectivo de ser concessionária do referido serviço público, e embora tenha o seu estatuto de direito privado a verdade é que nem uma empresa desta natureza a CAM efectivamente é, de modo exclusivo.
Com efeito, os poderes de intervenção que o território de Macau (concedente) tem na vida da CAM quer aprovando-lhe actos (cláusulas 6.ª e l0.ª, 13.ª, n.º 2, 14.ª, n.º 1, 17.ª, n.º 1, 19.ª, n.os 1 e 2, 20.ª, n.º 2, 3.ª e 7.ª, 21.ª) dando-lhe ordens, pelo menos nos primeiros 5 anos de vida (cláusula 9.ª, n.º 2 e n.º 5); compondo o Conselho de Administração (n.º 5 e cláusula 9.ª); concedendo-lhe diversas autorizações (cláusula 13.ª, n.º 2); regulamentando a actividade da concessionária nas suas relações com terceiros (cláusula 21.ª, n.º 2) etc. etc., são vivamente impressivos no sentido de praticamente descaracterizar a CAM como empresa de direito privado já que como tal se mantém apenas quanto à sua origem e modo de formação da sua vontade como pessoa colectiva.
Quer dizer, o ente público que é o território de Macau, aprovando actos da concessionária, autorizando-lhe, previamente, a prática de outros e regulamentando uma boa parte da sua actividade, cujo objecto exclusivo é o desempenho do serviço público referido, e ainda nos primeiros 5 anos nomeando membros do seu Conselho de Administração, exerce uma apertadíssima tutela sobre a CAM precisamente em sintonia com a declaração de utilidade pública que se fez inscrever no n.º 2 da cláusula 4.ª pelo que se poderá afirmar estar-se perante uma situação inominada de concessionária que, de pessoa jurídica privada terá a sua formação, mas a quem o escopo específico determina um regime jurídico já bem distante da lógica exclusiva do direito privado.
E o contrato de concessão, também, longe de se quietar pelo modelo normal dum contrato deste género, ao consignar cláusulas de intromissão da concedente na própria orgânica da concessionária, ao ponto de, nos primeiros 5 anos, através da nomeação de membros do Conselho de Administração, vai ao ponto de operar uma miscigenação tão intensa entre a concedente e a concessionária que esta aparece realmente como comungante do poder administrativo.
Em resultado desta situação jurídica vemos com toda a naturalidade a atribuição à concessionária de poderes típicos do «poder administrativo» sendo os mais salientes o poder regulamentar, (cláusula 27.ª, 2), o poder de fixar e cobrar taxas (cláusulas 10.ª, b), e 28.ª, 9.º), poderes de polícia (cláusulas 27.ª, 5.º e 34.ª) e por mais significante a atribuição do privilégio da execução prévia (cláusula 47.ª, n.º 9).
E atentando neste último comando da cláusula 47.ª ver-se-á que aí se afirma o privilégio da execução prévia, precisamente, quanto às decisões da concessionária que afectem as subconcessionárias nas matérias de «execução e subsistência» dos contratos, sem prejuízo do direito do subconcessionário poder impugnar essas decisões «junto dos tribunais competentes».
Aqui se pode ver a firmação do poder público da concessionária em relação às subconcessionárias.
Mas então está-se a afirmar que competentes são os tribunais administrativos para apreciarem a legalidade dessas decisões pois só eles conhecem dos actos definitivos e executórios que são a emanação normal do privilégio da execução prévia.
Também aqui se divisiona a situação jurídica da concessionária como de empresa que detém poderes de autoridade, próprios, do «poder administrativo», como se expressa o Prof. Freitas do Amaral in «Direito Administrativo», vol. II, 1988, pg. 15 e seguintes.
Assim, a recorrente como concessionária por ser, originariamente, uma pessoa colectiva de direito privado, será de incluir na categoria das sociedades de interesse colectivo, na medida em que, pelo seu específico regime jurídico exerce poderes públicos e está submetida a uma especial fiscalização pela Administração do Território.
Ora, como é sabido, quanto à questão da natureza jurídica das sociedades de interesse colectivo perante o direito administrativo, ou seja quanto à questão de saber se fazem parte ou não da Administração Pública perfilam-se duas distintas orientações sendo a mais clássica a que atende ao predomínio da natureza privada, originária, do ente para lhes negar a sua inclusão na Administração Pública vendo-as apenas como suas colaboradoras (externas) mas não como seus elementos integrantes.
Numa outra visão das coisas o facto de as sociedades de interesse colectivo exercerem poderes de autoridade, funções públicas, logo se tornam órgãos indirectos da Administração Pública, nos termos referenciados pela douta sentença recorrida apoiada pela qualificada Doutrina que cita.
Em defesa da tese clássica veio o Prof. Freitas do Amaral, no seu Curso de Direito Administrativo, vol. I, pg. 562 e seguintes, argumentar, ainda, com o texto constitucional, de modo a ver na delimitação de sectores (art.º 82.º, n.os 2 e 3, da C.R.) a razão decisiva de excluir as empresas de interesse colectivo do âmbito subjectivo da Administração.
Não nos parece que a questão possa ser decidida ante as normas constitucionais citadas pois não foi intenção do legislador constitucional encará-la e resolvê-la ali, e antes deixou essa tarefa ao legislador ordinário como se retira do art.º 84.º, n.º 2, da C.R. ao referir-se às condições e limites de utilização dos próprios bens que integram o domínio público.
O problema surge, precisamente, quando o particular é autorizado por lei, directa ou indirectamente, a gerir bens do domínio público e ainda, coisa diferente, a gerir serviços públicos (gestão indirecta).
Então só o concreto regime jurídico de direito ordinário é que nos pode fornecer critério suficiente para delucidar as situações.
Ora, tendo-se constituído a CAM com o fim exclusivo de receber em concessão o serviço público, que é objecto dela, não perdeu este a sua natureza pública, pelo que, também aqui, «a concessão implica a transferência temporária do exercício dos direitos e poderes da pessoa colectiva de direito público necessários à gestão do serviço pelo concessionário» (Marcello Caetano, Manual, Vol. II, pg. 1100, 10.ª Edição).
No nosso caso, além dos poderes de autoridade característicos do «poder administrativo» que foram conferidos à CAM como se poderiam ver conferidos a qualquer outra concessionária dum serviço público e a que já fizemos referência, a interferência da Administração (Central) do Território é tão intensa, quer na organização quer na vida da própria pessoa colectiva privada, que a seguir-se a tese clássica sempre se teria de considerar a existência de situações especiais para entender que aquelas que se apresentam como a CAM mereceriam outra conclusão, ou seja, seriam de considerar administração indirecta.
Mas a verdade é que para além do critério doutrinal temos de atentar, e de modo primacial, no entendimento que o próprio legislador ordinário nos revela.
E o entendimento de que as concessionárias, de entre as pessoas de interesse colectivo, são vistas como pertencendo à Administração (embora indirecta) ressalta do próprio ETAF e da Lei n.º 112/91, de 29 de Agosto, quando esta, em sintonia com aquele estatuto, proclama a recorribilidade dos actos administrativos das concessionárias [art.º 9.º, n.º 2, al. d)], depois de afirmar que ao Tribunal Administrativo compete dirimir o litígio emergente das relações jurídicas administrativas.
E nem nos impressione a referência à recorribilidade dos actos administrativos das concessionárias pois essa referência é feita em relação a qualquer outro órgão da Administração, e, pela razão simples de que toda a Administração possui, também, capacidade de direito privado, sendo a sua manifestação da competência de outro foro (comum).
E aqui chegados acompanhamos a conclusão de Mt.º Juiz quanto à natureza dos poderes da CAM e o seu enquadramento na chamada administração indirecta do território de Macau, razão porque se considera enquadrada no conceito de autoridade pública de que fala a alínea m) do art.º 9.º da Lei n.º 112/91.
Mas assim sendo nem nos parece que o confronto deste inciso da lei, com o art.º 9.º, n.º 2, al. o), ao referir, expressamente, a intimação dos concessionários para adoptarem ou se absterem de certo comportamento, em paralelo com outros destinatários — os particulares —, possa fundar argumento em contrário.
A explicitação da alínea o) apresenta-se como necessária para que dúvidas não surgissem quanto à inclusão dos concessionários, de serviço público, como destinatários do poder de intimação para um comportamento, conforme ao direito administrativo, pois bem poderia entender-se estarem excluídos dele, precisamente, por fazer parte, já, da administração pública (indirecta).
O que nos diz, assim, a referida alínea o) do art.º 9.º, n.º 2, da Lei n.º 112/91, é que também os concessionários poderão ser destinatários dessa injunção do tribunal, apesar de serem considerados incluídos na Administração.
Por isso, a lei ao referir-se aos particulares e aos concessionários quis desvanecer as possíveis dúvidas e sujeitar os concessionários a essa intimação para um comportamento.
Portanto, do artigo 9.º, n.º 2, alínea o), da Lei n.º 112/91, não se pode extrair argumento para pôr em causa a competência do tribunal administrativo, quanto à intimação para a passagem de certidões pelos concessionários, e se algo é lícito tirar será no sentido acima referido, ou seja, no sentido de a lei considerar pressuposto que tais entes fazem parte da administração (indirecta).
E o apuramento da qualidade administrativa da concessionária é que se apresenta decisiva para julgar a competência do tribunal e não como diz a recorrente, a natureza administrativa ou não da concreta decisão em causa.
Veja-se a hipótese duma decisão da concessionária que pode ser impugnada, ainda que só por recurso tutelar facultativo, nem por isso fica excluída a possibilidade de obter meios de informação para exercer esse meio de controlo, do modo mais esclarecido possível.
Acresce que o caso da subconcessão que motivou o pedido de certidão é precisamente uma das situações em que a concessionária tem de pedir prévia autorização ao concedente, como resulta da cláusula 47.ª, o que basta para afirmar que estamos perante uma clara situação dum acto respeitante ao normal desenvolvimento da actividade da concessionária e por isso na sua faceta de ente integrado na administração indirecta do Território.
Com o que se acaba de afirmar não se quer significar que toda e qualquer concessionária pelo facto de o ser esteja sempre sujeita a ser intimada pelos tribunais administrativos mas estará em tudo quanto seja atinente directamente com o excutir do contrato de concessão.
No nosso caso não sofre qualquer dúvida de que o acto em causa se relaciona directamente com o exercitar do contrato de concessão pois até o próprio contrato prevê a subconcessão.
E perante esta conclusão já se não pode, aqui, tentar averiguar da natureza do acto de subconcessão para restringir a passagem de certidão quando esteja apenas em causa um acto administrativo ou um contrato administrativo, pois essa qualificação não se exige na economia deste meio processual que tem como seu objecto apenas a satisfação do dever da Administração informar, e como seus destinatários as autoridades administrativas, as autoridades públicas, como se expressa o art.º 82.º da LPTA.
E como já se disse a CAM é para este efeito uma autoridade pública, uma autoridade administrativa.
Aliás os autores Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, no seu Código do Procedimento Administrativo, comentado, vol. I, pg. 126.º, a propósito da aplicação do C. P. Administrativo aos concessionários e ao dever destes satisfazerem o dever de informação, não hesitam em escrever:
«São-lhes aplicáveis, nomeadamente, as disposições respeitantes ao início e ao desenvolvimento do procedimento, bem como as que respeitam ao direito de informação de interessados (art.º 61.º e seguintes) ... nos mesmos termos em que tal dever vincula os órgãos da Administração Pública.»
Assim sendo bem decidiu o Mt.º Juiz, em julgar competente o Tribunal Administrativo para o pedido de intimação da recorrente.
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações se nega provimento ao recurso.
Sem custas.
Macau, aos 14 de Junho de 1995. — Simões Redinha (relator) — Amâncio Ferreira — Sebastião Póvoas.
O Ministério Público, José Alberto Varela Martins.
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