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Versão Chinesa

Lei n.º 6/94/M

de 1 de Agosto

Lei de bases da política familiar

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:

CAPÍTULO I

Princípios fundamentais

Artigo 1.º

(Família e Administração)

1. Todos têm direito a constituir família e a contrair casamento em condições de plena igualdade.

2. Incumbe à Administração, em estreita colaboração com as associações relacionadas com os interesses das famílias, a promoção, a melhoria da qualidade de vida e a realização moral e material das famílias e dos seus membros.

Artigo 2.º

(Unidade e estabilidade familiar)

1. A instituição familiar assenta na unidade, estabilidade, igual dignidade de todos os membros, no respeito mútuo, cooperação, responsabilidade e solidariedade para a prossecução plena dos seus fins.

2. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.

Artigo 3.º

(Família como elemento fundamental da sociedade)

A Administração reconhece a função da família enquanto elemento fundamental da sociedade, transmissora de valores e veículo de estreitamento das relações de solidariedade entre as gerações.

Artigo 4.º

(Representatividade familiar)

É reconhecido o direito das famílias à participação, nomeadamente através das associações relacionadas com os seus interesses, na definição da política familiar.

Artigo 5.º

(Objectivos da política familiar)

São objectivos da política familiar, designadamente:

a) Garantir o direito de constituir família, protegendo a maternidade e a paternidade como valores humanos e sociais eminentes;

b) Assegurar a protecção, o desenvolvimento e o direito ao ensino da criança;

c) Fomentar as condições de vida, no tocante ao trabalho, habitação, saúde e ensino, de modo a possibilitar o desenvolvimento integral da família e de cada um dos seus membros;

d) Apoiar, em especial, as famílias economicamente carenciadas, bem como as famílias monoparentais;

e) Cooperar com os pais na educação dos filhos, promovendo às famílias o exercício das suas plenas responsabilidades em matéria de educação;

f) Favorecer a integração e a participação na vida familiar das pessoas idosas e incentivar a solidariedade e o apoio mútuo das gerações;

g) Assegurar a participação efectiva e a representação orgânica das famílias nas decisões que afectam a sua existência moral e material;

h) Incentivar a participação das famílias no processo de desenvolvimento da comunidade.

CAPÍTULO II

Protecção da comunidade familiar

Artigo 6.º

(Privacidade da vida familiar)

É reconhecido o direito à privacidade da vida familiar, no respeito pela iniciativa, organização e autonomia das famílias das suas associações.

Artigo 7.º

(Maternidade e paternidade)

1. A maternidade e a paternidade constituem valores humanos e sociais eminentes e complementares, que a Administração deve respeitar e salvaguardar, garantindo o exercício dos direitos consagrados na lei aos titulares do poder paternal e cooperando com estes no cumprimento dos seus poderes-deveres relativamente aos filhos.

2. A assistência aos filhos e a sua educação incumbem aos pais como direito e dever fundamentais.

3. A Administração apoia as associações relacionadas com os interesses das famílias na promoção de acções de educação familiar, nomeadamente com vista ao exercício de uma maternidade e paternidade responsáveis, respeitando sempre a liberdade de consciência e as convicções religiosas de cada um.

4. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

5. As mulheres trabalhadoras têm direito a um período de dispensa do trabalho antes e depois do parto, sem perda de retribuição e de quaisquer regalias, nos termos da lei.

Artigo 8.º

(Protecção da criança e do nascituro)

1. As crianças têm direito a uma protecção e assistência especiais, incluindo a tutela jurídica dos interesses dos nascituros.

2. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do casamento, gozam do mesmo direito à protecção social com vista ao seu desenvolvimento integral.

3. A Administração deve promover a criação e o funcionamento de uma rede de assistência materno-infantil e de creches.

4. Às crianças diminuídas, física ou mentalmente, é concedida uma assistência especial, de molde a oferecer-lhes condições adequadas ao seu desenvolvimento humano.

5. As manipulações experimentais do embrião humano são incompatíveis com a dignidade do ser humano.

Artigo 9.º

(Protecção de menores privados de meio familiar normal)

1. A Administração, em colaboração com as associações relacionadas com os interesses das famílias e as instituições de solidariedade social, promove uma política de protecção e enquadramento dos menores privados de meio familiar normal, procurando criar-lhes condições propícias de habitação, convívio familiar e integração comunitária.

2. A Administração reconhece o valor eminentemente moral e social da adopção de menores que poderá ser precedida de atendimento pré-adoptivo.

3. Para acorrer aos casos extremos de impossibilidade de enquadramento do menor no seio familiar próprio, mediante adopção ou simples recolha por famílias idóneas, a Administração apoia e acompanha a instalação e funcionamento de instituições de enquadramento de menores, por forma a garantir-lhes a dignidade, o ambiente e a liberdade compatível com a disciplina e a educação.

Artigo 10.º

(Planeamento familiar)

1. A Administração deve criar e apoiar, em colaboração com as famílias, a existência de meios capazes de promover uma formação adequada e um planeamento familiar que garanta a paternidade e a maternidade livres, responsáveis e conscientes.

2. O planeamento familiar engloba acções de aconselhamento pré-matrimonial, conjugal e genético, de informação de métodos de controlo da gravidez, tratamento da infertilidade e prevenção de doenças genéticas e de transmissão sexual.

Artigo 11.º

(Protecção e integração de pessoas idosas e deficientes)

1. A Administração, em colaboração com as associações relacionadas com os interesses das famílias e as instituições de solidariedade social, promove uma política tendente à plena integração social e familiar das pessoas idosas e deficientes e à garantia da sua segurança económica.

2. Em execução do disposto no número anterior, devem ser criadas condições propícias de habitação e convívio familiar e de participação activa na vida comunitária.

Artigo 12.º

(Centros de apoio familiar e voluntariado)

1. A Administração incentiva a criação de centros de apoio familiar adaptados às condições e às necessidades locais, com o objectivo de assistir às famílias na resolução das suas dificuldades.

2. Além de outras actividades, os centros de apoio familiar devem dispensar um particular apoio às famílias em situações especiais, como sejam as famílias monoparentais e as famílias de reclusos.

3. Os centros de apoio familiar devem ainda desenvolver mecanismos de ajuda pronta e eficaz sempre que se verifiquem situações de crise provocadas por qualquer dos seus membros, nomeadamente as que conduzam à dissolução ou iminência de ruptura familiar e de violência, em especial em relação à criança.

4. O voluntariado é considerado um instrumento importante de apoio familiar e como tal deve ser reconhecido, designadamente através da colaboração das entidades públicas.

CAPÍTULO III

Organização e participação

Artigo 13.º

(Associativismo e representação familiar)

1. A Administração apoia o associativismo familiar e reconhece a representação das famílias através das respectivas associações, constituídas ao abrigo da lei.

2. As associações de família e de juventude intervêm como parceiro social junto da Administração, participando na definição e execução, respectivamente, das políticas familiar e de juventude, e estão representadas nos órgãos adequados.

3. Às associações de pais e encarregados de educação constituídas nos termos da lei, é assegurada uma participação efectiva nos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino, cabendo-lhes, nomeadamente, estreitar as relações entre a família e as escolas e colaborar com as estruturas oficiais na programação das actividades educativas, de modo a assegurar uma formação integral das crianças, adolescentes e jovens.

4. A Administração apoia igualmente as associações que tenham por objecto o estudo da família e dos seus problemas, bem como as instituições de solidariedade social.

5. As associações abrangidas por este artigo podem ser consideradas de utilidade pública.

Artigo 14.º

(Organização)

O Governador deverá desenvolver uma política familiar global e integrada, outorgando a serviços já existentes competências e meios que permitam executar as bases da política constante da presente lei.

CAPÍTULO IV

Promoção social, económica e cultural da família

Artigo 15.º

(Direitos e deveres dos pais à educação dos filhos)

1. Os pais têm o direito e o dever inalienáveis de assegurar, promover e orientar o desenvolvimento integral dos filhos.

2. Os pais têm o direito de escolher livremente as escolas e outros meios necessários à educação dos filhos, de acordo com as suas convicções, as suas preferências pedagógicas e as facilidades geográficas ou de horários que lhes são oferecidas.

3. Os pais têm o direito de se opor a que os filhos sejam obrigados a receber ensinamentos que não estejam de acordo com as suas convicções religiosas.

Artigo 16.º

(Apoio multidisciplinar nos estabelecimentos de ensino)

Nos estabelecimentos de educação e ensino devem existir equipas multidisciplinares com funções psico-pedagógicas vocacionadas para o acompanhamento e desenvolvimento dos alunos e para a detecção de problemas, precocidades, deficiências e alterações de comportamento.

Artigo 17.º

(Família e trabalho)

1. O Governador deverá adoptar, progressivamente, medidas tendentes à dignificação e à valorização social e económica do trabalho doméstico de qualquer dos cônjuges.

2. É especialmente regulamentado o trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como o trabalho dos menores, de modo a assegurar a protecção eficaz dos seus direitos.

Artigo 18.º

(Acção social)

1. O regime geral de acção social visará, nomeadamente, a cobertura das eventualidades que atinjam a capacidade laboral dos membros da família e a compensação dos encargos familiares, por forma a preservar convenientemente a subsistência e o equilíbrio económico das famílias.

2. A acção social será essencialmente preventiva e realizada em colaboração com os vários membros da família, incentivando-se o apoio domiciliário.

3. Serão progressivamente criadas condições no sentido de se atribuir às famílias economicamente carenciadas um abono, quando um dos progenitores se dedique em tempo completo à educação de filhos com idade inferior a 3 anos.

Artigo 19.º

(Saúde)

1. O Governador, através da política de saúde, assegurará progressivamente às famílias, independentemente dos seus recursos económicos e em condições sempre compatíveis com o orçamento familiar, o acesso a cuidados de natureza preventiva, curativa e de reabilitação.

2. Na organização dos serviços de saúde deve facilitar-se, sempre que possível, o acompanhamento do doente, especialmente crianças, idosos e deficientes, por parte dos familiares.

Artigo 20.º

(Habitação e ambiente)

1. Devem ser criadas, progressivamente, condições para que cada família possa dispor de uma habitação que, pelas suas dimensões e demais requisitos, corresponda adequadamente às exigências de uma vida familiar normal, preservada na sua intimidade e privacidade.

2. Os programas de construção habitacional e de criação de equipamentos sociais, bem como os planos de urbanização, devem ter em consideração as necessidades das famílias, aferidas numa perspectiva de promoção e de desenvolvimento e de modo a conseguir a plena integração familiar e social de todas as pessoas, nomeadamente dos deficientes, dos jovens e dos idosos.

3. O Governador adoptará progressivamente medidas que facilitem o acesso à habitação própria e estabeleçam um regime de rendas e amortizações compatível com o rendimento familiar, dispensando especial apoio ao alojamento das famílias numerosas e ao realojamento das famílias instaladas em zonas degradadas.

4. Na elaboração de planos de urbanização, de ocupação de solos, de ordenamento urbano e de transportes devem ser tomados em consideração os interesses das famílias, devendo para o efeito ser ouvidas as associações relacionadas com esses interesses.

5. Os planos a que se refere o número anterior devem assegurar equipamentos e espaços que permitam o desenvolvimento de uma vida familiar equilibrada, nas suas diferentes dimensões, que preservem e valorizem o ambiente físico e cultural, previnam os efeitos perniciosos das várias formas de poluição e facilitem o acesso e circulação dos deficientes, idosos e doentes.

Artigo 21.º

(A família como unidade de consumo)

1. A família constitui uma unidade de consumo com necessidades específicas, pelo que a Administração deve promover, através de acções de informação e formação, a sua defesa contra formas de publicidade enganosa e de consumo inconvenientes.

2. É reconhecido às associações relacionadas com os interesses das famílias o direito de participar, nos termos legais, nos organismos públicos que tenham por fim a defesa dos consumidores e a disciplina da publicidade.

Artigo 22.º

(Regime fiscal)

1. O regime fiscal deve ser adequado ao princípio da protecção da família, tendo em atenção a formação e manutenção do seu património e os respectivos consumos essenciais.

2. Em caso algum a constituição da família pode ser motivo de desigualdade injusta ou agravamento fiscal.

CAPÍTULO V

Execução da presente lei de bases

Artigo 23.º

(Disposição final)

O Governador adoptará, progressivamente, as providências necessárias para o desenvolvimento, concretização e execução das bases da presente lei.

Aprovada em 12 de Julho de 1994.

A Presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Sales Ritchie.

Promulgada em 27 de Julho de 1994.

Publique-se.

O Governador, Vasco Rocha Vieira.