A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:
1. A presente lei estabelece o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
2. Por cláusulas contratuais gerais entende-se as que são previamente formuladas para valer num número indeterminado de contratos e que uma das partes apresenta à outra, que se limita a aceitar, para a conclusão de um contrato singular.
A presente lei aplica-se:
a) Aos contratos regidos pelas leis em vigor em Macau;
b) Aos demais contratos celebrados a partir de propostas ou solicitações feitas ao público em Macau, quando o aderente resida habitualmente no Território e nele tenha emitido a sua declaração de vontade.
A presente lei não se aplica:
a) A cláusulas típicas aprovadas pelo legislador;
b) A cláusulas que resultem da aplicação de tratados ou convenções internacionais vigentes em Macau;
c) A contratos submetidos a normas de direito público;
d) A actos do direito de família ou do direito das sucessões.
As cláusulas contratuais gerais inseridas em propostas de contratos singulares consideram-se incluídas nestes pela aceitação, desde que observadas as disposições seguintes.
1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra àqueles que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação das cláusulas contratuais gerais, efectuada nos termos dos números anteriores, incumbe ao contratante que delas se prevaleça.
O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais no âmbito da sua actividade deve informar a outra parte dos aspectos nelas compreendidos, prestando-lhe, ainda, os esclarecimentos solicitados.
As cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes.
1. A interpretação e integração das cláusulas contratuais geral e devem fazer-se de harmonia com as circunstâncias específicas do quadro contratual em que se inserem.
2. O sentido das cláusulas contratuais gerais deve ser limitado aos precisos termos da sua formulação.
Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação ou cumprimento defeituoso do dever de informação;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição de contratante real;
d) As cláusulas inseridas depois da assinatura do aderente.
1. Nos casos previstos no artigo anterior, os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte omissa as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2. Os referidos contratos são nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé.
1. É proibida a inclusão em contratos de cláusulas contratuais gerais que, contrárias aos princípios da boa fé, prejudiquem inadequadamente o aderente.
2. Em caso de dúvida, existe prejuízo inadequado quando a cláusula:
a) É incompatível com princípios essenciais da regulamentação legal da qual diverge;
b) Limita os direitos e deveres essenciais que resultem da natureza do contrato, de modo a pôr em perigo o fim contratual prosseguido.
1. São proibidas, não podendo, em nenhum caso, ser incluídas em contratos singulares, as cláusulas contratuais gerais que, directa ou indirectamente, excluam ou limitem:
a) A responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas;
b) A responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros;
c) A responsabilidade pelo não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou culpa grave;
d) A responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave;
e) A excepção de não cumprimento do contrato ou a resolução por incumprimento;
f) O direito de retenção;
g) A faculdade de compensação, quando admitida na lei;
h) A faculdade de consignação em depósito, nos casos e condições legalmente previstos.
2. São igualmente proibidas as cláusulas contratuais gerais que:
a) Confiram ao proponente, de modo directo ou indirecto, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato ou a de verificar e estabelecer a qualidade das coisas ou serviços fornecidos;
b) Estabeleçam obrigações duradouras perpétuas ou cujo tempo de vigência dependa, apenas, da vontade de quem as proponha;
c) Consagrem, a favor de quem as proponha, a possibilidade de cessão da posição contratual, de transmissão de dívidas ou de subcontratar, sem o acordo da contraparte, salvo se a identidade do terceiro constar do contrato inicial;
d) Permitam a não correspondência entre as prestações a efectuar e as indicações, especificações ou amostras feitas ou exibidas no contrato;
e) Alterem as regras respeitantes ao ónus da prova e à distribuição do risco;
f) Limitem ou, de qualquer modo, alterem disposições assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante.
1. Podem ser proibidas as cláusulas contratuais gerais que:
a) Estabeleçam a favor do proponente prazos excessivos para a aceitação ou rejeição da proposta, bem como para a vigência ou denúncia do contrato;
b) Estabeleçam a favor do proponente prazos excessivos para o cumprimento, sem mora, das obrigações assumidas;
c) Afastem, injustificadamente, as regras relativas ao cumprimento defeituoso ou aos prazos para denúncia dos vícios das prestações;
d) Imponham ficções de recepção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes;
e) Façam depender a garantia das qualidades da coisa cedida ou dos serviços prestados, injustificadamente, do não recurso a terceiros;
f) Coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de denúncia do contrato, imediata ou com pré-aviso insuficiente, sem motivo ou compensação adequada, quando por via da sua execução a contraparte tenha realizado investimentos ou outros dispêndios consideráveis;
g) Impeçam a denúncia imediata do contrato quando as elevações de preço a justifiquem;
h) Estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra parte o justifiquem;
i) Remetam para o direito estrangeiro, quando os inconvenientes causados a uma das partes não sejam compensados por interesses sérios e objectivos da outra;
j) Consagram a faculdade de modificar as prestações a favor do proponente, sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas;
l) Limitem, injustificadamente, a faculdade de interpelar;
m) Limitem a responsabilidade do proponente, por vício da prestação, a reparações ou a indemnizações pecuniárias predeterminadas;
n) Permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessivas, dentro de prazos manifestamente curtos ou, para além deste limite, elevações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437.º do Código Civil;
o) Impeçam, injustificadamente, reparações ou fornecimentos por terceiros;
p) Imponham antecipações de cumprimento exageradas;
q) Estabeleçam garantias demasiado elevadas ou excessivamente onerosas em face do valor a assegurar;
r) Exijam, para a prática de actos na vigência do contrato, formalidades que a lei não prevê ou vinculem as partes a comportamentos supérfluos, para o exercício dos seus direitos processuais;
s) Consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir;
t) Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivos justificativos, fundados na lei ou em convenção;
u) Fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes.
2. A proibição das cláusulas, a que se refere o número anterior, depende da sua adequada ponderação face ao quadro negocial abstractamente proposto.
1. As cláusulas contratuais gerais proibidas são nulas nos termos previstos nesta lei.
2. As nulidades são invocáveis nos termos gerais.
1. Aquele que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares quando algumas dessas cláusulas sejam nulas.
2. A manutenção de tais contratos implica a vigência, na parte afectada, das normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
Se a faculdade, prevista no número anterior, não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos.
As cláusulas contratuais gerais, elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 11.º, 12.º e 13.º, podem ser proibidas por decisão judicial independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares.
1. A acção destinada a obter a condenação na abstenção do uso ou da recomendação de cláusulas contratuais gerais só pode ser intentada:
a) Pelo Conselho de Consumidores;
b) Por associações profissionais ou associações de interesses de ordem económica legalmente constituídas, actuando no âmbito das suas atribuições;
c) Pelo Ministério Público, oficiosamente ou mediante solicitação de qualquer interessado.
2. As entidades, referidas no número anterior, actuam no processo em nome próprio, embora façam valer um direito alheio pertencente, em conjunto, aos consumidores susceptíveis de virem a ser atingidos pelas cláusulas cuja proibição é solicitada.
1. A acção, referida no número anterior, pode ser intentada:
a) Contra quem, no âmbito da sua actividade, proponha contratos com base em cláusulas contratuais gerais ou, apenas, aceite propostas feitas nos seus termos;
b) Contra quem, independentemente da sua utilização em concreto, recomende a terceiros cláusulas contratuais gerais.
2. A acção pode ser intentada, em conjunto, contra várias entidades que se encontrem na situação prevista no número anterior, ainda que a coligação importe ofensa do disposto no artigo seguinte.
Para a acção inibitória é competente o Tribunal da Comarca de Macau quando:
a) O centro da actividade principal do demandado se situar no Território;
b) As cláusulas contratuais gerais sejam propostas ou recomendadas para utilização no Território.
1. A acção de inibição segue os termos do processo sumário de declaração e está isenta de custas.
2. A acção de inibição considera-se sempre de valor equivalente ao da alçada do Tribunal da Comarca mais $ 1,00 (uma) pataca.
1. A decisão que proíba cláusulas contratuais gerais deve especificar o âmbito da proibição, designadamente através da referência concreta ao seu teor e a indicação do tipo de contratos a que a proibição se reporta.
2. A pedido do autor, pode ainda a parte vencida ser condenada a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine.
1. Quando haja receio fundado de virem a ser incluídas em contratos singulares cláusulas contratuais gerais incompatíveis com o disposto na presente lei, podem as entidades referidas no artigo 18.º requerer a sua proibição provisória.
2. A proibição provisória segue, com as devidas adaptações, os termos fixados pela lei processual para as providências cautelares não especificadas.
1. As cláusulas contratuais gerais definitivamente proibidas por decisão transitada em julgado, ou outras que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas.
2. Aquele que seja parte em contratos onde se incluam cláusulas contratuais gerais objecto de uma decisão de inibição pode invocar a todo o tempo, em seu benefício, a declaração incidental de nulidade contida naquela decisão.
3. A inobservância do preceituado no n.º 1 tem como consequência a aplicação do disposto no artigo 14.º
Constitui crime de desobediência qualificada o não acatamento da sentença que proíba, nos termos do artigo 22.º, o uso ou a recomendação de cláusulas contratuais gerais.
1. A infracção ao disposto no artigo 22.º, tendo a decisão referida transitado em julgado, é punida com uma sanção pecuniária compulsória de $ 10 000,00 a $ 50 000,00 patacas.
2. A sanção, prevista no número anterior, é aplicada pelo tribunal que apreciar a causa em primeira instância, a requerimento de quem possa prevalecer-se da decisão proferida, devendo conceder-se ao infractor a faculdade de ser previamente ouvido.
3. O montante da sanção destina-se, em partes iguais, ao requerente e ao Território.
Ficam ressalvadas todas as disposições legais que, em concreto, se mostrem mais favoráveis ao aderente que subscreva ou aceite propostas que contenham cláusulas contratuais gerais.
A presente lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 1993.
Aprovada em 10 de Julho de 1992.
A Presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Sales Ritchie.
Promulgada em 19 de Setembro de 1992.
Publique-se.
O Governador, Vasco Rocha Vieira.