A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:
1. A presente lei estabelece o regime da arbitragem necessária para a resolução de litígios relativos a infiltrações de água em edifícios.
2. A presente lei é aplicável aos edifícios, às partes comuns do condomínio e às suas fracções autónomas, nomeadamente, nas situações de suprimento do consentimento, quando haja necessidade de entrar em fracção autónoma para realizar inspecção ou obras devido a infiltração de água nas partes comuns do condomínio.
3. O disposto na presente lei não é aplicável aos edifícios em construção.
4. O disposto na presente lei não prejudica qualquer outra legislação aplicável caso as infiltrações de água ponham em causa a segurança ou saúde pública, nomeadamente a aplicação da Lei n.º 14/2021 (Regime jurídico da construção urbana) e da legislação que confere poderes à autoridade sanitária.
Para efeitos da presente lei, o termo «edifício» é entendido nos termos da respectiva definição constante da Lei n.º 14/2021.
1. Caso seja necessário entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para averiguar a origem de uma infiltração de água ou realizar obras de reparação para evitar infiltrações de água, pode entrar-se no respectivo edifício ou fracção autónoma para realizar uma inspecção ou obras de reparação, após ter sido obtido o consentimento do respectivo proprietário, arrendatário, usufrutuário ou outro possuidor ou detentor.
2. Quando não for obtido o consentimento referido no número anterior, o mesmo pode ser suprido por decisão arbitral.
3. Para efeitos do disposto no número anterior, cabe à parte que peça o suprimento do consentimento comprovar a necessidade de entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de inspecção ou de realização de obras de reparação.
4. A inspecção ou as obras de reparação referidas no n.º 1 são realizadas de forma necessária e proporcional, sob pena de as mesmas serem consideradas indevidas.
5. Se, após a inspecção, se chegar à conclusão de que o edifício ou fracção autónoma em causa não está relacionado com as infiltrações de água, o respectivo proprietário, arrendatário, usufrutuário ou outro possuidor ou detentor tem o direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais que comprovadamente tenha sofrido com a inspecção.
1. Os litígios sobre as infiltrações de água nos edifícios, nas partes comuns do condomínio ou nas suas fracções autónomas são resolvidos prioritariamente mediante negociação.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, antes de requerer a arbitragem necessária, a parte pode comunicar à outra parte, por qualquer meio, o conteúdo e os fundamentos do seu pedido, a fim de proceder à negociação quanto ao litígio relativo a infiltrações de água.
3. No caso de suprimento do consentimento para entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de inspeccionar as infiltrações de água, na comunicação referida no número anterior é ainda necessário indicar o conteúdo constante do relatório de detecção das infiltrações de água referido no capítulo III.
4. Quando for impossível proceder à comunicação com a outra parte por a mesma ser desconhecida ou estar ausente em parte incerta, ou por qualquer outra razão, o conteúdo da comunicação é afixado na entrada do edifício ou da fracção autónoma em causa, considerando-se a mesma efectuada.
1. São resolvidos por arbitragem necessária os seguintes litígios:
1) O suprimento do consentimento para entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de inspeccionar as infiltrações de água;
2) A realização de obras de reparação para evitar infiltrações de água e o eventual suprimento do consentimento para entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de reparação;
3) A indemnização pelos danos patrimoniais causados por infiltrações de água;
4) A indemnização pelos danos patrimoniais causados por inspecção ou obras indevidas referidas no n.º 4 do artigo 3.º ou por inspecção referida no n.º 5 do mesmo artigo.
2. No processo arbitral relativo ao pedido referido na alínea 1) do número anterior só pode formular-se o pedido aí referido.
3. O disposto no n.º 1 não impede que a parte intente acção judicial para indemnização por danos não patrimoniais, nos termos gerais da lei civil.
O tribunal arbitral é composto por um árbitro único nomeado pela instituição de arbitragem.
1. O requerimento da arbitragem necessária contém, nomeadamente, os seguintes elementos:
1) A identificação e os contactos das partes;
2) A identificação do edifício ou fracção autónoma pertencente ao demandado;
3) A descrição de todos os factos relevantes para a resolução do litígio;
4) A indicação do pedido e, no caso de se tratar do pedido referido nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 5.º, da forma de realização da inspecção ou das obras, quando o demandado não cumpra voluntariamente a decisão;
5) A indicação de ter sido efectuada a comunicação a que se referem os n.os 2 ou 4 do artigo 4.º e a referência à falta de acordo;
6) A junção ou indicação das provas;
7) Qualquer outra circunstância que o demandante considere relevante.
2. Tratando-se do pedido referido na alínea 1) do n.º 1 do artigo 5.º, o requerimento da arbitragem necessária tem ainda de ser acompanhado da cópia do relatório de detecção das infiltrações de água referido no capítulo III.
3. Tratando-se do pedido referido na alínea 2) do n.º 1 do artigo 5.º, o requerimento da arbitragem necessária tem ainda de ser acompanhado da cópia do relatório de detecção das infiltrações de água, referido no capítulo III, ou de outros documentos ou informações que comprovem que têm de ser realizadas obras de reparação para evitar infiltrações de água no edifício, nas partes comuns do condomínio ou na fracção autónoma do demandado.
O tribunal arbitral deve recusar o requerimento da arbitragem necessária caso este não satisfaça o disposto no artigo anterior e a falta não tenha sido sanada pelo demandante no prazo fixado pelo tribunal arbitral.
1. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a instituição de arbitragem notifica o demandado através de carta registada com aviso de recepção, no prazo de seis dias a contar da data da recepção do requerimento de arbitragem ou do requerimento de arbitragem sanado, para que seja dada a resposta referida no n.º 1 do artigo seguinte.
2. Para efeitos da notificação referida no número anterior, a instituição de arbitragem tem o poder de obter, junto dos serviços ou entidades públicos, informações sobre a residência, o domicílio e o endereço de contacto do demandado.
3. Caso seja impossível a notificação pela instituição de arbitragem através da forma referida no n.º 1, nomeadamente quando o demandado for desconhecido ou estiver ausente em parte incerta, ou se recusar a assinar o aviso de recepção ou a receber a carta, procede-se à notificação edital.
4. A notificação edital é efectuada mediante a publicação da notificação na página electrónica da instituição de arbitragem e a sua afixação na entrada do edifício ou da fracção autónoma em causa, após a qual, considera-se a mesma efectuada.
5. À notificação da decisão arbitral é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no presente artigo.
1. O demandado apresenta a sua resposta onde expõe, nomeadamente, a sua posição relativamente ao litígio e ao pedido, bem como os respectivos fundamentos, nos prazos abaixo indicados, contados da data da recepção da notificação referida no n.º 1 do artigo anterior ou da afixação da notificação referida no n.º 4 do mesmo artigo:
1) Tratando-se do pedido referido na alínea 1) do n.º 1 do artigo 5.º, o prazo da resposta é de 10 dias;
2) Tratando-se dos pedidos referidos nas alíneas 2) a 4) do n.º 1 do artigo 5.º, o prazo da resposta é de 20 dias.
2. A requerimento do demandado, o prazo de apresentação da resposta apenas pode ser prorrogado:
1) Pelo tribunal arbitral, com justa causa, depois de ouvido o demandante;
2) Por acordo de ambas as partes.
1. O tribunal arbitral decide se o processo arbitral deve comportar audiências para produção de prova ou para alegações orais, ou se o processo deve ser conduzido apenas com base em documentos e outros elementos de prova.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o tribunal arbitral tem de realizar audiências, se uma das partes o requerer.
3. No caso da realização de audiência, a mesma é realizada no prazo de 20 dias a contar da apresentação da resposta ou, caso esta não tenha sido apresentada, no prazo de 20 dias a contar do termo do prazo para a sua apresentação.
1. Antes de proferida a decisão arbitral, se as partes chegarem a acordo em relação a uma parte do litígio, considera-se resolvido o litígio respeitante a essa parte, constando da decisão arbitral a homologação do acordo referido.
2. O demandado tem de comunicar, por escrito, ao tribunal arbitral o acordo referido no número anterior, no prazo de seis dias, fornecendo as informações necessárias para o efeito.
3. A decisão arbitral é proferida, consoante os casos, nos seguintes prazos:
1) Se for realizada a audiência, a decisão arbitral é proferida no prazo de 20 dias a contar da data da última audiência;
2) Tratando-se de processo arbitral conduzido apenas com base em documentos e outros elementos de prova, a decisão arbitral é proferida no prazo de 20 dias a contar da apresentação da resposta pelo demandado ou, caso não tenha sido apresentada resposta, no prazo de 20 dias a contar do termo do prazo para a sua apresentação;
3) No caso referido no n.º 1, quando se chegue a acordo em relação à totalidade do litígio, a decisão arbitral é proferida no prazo de 10 dias a contar da data da recepção da comunicação referida no n.º 2 pelo tribunal arbitral.
4. Na tomada de decisões, o tribunal arbitral deve ter em conta, nomeadamente:
1) Se a prova que acompanha o requerimento da arbitragem é o relatório de detecção das infiltrações de água referido no capítulo III, o tribunal arbitral pode, depois de verificado o referido relatório, consoante o pedido, proferir a decisão dos litígios referidos nas alíneas 1) ou 2) do n.º 1 do artigo 5.º;
2) Se a prova que acompanha o requerimento da arbitragem não é o relatório de detecção das infiltrações de água referido no capítulo III, o tribunal arbitral pode, consoante o pedido e atendendo às provas apresentadas pelo demandante e ao resultado da audiência eventualmente realizada, proferir a decisão dos litígios referidos nas alíneas 2) a 4) do n.º 1 do artigo 5.º.
5. No caso referido na alínea 1) do número anterior, se o tribunal arbitral fizer juízo diferente do relatório de detecção das infiltrações de água, referido no capítulo III, tem de fundamentá-lo.
6. Para efeitos do disposto no n.º 4, no caso de suprimento do consentimento para a inspecção das infiltrações de água ou de condenação na realização de obras de reparação e eventual suprimento do consentimento para entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de reparação, o tribunal arbitral tem ainda de indicar na decisão arbitral o prazo de cumprimento voluntário e, findo este prazo sem cumprimento, determinar os termos da inspecção ou da execução da obra, nomeadamente, a duração da inspecção e a parte inspectora ou a duração da obra e a parte executora da mesma.
O tribunal arbitral decide de acordo com o direito material da Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM.
1. Da decisão arbitral referida na presente lei cabe recurso para o Tribunal de Segunda Instância, aplicando-se o disposto no Código de Processo Civil quanto ao recurso da decisão que ponha termo ao processo.
2. O recurso referido no número anterior segue as regras próprias do recurso ordinário e reveste-se de carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente.
3. No caso de ser interposto recurso da decisão arbitral e qualquer das partes invocar ao mesmo tempo a anulabilidade da decisão, deve ser apreciada a anulabilidade da decisão no âmbito desse recurso.
4. O Tribunal de Segunda Instância envia à instituição de arbitragem em causa a cópia do despacho ou da decisão de que conste o seguinte:
1) A admissão do pedido de recurso interposto nos termos do n.º 1;
2) O termo do processo do recurso em causa e o trânsito em julgado da decisão.
5. Do acórdão do Tribunal de Segunda Instância não cabe recurso para o Tribunal de Última Instância.
São representados pelo Ministério Público os incapazes, incertos ou ausentes, sem representante legal ou voluntário, que sejam partes do processo de arbitragem necessária previsto na presente lei.
1. Os encargos da arbitragem incluem os honorários dos árbitros, os encargos administrativos do processo e as despesas com a produção de prova.
2. Os encargos da arbitragem são pagos pelas partes.
3. Cabe ao tribunal arbitral decidir o modo de repartição dos encargos da arbitragem, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as disposições relativas às custas previstas no Código de Processo Civil.
4. Os encargos da arbitragem e demais assuntos com estes relacionados são definidos por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, doravante designado por Boletim Oficial.
1. A administração do processo de arbitragem necessária previsto na presente lei cabe à instituição de arbitragem designada por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial.
2. A instituição de arbitragem estabelece um regulamento de processo específico para a realização do processo arbitral referido no número anterior, ouvindo, para o efeito, a Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça.
Ao processo de arbitragem necessária previsto na presente lei é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto na Lei n.º 13/2012 (Regime geral de apoio judiciário).
1. A decisão arbitral transitada em julgado tem a mesma força executiva que as sentenças do Tribunal Judicial de Base.
2. À execução da decisão arbitral aplica-se o disposto no Código de Processo Civil, sendo aplicável, quando a execução seja fundamentada na decisão arbitral do suprimento do consentimento para entrar em edifício ou fracção autónoma alheios, referido nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 5.º, nomeadamente o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 725.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
1. Para efeitos da presente lei, o relatório de detecção das infiltrações de água pode ser realizado, consoante as situações, antes ou depois da entrada no edifício ou fracção autónoma alheios, podendo servir, sobretudo, como meio de prova para os pedidos referidos nas alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 5.º.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, o relatório de detecção das infiltrações de água contém, pelo menos, os seguintes elementos:
1) Métodos e processos de detecção;
2) Análise da detecção;
3) Conclusões da detecção e medidas propostas, incluindo a indicação da necessidade de entrar em edifício ou fracção autónoma alheios para efeitos de inspecção ou, caso se tenha confirmado que o edifício, as partes comuns do condomínio ou a fracção autónoma em causa estão relacionados com as infiltrações de água, a indicação da necessidade de efectuar obras de reparação e da proposta concreta para as mesmas;
4) Identificação do signatário, com indicação das informações relativas à sua inscrição, nos termos da Lei n.º 1/2015 (Regime de qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo);
5) Outros assuntos relevantes para a detecção.
1. Estão habilitados a emitir o relatório de detecção das infiltrações de água referido no artigo anterior:
1) Os técnicos do sector privado na área de especialização da engenharia civil, inscritos nos termos da Lei n.º 1/2015;
2) Os empresários comerciais, pessoas singulares, ou as sociedades comerciais, que possuam ao seu serviço, pelo menos, um dos técnicos referidos na alínea anterior.
2. Caso o relatório de detecção das infiltrações de água seja elaborado por mais de um técnico, empresário comercial, pessoa singular, ou sociedade comercial, todos os intervenientes têm de, na qualidade de responsáveis pela detecção, assinar, conjuntamente, esse relatório.
3. Tratando-se de relatório de detecção das infiltrações de água, emitido por entidade incumbida por serviço ou entidade público da RAEM de realizar a inspecção de infiltrações de água, o mesmo é também considerado como o relatório de detecção das infiltrações de água referido no presente capítulo, desde que dele conste o conteúdo previsto nas alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo anterior.
A instituição de arbitragem referida no n.º 1 do artigo 17.º pode, nos termos da Lei n.º 8/2005 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), recorrer a qualquer meio, incluindo a interconexão de dados, para fornecer, trocar, confirmar e utilizar os dados pessoais dos interessados com outras entidades públicas ou privadas que possuam dados necessários à execução da presente lei.
1. O disposto na Lei n.º 19/2019 (Lei da arbitragem) aplica-se, com as necessárias adaptações, às matérias relativas à arbitragem que não se encontrem especialmente reguladas na presente lei.
2. Nas demais matérias que não se encontrem especialmente reguladas na presente lei aplica-se, subsidiariamente, consoante a sua natureza, o disposto no Código Civil e no Código de Processo Civil.
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Setembro de 2023.
Aprovada em 7 de Junho de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In.
Assinada em 12 de Junho de 2023.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.