No domínio das modernas políticas criminais e penitenciárias, aliás impulsionadas no âmbito de diversas instâncias internacionais, deparamos com soluções que apontam para a transferência de reclusos condenados entre Estados soberanos, com o objectivo de favorecer a reinserção social e permitir uma melhor reintegração e readaptação ao meio familiar, social e profissional após o cumprimento da pena.
Para procurar dar resposta às questões acima enunciadas, foi acordado há cerca de um ano no Grupo de Ligação Conjunto um acordo-tipo sobre transferência de pessoas condenadas.
Há toda a conveniência em celebrar um acordo nesta matéria com a República Portuguesa.
Nestes termos;
Ouvido o Conselho Consultivo;
O Governador decreta, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:
É aprovado o Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo de Macau sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.
O presente diploma entra em vigor no dia 17 de Dezembro de 1999.
Aprovado em 16 de Dezembro de 1999.
Publique-se
O Governador, Vasco Rocha Vieira.
O Governo de Portugal e o Governador de Macau, devidamente autorizado para concluir este acordo,
DESEJOSOS de incrementar a cooperação em matéria penal;
CONSIDERANDO que esta cooperação deve servir os interesses de uma boa administração da Justiça e favorecer a reinserção social de pessoas condenadas;
CONSIDERANDO que estes objectivos exigem que as pessoas que se encontram privadas da sua liberdade em virtude da comissão de um facto ilícito fora do seu território ou País tenham a possibilidade de cumprir a condenação no seu ambiente social de origem;
CONSIDERANDO que a melhor forma de alcançar tal propósito é transferindo-os para o seu próprio meio social e familiar de origem;
CONSIDERANDO ainda que a transferência pressupõe uma efectiva ligação do condenado à jurisdição de execução, de modo a permitir uma melhor reintegração e readaptação ao seu meio familiar, social e profissional após o cumprimento da pena.
ACORDAM NO SEGUINTE:
Para os fins do presente acordo, a expressão:
a) «Condenação» significa qualquer pena ou medida privativa da liberdade, por um período determinado ou indeterminado, em virtude da prática de um facto ilícito;
b) «Sentença» significa uma decisão impondo uma condenação;
c) «Jurisdição de condenação» significa o Estado ou Território no qual foi condenada a pessoa que pode ser ou já foi transferida;
d) «Jurisdição de execução» significa o Estado ou Território para o qual o condenado pode ser ou já foi transferido, a fim de aí cumprir a condenação.
1 — As Partes comprometem-se a prestar mutuamente, nas condições previstas no presente acordo, a mais ampla cooperação possível em matéria de transferência de pessoas condenadas.
2 — Uma pessoa condenada numa das Partes pode, em conformidade com as disposições do presente acordo, ser transferida para a outra Parte para aí cumprir a condenação que lhe foi imposta. Para esse fim pode manifestar, junto de qualquer das Partes, o desejo de ser transferida nos termos do presente acordo.
3 — A transferência pode ser pedida por qualquer das Partes no presente acordo.
1 — Nos termos do presente acordo, uma transferência apenas pode ter lugar nas seguintes condições:
a) Se o condenado é residente de Macau quando seja Macau a proceder à execução; ou se o condenado é nacional Português quando seja Portugal a proceder à execução;
b) Se a sentença é definitiva e não houver processos penais pendentes quanto ao condenado na jurisdição de condenação, excepto se, havendo-os:
(i) a jurisdição de condenação aceitar adiar a transferência pelo tempo necessário à tramitação do ou dos processos penais pendentes; ou
(ii) a jurisdição de condenação solicitar à jurisdição de execução a transmissão do ou dos processos penais em curso contra o arguido, e a jurisdição de execução aceitar;
c) Se, na data de recepção do pedido de transferência, a duração da condenação que o condenado tem ainda de cumprir é superior a seis meses ou indeterminada;
d) Se o condenado ou, quando em virtude da sua idade ou do seu estado físico ou mental a legislação de uma das Partes o considere necessário, o seu representante tiver consentido na transferência;
e) Se os actos ou omissões que originaram a condenação constituem um facto ilícito face à lei da jurisdição de execução ou poderiam constituir se nela tivessem sido praticados; e
f) Se as Partes estiverem de acordo quanto à transferência.
2 — Em casos excepcionais, as Partes podem acordar numa transferência mesmo quando a duração da condenação que o condenado tem ainda a cumprir é inferior à prevista na alínea c) do número 1.
3 — Qualquer das Partes pode, no momento da troca da notificação referida no artigo 17.º, indicar que pretende excluir a aplicação de um dos procedimentos referidos no número 1 do artigo 9.º
4 — Cada uma das Partes pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida à outra Parte, definir, no que lhe diz respeito e para os fins do presente acordo, os conceitos referidos na alínea a) do número 1.
1 — Qualquer condenado ao qual o presente acordo se possa aplicar deve ser informado do seu conteúdo pela Parte que procedeu à condenação.
2 — Se o condenado exprimir, junto da jurisdição de condenação, o desejo de ser transferido ao abrigo do presente acordo, esta jurisdição deve informar de tal facto a jurisdição de execução, o mais cedo possível, logo após a sentença ter transitado em julgado.
3 — As informações devem incluir:
a) O nome, a data e o lugar de nascimento do condenado;
b) Sendo caso disso, o seu endereço na jurisdição de execução;
c) Uma exposição dos factos que originaram a condenação;
d) A natureza e a duração da condenação e informações relativas ao cumprimento da condenação;
e) Sendo caso disso, a referência ao processo ou processos penais ainda pendentes em que o condenado esteja constituído como arguido. Neste caso, a jurisdição de condenação deve informar a jurisdição de execução da sua preferência por um dos mecanismos alternativos consagrados na alínea b) do número 1 do artigo 3.º;
f) Elementos que permitam aferir de uma ligação efectiva à jurisdição de execução.
4 — Se o condenado manifestar, junto da jurisdição de execução, o desejo de ser transferido ao abrigo do presente acordo, a jurisdição de condenação comunica à outra Parte no presente acordo, a seu pedido, as informações referidas no número anterior.
5 — O condenado deve ser informado por escrito de todas as diligências empreendidas por qualquer das Partes em conformidade com os números anteriores, bem como de qualquer decisão tomada relativamente a um pedido de transferência.
1 — Os pedidos de transferência e as respostas devem ser formulados por escrito.
2 — Esses pedidos devem ser dirigidos pela entidade que tem a seu cargo a administração da Justiça da Parte requerente à entidade que tem a seu cargo a administração da Justiça da Parte requerida. As respostas devem ser comunicadas pela mesma via.
3 — A Parte requerida deve informar a Parte requerente, no mais curto prazo possível, da sua decisão de aceitar ou de recusar a transferência pedida.
1 — A jurisdição de execução deve, a pedido da jurisdição de condenação, fornecer a esta última:
a) Um documento ou uma declaração indicando que o condenado é residente de Macau quando seja Macau a proceder à execução; ou um documento indicando que o condenado é nacional Português quando seja Portugal a proceder à execução;
b) Uma cópia das disposições legais da jurisdição de execução das quais resulte que os actos ou omissões que motivaram a condenação na jurisdição de condenação constituem um facto ilícito segundo a lei da jurisdição de execução ou constituiriam um facto ilícito caso nela tivessem sido cometidos;
c) Uma declaração contendo as informações referidas no número 2 do artigo 9.º
2 — Se for pedida uma transferência, a jurisdição de condenação deve fornecer os seguintes documentos à jurisdição de execução:
a) Uma cópia autenticada da sentença e das disposições legais aplicadas;
b) A indicação do período de condenação já cumprido, incluindo informações sobre qualquer detenção provisória, redução da pena ou outro acto relativo à execução da condenação;
c) Uma declaração contendo o consentimento na transferência, de acordo com a alínea d) do número 1 do artigo 3.º;
d) Sempre que for caso disso, qualquer relatório médico ou social sobre o condenado, qualquer informação sobre o seu tratamento na jurisdição de condenação e qualquer recomendação para a continuação do seu tratamento na jurisdição de execução;
e) Relatório sucinto onde constem os elementos que permitam aferir da ligação efectiva do condenado à jurisdição de execução.
3 — Ambas as Partes devem fornecer qualquer dos documentos ou declarações referidos nos números anteriores no mais breve prazo possível após o pedido haver sido formulado pela outra Parte.
1 — A jurisdição de condenação deverá assegurar-se de que a pessoa cujo consentimento para a transferência é necessário nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 3.º, o presta voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas daí decorrentes. O processo para a prestação de tal consentimento rege-se pela lei da jurisdição de condenação.
2 — A Parte que procedeu à condenação deve facultar à Parte que procederá à execução a possibilidade de verificar, por intermédio de funcionário designado por acordo entre as Partes, se o consentimento foi dado nas condições referidas no número anterior.
1 — A execução da condenação fica suspensa na jurisdição de condenação logo que as autoridades da jurisdição de execução tomem o condenado a seu cargo.
2 — A jurisdição de condenação não pode executar novamente a condenação a partir do momento em que a jurisdição de execução a considere cumprida.
1 — A autoridade competente da jurisdição de execução deve:
a) Continuar a execução da condenação imediatamente ou com base numa decisão judicial ou administrativa, nas condições referidas no artigo 10.º; ou
b) Converter a condenação, mediante processo judicial ou administrativo, numa decisão dessa jurisdição, substituindo assim a sanção proferida na jurisdição de condenação por uma sanção prevista pela legislação da jurisdição de execução para o mesmo facto ilícito, nas condições referidas no artigo 11.º
2 — Se tal for solicitado, a autoridade competente da jurisdição de execução deve indicar, antes da transferência da pessoa condenada, qual dos processos referidos no número anterior irá adoptar.
3 — A execução da condenação rege-se pela lei da jurisdição de execução, a qual detém competência exclusiva para tomar todas as decisões apropriadas.
1 — No caso de continuação da execução, a jurisdição de execução fica vinculada pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação.
2 — Contudo, se a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação da jurisdição de execução, ou se a sua legislação o exigir, pode a sanção ser adaptada, com base em decisão judicial ou administrativa, à pena ou medida previstas na sua própria lei para factos ilícitos da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta na jurisdição de condenação nem exceder o máximo previsto pela lei da jurisdição de execução.
1 — No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei da jurisdição de execução. Ao efectuar a conversão, a autoridade competente:
a) Ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes fiquem explícita ou implicitamente na sentença proferida na jurisdição de condenação;
b) Não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária;
c) Descontará integralmente o período de privação de liberdade cumprido pelo condenado; e
d) Não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei da jurisdição de execução para o facto ou factos ilícitos cometidos.
2 — Quando o processo de conversão tenha lugar após a transferência da pessoa condenada, a jurisdição de execução manterá essa pessoa detida ou tomará outras medidas de modo a assegurar a sua presença no seu território até ao termo desse processo.
Cada uma das Partes pode conceder, em conformidade com a sua legislação, a amnistia, o perdão, o indulto ou a comutação da pena.
Apenas a jurisdição de condenação tem o direito de decidir sobre qualquer recurso interposto para revisão da sentença.
A jurisdição de execução deve cessar a execução da condenação logo que seja informada pela jurisdição de condenação de qualquer decisão ou medida que tenha como efeito retirar à condenação o seu carácter executório.
A jurisdição de execução fornecerá informações à jurisdição de condenação relativamente à execução da condenação:
a) Logo que considere terminada a execução da condenação;
b) Se o condenado se evadir antes de terminada a execução da condenação; ou
c) Se o ordenamento jurídico da condenação lhe solicitar um relatório especial.
1 — As informações referidas nos números 2 a 4 do artigo 4.º bem como os pedidos de transferência e os documentos de apoio, devem ser prestados e traduzidos numa das línguas oficiais da Parte a quem são dirigidas.
2 — Salvo a excepção referida na alínea a) do número 2 do artigo 6.º, os documentos transmitidos em conformidade com o presente acordo não carecem de legalização.
3 — As despesas resultantes da aplicação do presente acordo são suportadas pela jurisdição de execução, com excepção das despesas efectuadas exclusivamente na jurisdição de condenação.
O presente acordo entra em vigor no dia 17 de Dezembro de 1999.
O presente acordo aplica-se à execução das condenações pronunciadas antes ou depois da sua entrada em vigor.
1 — Qualquer Parte pode, em qualquer momento, denunciar o presente acordo mediante notificação dirigida à outra Parte.
2 — A denúncia produzirá efeito no primeiro dia do mês seguinte ao termo do prazo de três meses após a data de recepção da notificação.
3 — Contudo, o presente acordo continuará a aplicar-se à execução das condenações de pessoas transferidas em conformidade com o referido acordo antes da denúncia produzir efeito.
Todos os litígios decorrentes da interpretação, aplicação e execução do presente acordo serão resolvidos por via diplomática quando as autoridades competentes das duas partes contratantes não consigam chegar a acordo.
EM FÉ DO QUE OS ABAIXO ASSINADOS, DEVIDAMENTE AUTORIZADOS PARA O EFEITO, ASSINARAM O PRESENTE ACORDO.
AOS 7 DE DEZEMBRO DE 1999, EM PORTUGUÊS E CHINÊS, FAZENDO AMBOS OS TEXTOS IGUALMENTE FÉ.
Pelo Território de Macau | Pelo Governo de Portugal |
O Governador, | O Ministro da Justiça, |
Vasco Rocha Vieira | António Costa |