O Livro III do Código Comercial de 1888, que versa sobre a matéria do comércio marítimo, encontra-se profundamente desactualizado e desadaptado da realidade actual.
A reforma e revisão destas disposições enquadra-se no âmbito dos trabalhos de reforma e localização de todo o ordenamento jurídico de Macau e impõe-se, desde logo, pela importância que assume o comércio marítimo para a economia do Território. É inegável o volume de tráfego marítimo em Macau resultante de relações comerciais estabelecidas com países e territórios próximos, com destaque para a Região Administrativa Especial de Hong Kong e para a República Popular da China.
O presente diploma, ao modernizar e adaptar a realidade jurídica às condições locais, vem dar resposta às necessidades legislativas sentidas neste domínio.
Nestes termos;
Ouvido o Conselho Consultivo;
O Governador decreta, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:
TÍTULO I
DOS NAVIOS
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
(Noção de navio)
1. Entende-se por navio um veículo afecto ao transporte por águas marítimas ou interiores.
2. Consideram-se abrangidos no número anterior os veículos que, sendo afectos ao transporte nele referido, se deslocam sobre almofadas de ar.
3. Não são abrangidos pelo n.º 1 os veículos afectos principalmente ao transporte por rios, canais ou lagos.
Artigo 2.º
(Natureza do navio)
Os navios são bens móveis sujeitos a registo.
Artigo 3.º
(Partes componentes e integrantes)
1. A ligação material de uma coisa ao navio não prejudica os direitos sobre ela constituídos anteriormente por quem não seja proprietário do navio, a menos que este proprietário a adquira por acessão. Todavia só são oponíveis a terceiros de boa fé, que adquiram direitos sobre o navio, os direitos sobre partes componentes ou integrantes que resultem de documento com data certa anterior à aquisição dos direitos sobre o navio ou do inventário de bordo.
2. A alienação de partes componentes ou integrantes só produz efeitos reais a partir da separação e não é oponível a terceiros que tenham adquirido direitos sobre o navio antes da separação.
3. Considera-se certa a data dos documentos autênticos, dos documentos autenticados e de outros documentos particulares em que possa ser fixada com segurança.
Artigo 4.º
(Pertenças do navio)
1. Consideram-se como pertenças do navio todas as coisas que, sem estarem ligadas materialmente ao navio, são duradouramente afectas à realização do seu destino económico.
2. Em caso de dúvida, são consideradas como pertenças do navio as coisas que forem inscritas no inventário de bordo.
3. As situações jurídicas que tenham por objecto o navio abrangem também as pertenças. Às partes de um negócio jurídico que tenha por objecto o navio é, porém, lícito convencionar que o negócio não abrange as pertenças.
4. O vínculo de pertinência é oponível a terceiros, salvo o disposto no número seguinte.
5. A afectação de uma coisa como pertença do navio não prejudica os direitos sobre ela constituídos anteriormente por quem não seja proprietário do navio. Todavia só são oponíveis a terceiros de boa fé, que adquiram direitos sobre o navio, os direitos sobre pertenças que resultem de documento com data certa anterior à aquisição dos direitos sobre o navio ou do inventário de bordo.
6. A cessação do vínculo de pertinência só é oponível a terceiros que tenham adquirido anteriormente direitos sobre o navio se a propriedade alheia da coisa resultar de documento com data certa anterior à aquisição desses direitos ou do inventário de bordo.
Artigo 5.º
(Modos de aquisição)
1. Os navios podem ser adquiridos pelos modos legalmente previstos para os outros bens móveis, com as especialidades decorrentes do registo e os desvios estabelecidos nos números seguintes.
2. Os navios não são susceptíveis de ocupação.
3. Os navios podem ser adquiridos pelo apresamento, com julgamento de boa presa, e pelo abandono ao segurador.
Artigo 6.º
(Direito aplicável aos direitos sobre o navio)
1. Os direitos sobre navios são regulados pelo direito do lugar onde a matrícula tiver sido efectuada.
2. Em caso de mudança do lugar da matrícula que desencadeie uma sucessão de direitos aplicáveis às situações constituídas são transpostas para a categoria mais apropriada do direito do novo lugar da matrícula.
3. A constituição de um direito real de garantia não sujeito a registo segundo o direito do lugar da matrícula depende, porém, do direito regulador do crédito garantido, sem prejuízo da competência do direito do lugar da matrícula quanto aos seus efeitos.
4. Os direitos reais de garantia referidos no número anterior que não sejam reconduzíveis a uma das categorias previstas no direito do lugar da matrícula são graduados depois dos outros direitos reais de garantia sobre o navio e em posição de paridade entre si.
Artigo 7.º
(Arresto de navio)
1. O arresto de navio é regulado, em qualquer caso, pelas disposições contidas na Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras sobre Arresto de Navios, de 10 de Maio de 1952.
2. As normas sobre o arresto contidas no Código de Processo Civil só são aplicáveis quando as disposições convencionais remetam para a lei processual interna.
CAPÍTULO II
Da construção, reparação e venda de navio
Artigo 8.º
(Direito aplicável aos contratos de construção, reparação e venda de navio)
1. A construção, reparação e venda de navio são regidas pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território onde o construtor, reparador ou vendedor tem o seu estabelecimento no momento da celebração do contrato.
4. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
Artigo 9.º
(Construção e reparação de navio)
1. São aplicáveis aos contratos de construção e de reparação de navio as normas que regulam o contrato de empreitada, em tudo o que não contrarie o disposto nos números seguintes.
2. O contrato de construção, bem como os negócios que o modificarem ou revogarem, estão sujeitos a forma escrita, ainda que sejam celebrados fora do território de Macau.
3. O disposto no número anterior é aplicável ao contrato de grande reparação, bem como aos negócios que o modificarem ou revogarem. É considerado como contrato de grande reparação todo aquele cuja importância exceder metade do valor do navio.
4. A denúncia ao construtor dos defeitos do navio pode ser efectuada a qualquer momento, sem prejuízo do prazo de caducidade dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização.
5. Em caso de defeitos ocultos o prazo de caducidade referido no número anterior conta-se a partir da sua descoberta.
6. O disposto nos n.os 4 e 5 é aplicável, com as devidas adaptações, a todos os contratos de reparação.
Artigo 10.º
(Negócios de disposição do navio)
1. São aplicáveis ao contrato de venda de navio as normas que regulam o contrato de compra e venda, em tudo o que não contrarie o disposto nos números seguintes.
2. O contrato de venda de navio está sujeito a forma escrita, ainda que seja celebrado fora do território de Macau.
3. A forma estabelecida no número anterior é exigida para todos os negócios de constituição ou disposição de direitos reais sobre o navio.
4. A denúncia ao vendedor dos defeitos do navio pode ser efectuada dentro de um ano a contar da sua entrega.
5. Em caso de defeitos ocultos o prazo referido no número anterior conta-se a partir da sua descoberta.
CAPÍTULO III
Do proprietário
Artigo 11.º
(Noção de proprietário)
Proprietário do navio é aquele que o adquiriu por um dos modos legalmente admitidos, salvaguardados os efeitos do registo.
Artigo 12.º
(Responsabilidade civil do proprietário por poluição)
1. À responsabilidade por prejuízos causados por poluição, produzidos no território de Macau, bem como às medidas de salvaguarda destinadas a evitar ou reduzir tais prejuízos, são aplicáveis as disposições contidas na Convenção de Bruxelas sobre a Responsabilidade Civil por Danos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 29 de Novembro de 1969, alterada pelos Protocolos de Londres de 19 de Novembro de 1976 e de 27 de Novembro de 1992 ou de qualquer emenda ou protocolo a esta Convenção que esteja em vigor.
2. O artigo 7.º da Convenção é aplicável aos navios matriculados em Macau.
Artigo 13.º
(Direito de indemnização do proprietário)
O proprietário tem direito a ser indemnizado pelo armador por todos os prejuízos que lhe advenham da responsabilidade por poluição ou da oneração, arresto ou penhora do navio por dívidas contraídas pelo armador.
CAPÍTULO IV
Do aluguer
Artigo 14.º
(Contrato de aluguer)
Aluguer de navio é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de um navio, mediante retribuição.
Artigo 15.º
(Direito aplicável ao contrato de aluguer)
1. O aluguer de navio rege-se pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território onde o navio estiver matriculado.
4. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
Artigo 16.º
(Legitimidade do locador)
O aluguer de navio constitui, para o locador, um acto de administração extraordinária.
Artigo 17.º
(Forma do contrato)
O contrato de aluguer do navio está sujeito a forma escrita, ainda que celebrado fora do território de Macau.
Artigo 18.º
(Obrigações do locador)
São obrigações do locador:
a) Entregar o navio, com as respectivas pertenças, na data e lugar convencionados, em estado de navegabilidade e apto para o serviço a que é destinado;
b) Entregar os documentos necessários à navegação;
c) Eliminar os vícios ocultos do navio;
d) Assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina.
Artigo 19.º
(Obrigações do locatário)
São obrigações do locatário:
a) Receber o navio e observar a diligência de um bom armador na sua utilização, tendo em conta as suas características técnicas e em conformidade com os fins a que se destina;
b) Pagar o aluguer;
c) Pagar os vencimentos da tripulação;
d) Manter o navio em estado de navegabilidade e de acordo com a boa prática comercial, bem como a sua classificação e a vigência dos respectivos certificados, realizando as reparações necessárias para o efeito;
e) Facultar ao locador a inspecção ou vistoria do navio;
f) Prestar a garantia financeira com respeito a danos por poluição que seja exigida por qualquer autoridade pública por forma a que o navio possa realizar os fins a que se destina;
g) Manter, por sua conta, o navio seguro contra riscos de mar, de guerra e de protecção e indemnização, tanto no interesse próprio como no do locador, e em nome de ambos;
h) Avisar imediatamente o locador, sempre que tenha conhecimento de vícios da coisa ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador;
i) Restituir o navio findo o contrato, com as respectivas pertenças, na data e lugar convencionados e no estado em que foi recebido, ressalvada a deterioração inerente a uma normal utilização, em conformidade com os fins do contrato;
j) Indemnizar o locador pela responsabilidade em que incorra em consequência de o navio naufragar ou se tornar um impedimento à navegação.
Artigo 20.º
(Atraso na restituição do navio)
Em caso de atraso na restituição do navio, por facto imputável ao locatário, é este obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição o dobro do aluguer convencionado.
Artigo 21.º
(Rescisão do contrato de aluguer)
Perante o incumprimento definitivo do contrato por qualquer das partes tem a outra parte a faculdade de o resolver extrajudicialmente.
Artigo 22.º
(Regime subsidiariamente aplicável)
É subsidiariamente aplicável ao aluguer do navio o regime do contrato de locação.
Artigo 23.º
(Locação financeira)
À locação financeira é aplicável o regime do contrato de locação financeira e, subsidiariamente, as disposições relativas à locação de navio que forem compatíveis com a sua natureza.
CAPÍTULO V
Do armador
Artigo 24.º
(Noção de armador)
1. Armador é aquele que, com base num direito real ou pessoal de gozo, utiliza o navio para fins de navegação.
2. Em caso de dúvida presume-se armador o proprietário do navio.
Artigo 25.º
(Direito aplicável à representação do armador pelo comandante)
A representação, legal ou voluntária, do armador pelo comandante, é regulada pelo direito do lugar onde os poderes representativos são exercidos.
Artigo 26.º
(Direito aplicável à responsabilidade civil do armador por facto da tripulação)
1. A responsabilidade do armador por facto ilícito da tripulação é regulada pelo direito aplicável à responsabilidade extracontratual.
2. A responsabilidade do armador pelos actos e omissões praticados por tripulantes como seus auxiliares de cumprimento é regulada pelo direito aplicável ao negócio obrigacional em causa.
Artigo 27.º
(Representação do armador pelo comandante)
O armador responde pelas obrigações contraídas pelo comandante no exercício das funções que lhe estão confiadas.
Artigo 28.º
(Responsabilidade civil do armador por facto da tripulação)
1. O armador responde por facto ilícito praticado pela tripulação, no exercício das funções que lhe estão confiadas, nos termos em que o comitente responde pelo facto do comissário.
2. No cumprimento das suas obrigações, o armador responde pelos actos e omissões da tripulação, nos termos em que o devedor responde pelos actos e omissões dos seus auxiliares de cumprimento.
3. O armador não responde, porém, pelo cumprimento pelo comandante das obrigações que lhe são impostas pela lei em matéria de salvação ou com vista a garantir a segurança da navegação ou a tutela dos interesses envolvidos na expedição marítima considerados no seu conjunto.
4. O armador é responsável pelos actos ou omissões dos pilotos tomados a bordo, salvo quando a sua admissão for ordenada pela respectiva lei local.
CAPÍTULO VI
Da limitação de responsabilidade
Artigo 29.º
(Regime geral)
Quando uma pessoa referida no artigo seguinte pretenda limitar a sua responsabilidade por créditos marítimos no território de Macau aplicam-se as disposições do presente capítulo.
Artigo 30.º
(Pessoas com direito a limitar a sua responsabilidade)
1. O proprietário do navio e o salvador, tal como definidos nos n.os 2 e 3, pode limitar a sua responsabilidade relativamente aos créditos previstos no artigo seguinte.
2. A expressão «proprietário de navio» designa o proprietário, afretador, armador e armador-gerente de um navio.
3. Por «salvador» entende-se qualquer pessoa que forneça serviços em relação directa com as operações de salvamento. Estas operações compreendem as previstas nas alíneas d) a f) do n.º 1 do artigo seguinte.
4. Se qualquer dos créditos previstos no artigo seguinte for invocado perante qualquer pessoa por cujos actos ou omissões o proprietário ou o salvador é responsável, tal pessoa tem o direito de beneficiar da limitação de responsabilidade.
5. A expressão «responsabilidade do proprietário do navio» compreende a responsabilidade numa acção proposta contra o próprio navio.
6. O segurador que cobre a responsabilidade por créditos sujeitos a limitação tem direito a beneficiar desta na mesma medida que o próprio segurado.
7. O facto de invocar a limitação de responsabilidade não constitui um reconhecimento de responsabilidade.
Artigo 31.º
(Créditos sujeitos a limitação)
1. Sob reserva dos artigos 32.º e 33.º, os seguintes créditos, qualquer que seja o fundamento da responsabilidade, estão sujeitos à limitação de responsabilidade:
a) Créditos por morte, por lesões corporais, por perdas ou danos a todos os bens, incluindo os danos causados a obras portuárias, docas, vias navegáveis e ajudas à navegação, que ocorram a bordo ou em relação directa com a operação do navio ou com operações de salvamento, bem como de qualquer prejuízo daí resultante;
b) Créditos por qualquer prejuízo resultante de um atraso no transporte por mar da carga, dos passageiros ou das suas bagagens;
c) Créditos por outros prejuízos resultantes da violação de direitos de fonte extracontratual, que ocorram em relação directa com a operação do navio ou com operações de salvamento;
d) Créditos por ter posto a flutuar, removido, destruído ou tornado inofensivo um navio afundado, naufragado, encalhado ou abandonado, incluindo tudo o que se encontra ou se encontrava a bordo de tal navio;
e) Créditos por ter removido, destruído ou tornado inofensiva a carga do navio;
f) Créditos de uma pessoa que não é a pessoa responsável por medidas tomadas a fim de prevenir ou de reduzir um dano pelo qual a pessoa responsável pode limitar a sua responsabilidade em conformidade com o presente capítulo, e pelos danos ulteriormente causados por estas medidas.
2. Os créditos previstos no número anterior estão sujeitos a limitação de responsabilidade mesmo se forem objecto de uma acção, contratual ou não, de regresso ou dados em garantia. No entanto, os créditos previstos nas alíneas d) a f) do número anterior não estão sujeitos a limitação quando forem relativos a retribuição devida ao abrigo de um contrato celebrado com a pessoa responsável.
Artigo 32.º
(Créditos excluídos da limitação)
Os artigos seguintes não se aplicam:
a) Aos créditos por salvamento ou por contribuição em avaria comum;
b) Aos créditos por danos devidos à poluição por hidrocarbonetos no sentido da Convenção de Bruxelas sobre a Responsabilidade Civil por Danos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 29 de Novembro de 1969, ou de qualquer emenda ou protocolo a esta Convenção que esteja em vigor;
c) Aos créditos relativamente aos quais a limitação de responsabilidade por danos nucleares resulte de qualquer convenção internacional ou lei que a regule ou proíba;
d) Aos créditos contra o proprietário de um navio nuclear por danos nucleares;
e) Aos créditos dos comissários do proprietário do navio ou do salvador cujas funções se liguem ao serviço do navio ou às operações de salvamento, bem como aos créditos dos seus herdeiros, dependentes ou outras pessoas com direito a invocá-los se, segundo a lei reguladora do contrato de trabalho celebrado entre o proprietário do navio ou o salvador e os seus comissários, o proprietário do navio ou o salvador não tem o direito de limitar a sua responsabilidade relativamente a esses créditos ou se, segundo esta lei, ele só pode limitar a sua responsabilidade num montante superior ao estabelecido no artigo 35.º
Artigo 33.º
(Conduta que exclui a limitação)
Uma pessoa não tem o direito de limitar a sua responsabilidade caso se prove que o dano resulta do seu acto ou omissão pessoal, cometido com a intenção de provocar tal dano, ou cometido temerariamente e com consciência que daí resultaria provavelmente tal dano.
Artigo 34.º
(Compensação de créditos)
Se uma pessoa com o direito de limitar a sua responsabilidade de acordo com os artigos anteriores tem contra o seu credor um crédito resultante do mesmo evento, as dívidas respectivas devem ser compensadas e as disposições seguintes só se aplicam à eventual diferença entre as dívidas.
Artigo 35.º
(Limites gerais de responsabilidade)
1. Os limites de responsabilidade para os créditos, que não sejam os mencionados no artigo seguinte, resultantes de um mesmo evento, devem ser calculados nos termos das seguintes alíneas:
a) No que respeita a créditos por morte ou lesões corporais:
i) 166.667 unidades de conta para um navio que não exceda as 300 toneladas de arqueação;
ii) 333.000 unidades de conta para um navio que tenha entre 300 e 500 toneladas de arqueação;
iii) para um navio que exceda as 500 toneladas de arqueação, os seguintes montantes devem ser adicionados ao montante referido em ii):
- por cada tonelada entre as 500 e as 3 000 toneladas, 500 unidades de conta;
- por cada tonelada entre as 3 000 e as 30 000 toneladas, 333 unidades de conta;
- por cada tonelada entre as 30 000 e as 70 000 toneladas, 250 unidades de conta; e
- por cada tonelada em excesso das 70 000 toneladas, 167 unidades de conta.
b) No que respeita a todos os outros créditos:
i) 83 333 unidades de conta para um navio que não exceda as 300 toneladas de arqueação;
ii) 167 000 unidades de conta para um navio que tenha entre 300 e 500 toneladas de arqueação,
iii) para um navio que exceda as 500 toneladas de arqueação, os seguintes montantes devem ser adicionados ao montante referido em ii):
- por cada tonelada entre as 500 e as 30 000 toneladas, 167 unidades de conta;
- por cada tonelada entre as 30 000 e as 70 000 toneladas, 125 unidades de conta; e
- por cada tonelada em excesso das 70 000 toneladas, 83 unidades de conta.
2. Quando o montante calculado nos termos da alínea a) do n.º 1 for insuficiente para cobrir integralmente os créditos visados nessa alínea, o montante calculado de acordo com a alínea b) do n.º 1 deve ser utilizado para pagamento do saldo em dívida dos créditos visados na alínea a) do n.º 1 e este saldo em dívida concorre com os créditos mencionados na alínea b) do n.º 1.
3. Os limites de responsabilidade para qualquer salvador, que não opere a partir de um navio, ou que opere exclusivamente a bordo do navio ao qual, ou em relação ao qual, está a prestar serviços de salvação marítima, deve ser calculado com base numa tonelagem de 1500 toneladas de arqueação.
4. O cálculo da tonelagem do navio é feito conforme as regras da arqueação bruta previstas no Anexo I à Convenção Internacional sobre Arqueação de Navios, de 23 de Junho de 1969.
Artigo 36.º
(Limite aplicável aos créditos dos passageiros)
1. Relativamente aos créditos por morte ou lesões corporais dos passageiros de um navio resultantes de um mesmo evento, o limite de responsabilidade do proprietário do navio é o produto da multiplicação de 46 666 unidades de conta pelo número de passageiros que o navio está autorizado a transportar, de acordo com o certificado do navio, mas sem nunca exceder os 25 milhões de unidades de conta.
2. Para efeitos do presente artigo são considerados «créditos por morte ou lesões corporais dos passageiros de um navio» todos os créditos invocados por, ou por conta de, quaisquer pessoas transportadas nesse navio:
a) Em virtude de um contrato de transporte de passageiros, ou
b) Que, com consentimento do transportador, são acompanhantes de um veículo ou de animais vivos, transportados ao abrigo de um contrato de transporte de mercadorias.
Artigo 37.º
(Unidade de conta)
A unidade de conta referida nos artigos 35.º e 36.º é o direito de saque especial tal como se encontra definido pelo Fundo Monetário Internacional. Os montantes referidos nos artigos 35.º e 36.º devem ser convertidos na moeda com curso legal em Macau; a conversão efectua-se de acordo com o valor dessa moeda na data em que o fundo de limitação tenha sido constituído, o pagamento efectuado ou tenha sido prestada garantia que, de acordo com o direito vigente em Macau, seja equivalente ao pagamento.
Artigo 38.º
(Concurso de créditos)
1. Os limites de responsabilidade determinados de acordo com o artigo 35.º aplicam-se ao conjunto de todos os créditos resultantes de um mesmo evento:
a) Relativamente à pessoa ou pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 30.º e a qualquer outra pessoa por cujos actos ou omissões sejam responsáveis; ou
b) Relativamente ao proprietário de um navio a partir do qual sejam prestados serviços de salvação e relativamente ao salvador ou salvadores que operem a partir desse navio e a qualquer outra pessoa por cujos actos ou omissões sejam responsáveis; ou
c) Relativamente ao salvador ou salvadores que não operem a partir de um navio ou operem exclusivamente a bordo do navio ao qual, ou em relação ao qual, os serviços de salvação são prestados e a qualquer outra pessoa por cujos actos ou omissões sejam responsáveis.
2. Os limites de responsabilidade determinados de acordo com o artigo 36.º aplicam-se ao conjunto de todos os créditos que possam resultar do mesmo evento relativamente à pessoa ou pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 30.º com respeito ao navio referido no artigo 36.º e a qualquer outra pessoa por cujos actos ou omissões sejam responsáveis.
Artigo 39.º
(Limitação de responsabilidade sem constituição de um fundo de limitação)
1. A limitação de responsabilidade pode ser invocada mesmo que não tenha sido constituído um fundo de limitação nos termos do artigo 41.º
2. Se a limitação de responsabilidade for invocada sem a constituição de um fundo de limitação aplicam-se as disposições do artigo 42.º com as devidas adaptações.
Artigo 40.º
(Regime aplicável à constituição e repartição do fundo de limitação)
1. A constituição e a repartição do fundo de limitação são reguladas pelas disposições contidas nos artigos seguintes e, subsidiariamente, pela lei processual.
2. A taxa de juro aplicável para efeitos do n.º 1 do artigo seguinte é fixada por portaria.
Artigo 41.º
(Constituição do fundo de limitação)
1. Qualquer pessoa alegadamente responsável pode constituir um fundo de limitação junto do tribunal em que seja intentada uma acção para satisfação de créditos sujeitos a limitação. O fundo de limitação deve ser constituído pela soma dos montantes estabelecidos nos artigos 35.º e 36.º que sejam aplicáveis aos créditos pelos quais essa pessoa possa ser responsável, acrescida de juros desde a data do evento que originou a responsabilidade, até à data de constituição do fundo. Qualquer fundo de limitação constituído deste modo deve estar disponível apenas para o pagamento de créditos relativamente aos quais pode ser invocada a limitação de responsabilidade.
2. Um fundo de limitação pode ser constituído pelo depósito da soma ou pelo fornecimento de uma garantia aceitável perante o direito vigente em Macau e considerada como adequada pelo tribunal.
3. Um fundo de limitação constituído por uma das pessoas mencionadas nas alíneas a) a c) do n.º 1 ou no n.º 2 do artigo 38.º ou pelo seu segurador é considerado como constituído por todas as pessoas mencionadas nas alíneas a) a c) do n.º 1 ou no n.º 2 do mesmo artigo, respectivamente.
Artigo 42.º
(Repartição do fundo de limitação)
1. Sob reserva do disposto nos n.os 1 a 3 do artigo 35.º e no artigo 36.º, o fundo de limitação é repartido entre os credores na proporção dos créditos estabelecidos contra esse fundo.
2. Se, antes da repartição do fundo de limitação, a pessoa responsável, ou o seu segurador, tiver satisfeito um crédito contra esse fundo, essa pessoa fica subrogada, até ao montante que pagou, nos direitos que o beneficiário deste pagamento teria gozado ao abrigo das disposições do presente capítulo.
3. O direito de subrogação previsto no número anterior pode também ser exercido por outras pessoas, para além das acima mencionadas, no que respeita a qualquer importância que tenham pago a título de reparação, mas só na medida em que essa subrogação seja permitida pelo direito aplicável.
4. Se a pessoa responsável ou qualquer outra pessoa demonstrar que pode ser posteriormente compelida a pagar, no todo ou em parte, a título de reparação, uma importância pela qual ela teria gozado de um direito de sub-rogação de acordo com os n.os 2 e 3, se essa importância tivesse sido paga antes da distribuição do fundo de limitação, pode o tribunal ordenar que uma importância suficiente seja provisoriamente reservada para permitir que essa pessoa possa fazer valer posteriormente os seus direitos contra esse fundo.
Artigo 43.º
(Preclusão de outras acções)
1. Se tiver sido constituído um fundo de limitação de acordo com o artigo 41.º, qualquer pessoa que tenha invocado um crédito contra esse fundo fica precludida de exercer qualquer direito relativo a esse crédito sobre outros bens da pessoa por quem ou por conta de quem o fundo de limitação foi constituído.
2. Após constituição de um fundo de limitação de acordo com o artigo 41.º, qualquer navio ou outro bem pertencente a uma pessoa por conta de quem esse fundo foi constituído, que tenha sido arrestado ou apreendido para garantia de um crédito que possa ser invocado contra esse fundo, ou qualquer garantia dada, pode ser liberado por ordem do tribunal. Esta liberação deve ser sempre ordenada se o fundo de limitação tiver sido constituído:
a) No porto onde o evento tenha ocorrido ou, se ocorreu fora de porto, no primeiro porto de escala seguinte; ou
b) No porto de desembarque, relativamente a créditos por morte ou lesões corporais; ou
c) No porto de descarga no que respeita a avarias de carga; ou
d) No país ou território onde o arresto tenha sido feito.
3. As disposições dos n.os 1 e 2 só se aplicam se o credor puder actuar o seu crédito contra o fundo de limitação junto do tribunal que administra esse fundo e se esse fundo estiver efectivamente disponível e livremente transferível no que respeita a esse crédito.
Artigo 44.º
(Regime especial aplicável à limitação de responsabilidade por danos devidos à poluição por hidrocarbonetos)
1. À limitação de responsabilidade por danos devidos à poluição por hidrocarbonetos, produzidos no território de Macau, são aplicáveis as disposições contidas na Convenção de Bruxelas sobre a Responsabilidade Civil por Danos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 29 de Novembro de 1969, alterada pelos Protocolos de Londres de 19 de Novembro de 1976 e de 27 de Novembro de 1992.
2. A constituição e a repartição do fundo de limitação são reguladas pelas disposições contidas na Convenção referida no número anterior e, subsidiariamente, pela lei processual.
3. O disposto no n.º 1 não prejudica a aplicação das disposições contidas nos artigos anteriores quando for invocado um crédito resultante de dano devido a poluição contra uma pessoa que não seja o proprietário.
CAPÍTULO VII
Do comandante
Artigo 45.º
(Noção)
Comandante é a pessoa encarregada de chefiar a tripulação, dirigir o navio e exercer a autoridade sobre todas as pessoas que se encontram a bordo.
Artigo 46.º
(Poderes representativos)
1. O comandante representa o armador na execução dos contratos de transporte por este celebrados.
2. Fora dos lugares em que o armador tem estabelecimento ou agente, o comandante, enquanto representante do armador, tem poderes para praticar os actos necessários à realização da viagem, com respeito ao armamento, equipagem, abastecimento e manutenção do navio.
3. São considerados actos necessários os que forem de esperar de um comandante prudente com base no conjunto das circunstâncias conhecidas no momento em que devam ser praticados e ponderados os interesses de todas as partes envolvidas.
4. A restrição dos poderes legais do comandante só é oponível a terceiros que a conheçam ou devam conhecer.
5. O comandante pode, em qualquer caso, prover aos abastecimentos quotidianos, aos fornecimentos de reduzido valor e às pequenas reparações necessárias para a manutenção ordinária do navio.
Artigo 47.º
(Contracção de empréstimos)
1. Se no decurso de viagem surgir a necessidade de dinheiro para satisfazer uma exigência urgente do navio ou para a continuação da viagem, que não se enquadre no último número do artigo anterior, o comandante deve avisar imediatamente o armador.
2. Caso não seja possível avisar o armador, bem como se o armador devidamente avisado não fornecer os meios nem der as instruções oportunas, o comandante pode requerer autorização ao tribunal competente para tomar de empréstimo a quantia necessária ou contrair obrigações perante os fornecedores de bens ou prestadores de serviços.
Artigo 48.º
(Utilização, venda e oneração da carga)
1. Se for necessário para a continuação da viagem o comandante, enquanto representante do armador, tem poderes para:
a) Utilizar os objectos transportados;
b) Requerer ao tribunal competente autorização para vender ou dar em penhor uma parte da carga.
2. O comandante só pode exercer os poderes referidos na alínea b) do número anterior depois de ter avisado tempestivamente os interessados na carga, se possível, e quando tal meio se revele o mais adequado para obter os fundos necessários para completar a viagem.
3. Os interessados na carga podem opor-se à venda ou à constituição de penhor sobre a sua mercadoria, descarregando-a por sua conta e pagando o respectivo frete, na proporção da distância já percorrida.
4. O proprietário da mercadoria tem direito a ser indemnizado pelo armador do prejuízo sofrido com a utilização, venda ou oneração, salvo quando se verifique uma avaria comum.
Artigo 49.º
(Utilização, venda ou oneração de pertenças)
O disposto no artigo anterior é aplicável, com as devidas adaptações, à utilização, venda ou oneração de pertenças do navio que não sejam propriedade do armador.
Artigo 50.º
(Tutela de direitos dos interessados na carga)
1. O comandante, enquanto representante do armador, deve tomar todas as medidas que se mostrem necessárias para a tutela de direitos dos interessados na carga e que sejam compatíveis com o contrato de transporte e com as exigências da expedição marítima.
2. Quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, o comandante deve avisar imediatamente os interessados na carga, desde que o facto deles seja desconhecido.
3. Se forem necessárias medidas especiais para evitar ou minorar um dano, o comandante deve, se possível, informar os interessados na carga ou os seus eventuais representantes no lugar e seguir as suas instruções, quando dadas em tempo útil.
Artigo 51.º
(Alijamento)
1. Em caso de perigo para a segurança do navio, para a segurança da carga ou para a segurança comum do navio e da carga, o comandante pode alijar objectos transportados ou pertenças do navio.
2. Na escolha dos objectos a sacrificar o comandante atenderá ao seu valor, à utilidade do seu sacrifício e à necessidade da sua conservação.
3. É aplicável, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 48.º
Artigo 52.º
(Representação em juízo)
Fora dos lugares em que o armador tem a sede principal da sua administração, bem como estabelecimento ou representação que, no caso, possam demandar ou ser demandados, o comandante pode, em seu nome, mas enquanto representante do armador:
a) Promover a notificação de actos;
b) Demandar;
c) Ser notificado;
d) Ser demandado por acções relativas a facto seu ou da tripulação no exercício das funções que lhes estão confiadas.
Artigo 53.º
(Deveres legais do comandante)
1. São deveres do comandante:
a) Zelar pela segurança do navio e das pessoas que se encontram a bordo;
b) Verificar, no início de cada viagem, se o navio se encontra devidamente equipado, armado e abastecido para a realizar;
c) Dirigir pessoalmente o navio à entrada e saída dos portos, canais e rios, bem como, dentro dos limites do exigível, noutras circunstâncias em que a navegação apresente particulares dificuldades;
d) Permanecer a bordo, a menos que a sua ausência seja justificada por uma imperiosa necessidade, quando o navio se encontra no mar, bem como em caso de perigo iminente;
e) Zelar pela operacionalidade dos aparelhos de carga, se o navio os possuir;
f) Ter a bordo o diário de navegação, o inventário de bordo, a lista de passageiros, os manifestos de carga e o conjunto dos documentos de bordo exigidos pelas convenções internacionais e pela lei;
g) Exibir o diário de navegação e o inventário de bordo aos interessados que pretendam examiná-los, consentindo que deles tirem cópias ou extractos;
h) Tomar piloto quando for exigido pelo direito local ou pela prudência;
i) Ouvir o conselho de bordo, formado pelos oficiais e pelos representantes dos afretadores ou interessados na carga que se encontrem a bordo, quando o navio ou a carga estiver em perigo, contanto que a situação o permita;
j) Socorrer a embarcação que se encontre em perigo, encontrando-se o navio em curso de viagem ou pronto a partir, desde que tal não envolva risco grave para o seu navio e que possa razoavelmente prever um resultado útil, salvo se tiver conhecimento de que o socorro foi prestado por outros navios em condições mais idóneas ou similares àquelas em que o seu navio poderia prestá-lo;
l) Socorrer pessoas que se encontrem em perigo no mar ou em águas interiores, nas mesmas circunstâncias e dentro dos mesmos limites referidos na alínea anterior;
m) Providenciar, em caso de abandono do navio, e na medida do possível, ao salvamento dos documentos de bordo e dos objectos de valor cuja custódia lhe foi pessoalmente confiada.
2. O certificado de navegabilidade passado por sociedade de classificação reconhecida faz fé em juízo, salvo prova em contrário.
Artigo 54.º
(Conteúdo do diário de navegação)
1. No diário de navegação devem ser indicados:
a) Os portos escalados;
b) A rota seguida;
c) As ocorrências da viagem;
d) Os acidentes que ocorram durante a viagem e que digam respeito ao navio, pessoas ou carga ou que possam ter por resultado um prejuízo patrimonial;
e) O assento dos nascimentos e óbitos a bordo;
f) As resoluções tomadas em conselho de bordo.
2. Deve ser feita uma descrição completa dos acidentes referidos no número anterior com indicação dos meios empregues para evitar ou minorar o prejuízo.
Artigo 55.º
(Conteúdo do inventário de bordo)
O inventário de bordo deve conter a relação das pertenças do navio, com a indicação das alterações que forem ocorrendo.
Artigo 56.º
(Protesto de mar)
1. No caso de desvio, de acidente relativo ao navio, aos passageiros ou à carga ou de outro facto que, ocorrendo durante a viagem, possa ter por consequência um prejuízo, o comandante tem a faculdade de apresentar perante o tribunal competente um protesto de mar no prazo de 2 dias úteis contado da chegada do navio.
2. O comandante é obrigado a apresentar o protesto de mar se este for solicitado pelo armador ou pelas pessoas que, sendo titulares de um direito sobre o navio, interessados na carga, passageiros ou membros da tripulação, possam sofrer um prejuízo significativo em consequência do facto.
3. No protesto de mar o comandante tem de indicar outros meios de prova que sirvam para o estabelecimento dos factos.
4. O protesto de mar deve ser acompanhado de uma cópia autenticada do assento relativo ao acidente feito no diário de navegação e de um rol da tripulação.
5. Se não puder ser junta cópia autenticada do assento feito no diário de navegação, deve indicar-se o motivo. O protesto de mar deve, neste caso, conter uma descrição completa dos factos, com indicação dos meios empregues para evitar ou minorar o prejuízo.
6. O protesto de mar confirmado faz fé em juízo, salvo prova em contrário.
Artigo 57.º
(Confirmação do protesto de mar)
1. Apresentado o protesto de mar, o tribunal marca uma audiência de confirmação no mais curto prazo possível, para a qual são convocados o comandante e as outras testemunhas indicadas. A audiência é notificada ao armador e àqueles a que o acidente diz respeito, contanto que isto possa ser feito sem excessiva dilação do procedimento.
2. Na audiência de confirmação realiza-se a produção de provas relativa aos factos que justificaram o desvio ou ao desenrolar fáctico do acidente bem como sobre a medida do prejuízo ocorrido e sobre os meios empregues para o evitar ou minorar.
3. A produção de provas segue o disposto no Código de Processo Civil.
4. O armador e as outras pessoas a que o acidente diga respeito têm a faculdade de estar presentes, pessoalmente ou através de representantes, independentemente de procuração e como gestores de negócios, e de requerer uma extensão da produção de provas a meios de prova adicionais.
5. O tribunal tem o poder de ordenar oficiosamente uma extensão da produção de provas quando o considere necessário para o esclarecimento dos factos.
Artigo 58.º
(Substituição do comandante)
1. Em caso de necessidade, e salvo instruções do armador em sentido diferente, o comandante é temporariamente substituído pelo imediato e, na falta de imediato, por outro oficial com habilitações para assumir o comando, em ordem hierárquica.
2. Durante a execução do contrato de transporte, só em caso de necessidade o comandante e o imediato se podem ausentar simultaneamente do navio; neste caso o comandante é representado, durante a sua ausência, pelo oficial referido no número anterior.
3. Aplica-se o disposto no número anterior sempre que o navio se encontre num cais ou fundeadouro que não seja seguro.
4. A pessoa que substituir o comandante tem os mesmos poderes e deveres.
CAPÍTULO VIII
Dos direitos de garantia
Artigo 59.º
(Direito aplicável aos privilégios creditórios e às hipotecas sobre o navio)
Os privilégios creditórios e as hipotecas sobre o navio são regidos pelo direito do lugar onde a matrícula tiver sido efectuada.
Artigo 60.º
(Reconhecimento das hipotecas e direitos análogos registados no estrangeiro)
As hipotecas e direitos análogos susceptíveis de serem registados, estes últimos doravante designados como «direitos inscritos», constituídos sobre navios são reconhecidos e executáveis em Macau contanto que:
a) Estas hipotecas e direitos inscritos tenham sido constituídos e inscritos num registo em conformidade com o direito do país ou território onde o navio está matriculado;
b) O registo e todos os documentos que devem ser depositados na conservatória em conformidade com o direito do país ou território onde o navio está matriculado sejam acessíveis ao público e que extractos do registo e cópias desses documentos possam ser obtidos na conservatória;
c) O registo ou qualquer dos documentos referidos na alínea anterior especifique pelo menos o nome e endereço do titular da hipoteca ou direitos inscritos, ou o facto de esta garantia ter sido constituída ao portador; o montante máximo garantido, se isso for exigido pelo direito do país ou território de matrícula ou se esse montante estiver especificado no acto constitutivo da hipoteca ou dos direitos inscritos; e, a data e as outras menções que, em conformidade com o direito do país ou território de matrícula, determinam a graduação relativamente a outras hipotecas e direitos inscritos.
Artigo 61.º
(Privilégios marítimos sobre o navio)
1. Cada um dos créditos seguintes sobre o proprietário, armador, armador-gerente ou operador do navio é garantido por um privilégio marítimo sobre o navio:
a) Créditos por remunerações ou outras importâncias devidas ao comandante, oficiais e outros membros da tripulação, relativas ao serviço prestado a bordo, incluindo custos de repatriação e contribuições para a segurança social devidas por sua conta;
b) Créditos resultantes de morte ou lesão corporal que ocorram, em terra ou no mar, em relação directa com a operação do navio;
c) Créditos por remuneração de salvação do navio;
d) Créditos por despesas portuárias, de canal e de outras vias navegáveis, bem como de pilotagem;
e) Créditos por responsabilidade extracontratual resultantes de perda ou dano causado na operação do navio, que não constitua perda ou dano da carga, contentores e bagagens de passageiros transportados no navio.
2. Não é conferido um privilégio marítimo sobre o navio, nos termos das alíneas b) e e) do número anterior, para garantir os créditos que nasçam ou resultem de:
a) Danos ligados ao transporte de hidrocarbonetos ou de outras substâncias perigosas ou nocivas, pelos quais sejam devidas indemnizações aos credores por aplicação de convenções internacionais ou lei que estabeleçam um regime de responsabilidade objectiva e um seguro obrigatório ou outros meios de garantir os credores; ou
b) Propriedades radioactivas ou uma combinação de propriedades radioactivas com propriedades tóxicas, explosivas ou de outro modo perigosas, de combustível nuclear ou de produtos ou detritos radioactivos.
Artigo 62.º
(Graduação dos privilégios marítimos sobre o navio)
1. Os privilégios marítimos sobre o navio estabelecidos no artigo anterior têm prioridade sobre as hipotecas e direitos inscritos.
2. Os privilégios marítimos sobre o navio estabelecidos no artigo anterior são graduados na ordem em que se encontram aí enumerados; não obstante, os privilégios marítimos sobre o navio que garantem créditos por remuneração de salvação do navio têm prioridade sobre todos os outros privilégios marítimos que onerem o navio antes da realização das operações que deram origem aos referidos privilégios.
3. Os privilégios enumerados em cada uma das alíneas a), b), d) e e) do n.º 1 do artigo 61.º concorrem em pé de igualdade.
4. Os privilégios marítimos sobre o navio que garantem créditos por remuneração de salvação do navio graduam-se entre si na ordem inversa daquela em que nasceram os créditos por eles garantidos. Considera-se que estes créditos nasceram na data em que cada operação de salvação terminou.
Artigo 63.º
(Outros privilégios creditórios sobre o navio)
1. Os navios estão sujeitos aos privilégios mobiliários especiais estabelecidos para a generalidade dos bens móveis.
2. Gozam ainda de privilégio mobiliário especial os créditos resultantes da construção, reparação ou venda do navio.
3. Os privilégios referidos no número anterior extinguem-se:
a) Com a venda forçada, nos termos do artigo 70.º;
b) Por prescrição, nos termos do artigo 66.º
4. Os privilégios visados no presente artigo são graduados depois dos privilégios estabelecidos pelo artigo 61.º e das hipotecas e direitos inscritos que satisfaçam os requisitos do artigo 60.º
5. Os privilégios estabelecidos pelo n.º 2 são graduados depois dos privilégios mobiliários especiais estabelecidos para a generalidade dos bens móveis.
6. É subsidiariamente aplicável aos privilégios visados no presente artigo o regime do Código Civil.
Artigo 64.º
(Extensão dos privilégios sobre o navio)
1. Os privilégios sobre o navio estendem-se:
a) Aos créditos indemnizatórios de que sejam titulares o proprietário ou o armador em consequência de perda ou deterioração do navio;
b) À contribuição para danos sofridos pelo navio em caso de avaria comum.
2. Os privilégios sobre o navio não se estendem aos créditos do proprietário ou do armador resultantes de um contrato de seguro relativo ao navio.
Artigo 65.º
(Atributos dos privilégios sobre o navio)
Ressalvado o disposto no artigo 70.º, os privilégios sobre o navio seguem-no, não obstante qualquer mudança de propriedade, de lugar de matrícula ou de pavilhão.
Artigo 66.º
(Extinção dos privilégios sobre o navio por prescrição)
1. Os privilégios marítimos sobre o navio estabelecidos no artigo 61.º extinguem-se com o decurso do prazo de um ano, a menos que antes do decurso deste prazo o navio tenha sido objecto de um arresto ou medida de execução que conduzam a uma venda forçada.
2. O prazo de um ano referido no número anterior conta-se:
a) Relativamente ao privilégio marítimo estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º, do desembarque do credor;
b) Relativamente aos privilégios marítimos sobre o navio estabelecidos nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 61.º, do nascimento do crédito garantido;
e não é susceptível de suspensão ou interrupção; o prazo, porém, não corre durante o período em que o arresto ou medida de execução não seja legalmente permitido.
3. Os privilégios referidos no artigo 63.º extinguem-se:
a) Com o decurso de um prazo de 6 meses, a contar do nascimento dos créditos garantidos, a menos que antes do decurso deste prazo o navio tenha sido objecto de um arresto ou medida de execução que conduzam a uma venda forçada;
b) Com o decurso de um prazo de 60 dias depois da venda a um adquirente de boa fé, a contar da data em que a venda seja registada em conformidade com o direito do lugar onde o navio está matriculado depois da venda.
Artigo 67.º
(Cessão e subrogação)
1. A cessão ou subrogação do crédito garantido por um privilégio marítimo sobre o navio desencadeia a simultânea cessão ou subrogação do respectivo privilégio.
2. Os credores titulares de privilégios marítimos sobre o navio não podem ser subrogados quanto às compensações devidas ao proprietário ou ao armador do navio ao abrigo de um contrato de seguro.
Artigo 68.º
(Direito de retenção sobre o navio)
1. Gozam de direito de retenção sobre o navio:
a) O construtor do navio, para garantia dos créditos resultantes da construção do navio;
b) O reparador do navio que se encontre na detenção material do navio, para garantia dos créditos resultantes de reparações efectuadas enquanto o navio está na sua detenção material.
2. Este direito de retenção extingue-se quando cesse a detenção material do navio pelo construtor ou reparador, salvo em caso de arresto ou medida de execução.
3. Aos efeitos do direito de retenção aplica-se subsidiariamente o regime do Código Civil.
Artigo 69.º
(Notificação da venda forçada)
1. A venda forçada de um navio deve ser precedida de notificação:
a) À autoridade encarregada do registo no país ou território da matrícula;
b) Aos titulares de hipotecas e direitos inscritos que não tenham sido constituídos ao portador;
c) Aos titulares de hipotecas e direitos inscritos constituídos ao portador e aos titulares de privilégios sobre o navio, contanto que o tribunal tenha conhecimento dos seus créditos respectivos;
d) Ao proprietário ou armador inscrito no registo.
2. A notificação deve ser feita com a antecedência mínima de 30 dias relativamente à venda forçada e deve mencionar:
a) A data e o lugar da venda forçada e as informações relativas à venda forçada que o tribunal considere suficientes para proteger os interesses das pessoas que devem ser notificadas; ou
b) Se a data e o lugar da venda forçada não puderem ser determinados com certeza, a data aproximada e o lugar previsto da venda forçada bem como as informações a ela relativas que o tribunal considere suficientes para proteger os interesses das pessoas que devem ser notificadas.
No caso previsto na alínea b), deve ser feita uma notificação adicional da data e do lugar efectivos da venda forçada quando sejam conhecidos, mas sempre com a antecedência mínima de 7 dias relativamente à venda forçada.
3. A notificação referida no número anterior deve ser escrita e enviada ou por correio registado ou por qualquer meio de comunicação electrónica ou outro meio apropriado que permita confirmar a recepção, às pessoas interessadas referidas no n.º 1, se forem conhecidas. Por acréscimo, a notificação deve ser publicada em dois jornais, um em língua portuguesa e um em língua chinesa.
Artigo 70.º
(Efeitos da venda forçada)
1. No caso de venda forçada de um navio todas as hipotecas ou direitos inscritos, com excepção dos que forem assumidos pelo comprador com o consentimento dos titulares, e todos os privilégios ou outros encargos de qualquer natureza, cessam, contanto que:
a) O navio se encontre na área de jurisdição do país ou território cujo tribunal promove a venda forçada;
b) A venda tenha sido efectuada em conformidade com o direito deste país ou território e as disposições do artigo anterior.
2. Os custos e despesas resultantes do arresto ou medida de execução e subsequente venda do navio são pagos precipuamente sobre o produto da venda. Estes custos e despesas incluem, nomeadamente, os custos de manutenção do navio e da tripulação bem como remunerações, outras importâncias e custos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º, incorridos desde a data do arresto ou medida de execução. O saldo do produto deve ser distribuído em conformidade com as disposições do presente capítulo, na medida necessária à satisfação dos créditos respectivos. Após satisfação de todos os credores, o eventual saldo remanescente é entregue ao proprietário e pode ser livremente transferido.
3. Se no momento da venda forçada o navio estiver na detenção material de um construtor ou reparador de navios, que segundo o direito do país ou território em que tem lugar a venda forçada goza de direito de retenção, o construtor ou reparador deve entregar o navio ao comprador mas tem direito a obter a satisfação do seu crédito sobre o produto da venda depois da satisfação dos créditos dos titulares dos privilégios marítimos sobre o navio referidos no artigo 61.º
4. Quando um navio for objecto de venda forçada o tribunal competente deve, a pedido do comprador, emitir um certificado que ateste que o navio é vendido livre de todas as hipotecas e direitos inscritos, salvo os assumidos pelo comprador, e de todos os privilégios e outros encargos, contanto que os requisitos estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 tenham sido satisfeitos. O conservador está obrigado a cancelar os registos de todos as hipotecas e direitos inscritos, salvo aqueles que forem assumidos pelo comprador, e a matricular o navio em nome do comprador ou a emitir um certificado de cancelamento para efeitos de nova matrícula, consoante o caso.
Artigo 71.º
(Preferência dos créditos resultantes da remoção do navio)
Em caso de venda forçada de um navio que, após ter encalhado ou se ter afundado, foi removido por uma autoridade pública no interesse da segurança da navegação ou da protecção do meio marinho, os custos desta remoção devem ser pagos do produto da venda com preferência sobre todos os outros créditos garantidos por um privilégio creditório.
Artigo 72.º
(Hipotecas admitidas)
Sobre o navio só é admitida a hipoteca voluntária.
Artigo 73.º
(Regime aplicável à constituição, efeitos e registo da hipoteca)
1. A constituição e efeitos da hipoteca regem-se pelos preceitos do Código Civil, em tudo o que não se encontre regulado no presente capítulo.
2. O registo da hipoteca e os respectivos efeitos são, porém, regulados pela legislação aplicável ao registo.
Artigo 74.º
(Hipoteca sobre navio em construção)
É permitida a hipoteca sobre navio em construção, contanto que o acto constitutivo especifique as suas principais dimensões, assim como a sua projectada arqueação, e o estabelecimento em que se acha a construir.
Artigo 75.º
(Legitimidade para hipotecar)
1. Só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar o navio.
2. O comproprietário de um navio não pode hipotecar a sua quota do navio sem o consentimento da maioria dos consortes.
3. O dono da obra tem legitimidade para hipotecar navio em construção quando os materiais forem por si fornecidos ou quando o construtor lhe passar procuração especial para o efeito; em qualquer outro caso a legitimidade pertence ao construtor.
Artigo 76.º
(Forma do acto constitutivo)
O acto constitutivo da hipoteca está sujeito a forma escrita, ainda que celebrado fora do território de Macau.
Artigo 77.º
(Garantia dos acessórios do crédito)
1. A hipoteca garante os acessórios do crédito que constem do registo.
2. Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange mais dos que os relativos a 2 anos.
3. O disposto no número anterior não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida.
Artigo 78.º
(Perda ou deterioração do navio)
Em caso de perda ou deterioração do navio, o titular da hipoteca conserva a preferência que lhe assistia em relação ao navio sobre:
a) Os créditos do proprietário relativos a:
i) Indemnização por danos sofridos pelo navio;
ii) Contribuição para a avaria comum sofrida pelo navio;
iii) Salvação que tenha tido lugar depois da inscrição da hipoteca;
iv) Indemnização dos seguradores;
b) As quantias pagas ao abrigo da alínea anterior, a menos que sejam empregues na reparação das avarias sofridas pelo navio.
Artigo 79.º
(Direito aplicável aos privilégios sobre a carga e ao direito de retenção da carga)
1. A constituição dos privilégios sobre a carga e do direito de retenção da carga depende do direito regulador do crédito garantido; de resto é aplicável o direito do lugar do destino.
2. Os privilégios que não sejam reconduzíveis a uma das categorias previstas no direito do lugar do destino são graduados depois dos outros direitos reais de garantia e em posição de paridade entre si.
Artigo 80.º
(Privilégios sobre a carga)
1. A carga está sujeita aos privilégios mobiliários especiais estabelecidos para a generalidade dos bens móveis.
2. Gozam ainda de privilégio mobiliário especial sobre a carga:
a) Os créditos resultantes do contrato de transporte ou de despesas de conservação da carga;
b) Os créditos relativos à quota da carga na contribuição para avaria comum;
c) Os créditos resultantes de salvação.
3. Os privilégios estabelecidos nos números anteriores estão submetidos ao regime do Código Civil e são graduados, na mesma ordem, depois dos outros privilégios mobiliários especiais, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
4. Os privilégios cessam com a entrega da carga, salvo se forem feitos valer judicialmente nos 10 dias imediatos e se a mercadoria se encontrar ainda em poder do destinatário.
5. Os privilégios estendem-se aos créditos indemnizatórios sobre terceiros pela perda ou deterioração da mercadoria, incluindo os créditos resultantes de contrato de seguro.
Artigo 81.º
(Direito de retenção e consignação em depósito da carga)
1. O transportador goza do direito de retenção sobre a carga por todos os créditos resultantes do transporte.
2. O direito de retenção do transportador está submetido ao disposto no Código Civil.
3. O transportador tem a faculdade de descarregar as mercadorias e de as consignar em depósito, judicial ou extrajudicialmente.
4. O transportador pode requerer ao tribunal competente autorização para a venda judicial ou extrajudicial da carga consignada a fim de satisfazer o seu crédito do produto da venda.
5. Em porto situado fora do território de Macau os poderes do transportador relativamente à consignação em depósito e à venda da mercadoria são regulados pelo direito local.
TÍTULO II
DO TRANSPORTE MARÍTIMO DE MERCADORIAS
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 82.º
(Noção de contrato de transporte marítimo de mercadorias)
Contrato de transporte marítimo de mercadorias é aquele em que uma das partes se obriga a deslocar mercadorias, ou a fornecer um navio para deslocar mercadorias, por águas marítimas ou interiores, mediante uma retribuição pecuniária, denominada frete.
Artigo 83.º
(Direito aplicável ao contrato de transporte marítimo de mercadorias)
1. O contrato de transporte marítimo de mercadorias é regido pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território no qual, simultaneamente, o transportador tem o seu estabelecimento principal e onde se situa:
a) O lugar de carregamento; ou
b) O lugar de descarga; ou
c) O estabelecimento principal do carregador ou afretador.
4. Quando se trate de contrato de fretamento a tempo ou de fretamento por viagens consecutivas, entende-se, em caso de dúvida, que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território onde o transportador e o afretador tenham o seu estabelecimento principal, e, não o tendo no mesmo país ou território, naquele onde, simultaneamente, o navio esteja matriculado e se situe o estabelecimento principal do transportador ou do afretador.
5. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
6. A atribuição de competência a outro direito, por força dos números anteriores, não prejudica a aplicação das disposições referidas no Capítulo IV, nos termos do artigo 125.º
7. Quando as disposições referidas no Capítulo IV não forem aplicáveis, são respeitadas, qualquer que seja o direito regulador do contrato, as normas em vigor no lugar de entrega da mercadoria que, apresentando semelhante conteúdo e função, sejam competentes segundo o respectivo Direito Internacional Privado.
Artigo 84.º
(Noção e regime aplicável à comissão de transporte de mercadorias)
1. Comissão de transporte de mercadorias é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover a deslocação de mercadorias mediante contrato a celebrar com o transportador, em seu nome, mas por conta do carregador.
2. O contrato de comissão de transporte de mercadorias é regulado pelas disposições aplicáveis ao contrato de expedição.
3. Em caso de dúvida sobre a qualificação do contrato presume-se que o prestador de serviços se obriga como transportador.
Artigo 85.º
(Prova do contrato de transporte de mercadorias)
O contrato de transporte de mercadorias pode ser provado por qualquer meio admissível em direito.
Artigo 86.º
(Navegabilidade)
O transportador é obrigado a exercer a diligência devida para apresentar o navio em estado de navegabilidade antes e no início da viagem.
Artigo 87.º
(Obrigação de realizar a viagem com o despacho exigível)
1. O transportador deve apresentar o navio no porto de embarque, carregar a mercadoria, proceder para o porto de destino e completar a viagem com o despacho exigível.
2. Se ocorrer um impedimento ao início da viagem suficientemente longo para frustrar a realização do fim visado com o contrato pode qualquer das partes resolver o contrato.
3. Se for estipulado um prazo para apresentar o navio, o carregador pode rescindir o contrato se o navio não for apresentado até ao fim do prazo.
4. O disposto nos n.os 2 e 3 não prejudica o direito de indemnização do carregador pelo prejuízo sofrido com o incumprimento, mas não se presume que o impedimento seja imputável ao transportador.
Artigo 88.º
(Fornecimento da mercadoria)
1. O carregador garante que a mercadoria estará à disposição do transportador no lugar de carregamento quando o navio se apresentar no porto de embarque.
2. O transportador tem direito a frete morto quando o carregador forneça uma quantidade de carga inferior à convencionada.
3. O transportador tem também direito a frete morto caso o embarque da mercadoria se torne impossível.
4. Se o carregador recusar o embarque da mercadoria o transportador pode rescindir imediatamente o contrato sem prejuízo do direito a frete morto.
Artigo 89.º
(Mercadorias perigosas)
1. O transporte de mercadorias perigosas por mar está sujeito às normas especiais aplicáveis.
2. Salvo o disposto no número seguinte, o carregador responde por todas as consequências do embarque de mercadorias perigosas.
3. O carregador não responde pelas consequências do embarque de mercadorias perigosas, que forem razoavelmente previsíveis pelo transportador, quando este tenha, ou devesse ter conhecimento da natureza perigosa da carga.
Artigo 90.º
(Obrigações do carregador quanto ao embarque da mercadoria)
1. O carregador deve realizar a parte das operações de carregamento que lhe incumbir de acordo com o contrato e os usos do porto ou, na sua falta, segundo os usos do tráfego.
2. Relativamente ao cumprimento destas obrigações o carregador só pode invocar as excepções expressamente previstas no contrato.
3. No transporte de carga geral realizada no quadro de uma linha regular é de presumir, em caso de dúvida, que as operações de colocação da mercadoria ao alcance do aparelho de carga e de içar a mercadoria até à linha de bordo são de conta e risco do carregador, cabendo doravante ao transportador receber e estivar a mercadoria de modo adequado.
4. Se for fixado o tempo concedido para o carregamento aplica-se o disposto para o fretamento à viagem.
Artigo 91.º
(Carga de convés)
1. A mercadoria deve ser colocada nas partes do navio destinadas para o efeito segundo os regulamentos aplicáveis e os usos do tráfego.
2. O transportador só pode colocar a mercadoria no convés por acordo expresso com o carregador ou em conformidade com os usos do tráfego.
Artigo 92.º
(Recibo de bordo e conhecimento de carga)
1. O carregador tem direito a exigir um recibo de bordo da mercadoria pelo transportador, salvo uso do porto em contrário.
2. O carregador tem direito a exigir a entrega de um conhecimento de carga, em troca do recibo referido no número anterior ou, em conformidade com o estipulado no contrato, a entrega de outro documento equivalente.
3. O carregador garante a exactidão das menções relativas à mercadoria inscritas por si ou com base nas suas declarações no conhecimento de carga ou documento equivalente.
4. O conhecimento de carga faz prova da recepção pelo transportador da mercadoria, nos termos nele indicados.
5. Perante terceiro a quem o conhecimento de carga tenha sido transmitido só é admitida prova em contrário se for demonstrado que, no momento da transmissão, o terceiro teve conhecimento da inexactidão de indicações contidas nesse conhecimento.
Artigo 93.º
(Modalidades e transmissão do conhecimento de carga)
1. O conhecimento de carga constitui título representativo da mercadoria nele descrita e do direito à entrega desta mercadoria no porto de destino, e pode ser nominativo, à ordem ou ao portador.
2. A transmissão do conhecimento de carga está sujeita ao regime geral dos títulos de crédito.
Artigo 94.º
(Devedor do frete)
1. O carregador é obrigado a pagar o frete.
2. O destinatário responde solidariamente pela dívida do frete pagável no destino, se for titular do conhecimento de carga ou, mesmo não o sendo, se aceitar a entrega das mercadorias.
Artigo 95.º
(Cálculo do frete baseado no peso ou medida da mercadoria)
O peso ou medida da mercadoria relevante para o cálculo do frete é o do embarque, salvo uso em contrário.
Artigo 96.º
(Vencimento do frete)
1. O frete vence-se e é exigível com a entrega da mercadoria no porto de destino.
2. O disposto no número anterior não prejudica o direito do transportador:
a) A receber frete morto;
b) A haver o frete proporcional ao percurso efectuado caso se torne impossível ou inexigível o prosseguimento da viagem;
c) A receber o frete por inteiro se o impedimento ao prosseguimento da viagem for imputável a facto do carregador ou se o destinatário não receber a mercadoria no porto de destino.
3. É devido frete com respeito à carga avariada quer se trate de danos causados à mercadoria quer de faltas de carga. Não obstante, o destinatário pode incluir o frete na reclamação de avarias.
Artigo 97.º
(Frete em avanço)
1. Quando o frete deva ser pago em avanço entende-se, salvo convenção em contrário, que o frete se vence na data em que o pagamento for exigível.
2. Depois do vencimento, a perda da carga ou a interrupção da viagem, desde que não sejam imputáveis ao transportador, não exoneram o carregador do pagamento do frete, nem fundamentam a restituição do frete pago.
Artigo 98.º
(Desvio de rota)
1. Na realização da viagem o navio não deve ser desviado da rota usual.
2. Considera-se justificado o desvio nos seguintes casos:
a) Em cumprimento do dever de socorro;
b) Quando se trate de um desvio razoável segundo o critério estabelecido no n.º 3 do artigo 46.º
3. Em caso de desvio injustificado e suficientemente grave para colocar em risco a realização do fim visado com o contrato, o carregador tem a faculdade de o rescindir.
4. O transportador responde por desvio injustificado nos termos gerais da responsabilidade civil.
Artigo 99.º
(Impedimento ocorrido depois de iniciada a viagem)
1. Quando o prosseguimento da viagem se tornar definitivamente impossível por caso fortuito ou motivo de força maior o transportador tem a faculdade de rescindir o contrato ou de transbordar a mercadoria.
2. Caso o impedimento possa ser vencido em tempo razoável e com a realização de despesas razoáveis, o transportador deve fazer o necessário para completar a viagem.
3. Se o impedimento não puder ser vencido nos termos do número anterior, o transportador tem a faculdade de rescindir ou executar o contrato, realizando as despesas necessárias ou transbordando a mercadoria.
4. O transportador que rescinda o contrato só tem direito ao frete proporcional à parte da viagem já efectuada.
Artigo 100.º
(Entrega da mercadoria)
1. O transportador tem de entregar a mercadoria no lugar definido no contrato.
2. A mercadoria deve ser entregue a quem tiver título para a receber.
3. Quando tiver sido emitido conhecimento de carga ou documento equivalente, o transportador deve entregar a mercadoria ao titular do conhecimento de carga ou documento equivalente.
4. Com a entrega da mercadoria a quem apresente um original do conhecimento de carga ou documento equivalente, de que seja titular, fica cumprida a respectiva obrigação.
5. Porém, se o transportador tiver conhecimento ou notícia de que existe mais de uma pretensão à entrega dos bens, antes da sua consumação, deve entregar a mercadoria a quem tiver melhor título.
6. No caso previsto no número anterior o transportador pode descarregar a mercadoria e consigná-la em depósito enquanto averigua a quem a mercadoria deve ser entregue.
7. Quando por força do direito local o transportador for obrigado a confiar a mercadoria à administração portuária, ou outra entidade que desempenhe essa função em regime de monopólio, considera-se cumprida, com a entrega a esta entidade, a obrigação de entrega.
Artigo 101.º
(Não recebimento da mercadoria)
1. Caso ninguém se apresente para receber a mercadoria, ou se o destinatário recusar recebê-la, o transportador pode descarregar as mercadorias e fazê-las consignar em depósito, judicial ou extrajudicialmente.
2. Decorrido um prazo razoável sem concretização da entrega, o transportador pode requerer ao tribunal a venda judicial ou extrajudicial das mercadorias, para satisfação dos seus créditos, designadamente os resultantes das despesas incorridas com a armazenagem.
3. Em porto situado fora do território de Macau, o transportador pode ordenar a venda das mercadorias sem intervenção do tribunal, se o direito local o admitir.
4. O disposto nos números anteriores não prejudica o exercício de outros direitos do transportador em relação ao carregador, ou em relação ao titular do conhecimento de carga ou documento equivalente.
Artigo 102.º
(Descarga da mercadoria)
1. O destinatário deve realizar a parte das operações de descarga que lhe incumbir de acordo com o contrato e os usos do porto ou, na sua falta, segundo os usos do tráfego.
2. No transporte de carga geral realizada no quadro de uma linha regular é de presumir, em caso de dúvida, que as operações de colocação da mercadoria no cais são de conta e risco do transportador.
3. Se for fixado o tempo concedido para a descarga aplica-se o disposto para o fretamento à viagem.
Artigo 103.º
(Responsabilidade por avarias)
1. Cada uma das partes é exclusivamente responsável pelas avarias de carga ou do navio causadas durante a realização das operações de carregamento ou descarga que lhe incumbirem, e em conexão com estas operações.
2. Cada uma das partes responde pelos actos dos estivadores e outros auxiliares de cumprimento, e tem direito de regresso contra eles, nos termos gerais.
3. O transportador responde por avarias de carga ocorridas enquanto a mercadoria se encontrar à sua guarda nos termos definidos no contrato e, supletivamente, segundo o regime estabelecido no Capítulo IV.
4. O direito à reparação por avarias de carga extingue-se se o correspondente procedimento jurisdicional não for proposto no prazo de 2 anos a contar da entrega ou da data em que deveria ter sido entregue a mercadoria. Este prazo não se aplica ao direito de regresso.
Artigo 104.º
(Direitos e obrigações do destinatário)
O destinatário da mercadoria, que seja pessoa distinta do carregador, adquire os direitos e contrai as obrigações emergentes do contrato de transporte logo que entre na titularidade do conhecimento de carga ou, se não for emitido conhecimento de carga, logo que aceite a mercadoria.
CAPÍTULO II
Do fretamento à viagem
Artigo 105.º
(Noção de fretamento à viagem)
Fretamento à viagem é o contrato pelo qual o transportador se obriga a afectar navio à realização de uma ou várias viagens marítimas pré-definidas para transportar uma mercadoria determinada, mediante um frete calculado com base na quantidade de carga transportada.
Artigo 106.º
(Viagem para o porto de embarque)
O transportador deve fazer proceder o navio para o porto de embarque com velocidade razoável ou por forma a que o navio se apresente pronto para carregar dentro do prazo, se este tiver sido estipulado.
Artigo 107.º
(Segurança dos portos)
1. Quando o contrato estabeleça que o navio deve proceder para porto, cais ou fundeadouro seguros, o afretador garante a sua segurança, quer se trate de porto, cais ou fundeadouro especificado no contrato, ou a ser posteriormente nomeado pelo afretador.
2. Se o contrato determinar que o afretador deve nomear porto, cais ou fundeadouro, sem fazer a qualificação prevista no número anterior, presume-se que garante a segurança do local nomeado.
Artigo 108.º
(Início da estadia)
1. A estadia começa a correr a partir do momento em que o navio se encontre no lugar definido no contrato pronto para realizar as operações de carga.
2. No primeiro ou único porto de carregamento é ainda necessário que o afretador tenha conhecimento dos factos indicados no número anterior.
Artigo 109.º
(Congestionamento)
1. O risco de congestionamento é suportado pelo transportador quando o lugar contratualmente definido for um cais ou um fundeadouro determinado, e pelo afretador quando for um porto.
2. O risco do congestionamento também é suportado pelo afretador quando o contrato contenha estipulação a que, segundo os usos marítimos, seja de atribuir sentido equivalente.
3. Quando o navio não possa proceder imediatamente para o lugar destinado à realização das operações de carga, por este se encontrar ocupado, e o risco de congestionamento seja suportado pelo afretador, considera-se o navio chegado quando se encontre no lugar usual de espera.
4. O tempo utilizado para proceder do lugar de espera para o lugar onde são realizadas as operações de carga não conta.
Artigo 110.º
(Contagem da estadia)
1. A contagem da estadia só é interrompida pela verificação das causas de interrupção expressamente convencionadas ou por perda de tempo imputável a facto culposo do transportador.
2. O tempo utilizado para operações de carga durante períodos excluídos da contagem do tempo nos termos do número anterior conta por metade.
Artigo 111.º
(Demora)
1. O afretador é obrigado a compensar o transportador por todo o tempo necessário para completar as operações de carga, após ter decorrido o tempo de estadia fixado, ou se não tiver sido, o tempo de estadia usualmente necessário para realizar estas operações.
2. Se não tiver sido fixada a taxa de demora aplicável, nem resultar dos usos do tráfego, esta compensação é calculada com base na taxa de frete corrente no mercado de fretamento a tempo, acrescida das despesas portuárias e do consumo de combustíveis.
3. As exclusões previstas para a contagem da estadia não se aplicam à contagem do tempo de demora.
Artigo 112.º
(Operações de carregamento e descarga)
É obrigação do afretador a realização das operações de carregamento e descarga da mercadoria.
Artigo 113.º
(Responsabilidade do transportador por avarias de carga)
O transportador responde por avarias de carga ocorridas enquanto a mercadoria se encontrar à sua guarda, salvo se demonstrar a verificação de uma das seguintes causas de exoneração:
a) Cumprimento das obrigações do contrato de transporte;
b) Dano ou perda da mercadoria não imputável a inexecução do contrato;
c) Dano ou perda imputável a falta náutica do comandante ou dos seus auxiliares;
d) Avaria ocorrida durante operações a cargo do afretador.
Artigo 114.º
(Fretamento por viagens consecutivas)
1. No fretamento por viagens consecutivas o transportador é obrigado a apresentar o navio em estado de navegabilidade no início de cada viagem.
2. O transportador só tem direito a substituir o navio indicado no contrato se houver estipulação neste sentido.
3. Em caso de perda total do navio indicado no contrato ou nomeado posteriormente o transportador não é obrigado à sua substituição.
CAPÍTULO III
Do fretamento a tempo
Artigo 115.º
(Noção)
Fretamento a tempo é o contrato pelo qual o transportador se obriga a afectar navio à prestação de serviços de transporte de mercadorias durante determinado período de tempo, mediante um frete calculado com base no tempo utilizado pelo navio.
Artigo 116.º
(Navegabilidade)
O transportador só é obrigado a manter o navio em estado de navegabilidade após a entrega do navio e durante o período de fretamento se as partes o tiverem estipulado.
Artigo 117.º
(Segurança dos portos)
À garantia da segurança dos portos, cais e fundeadouros para onde o navio deve proceder por ordem do afretador é aplicável o disposto no artigo 107.º
Artigo 118.º
(Frete)
1. O afretador é obrigado a pagar o frete por todo o tempo decorrido durante o fretamento, excepto nos seguintes casos:
a) Verificação de causa de suspensão do frete prevista no contrato;
b) Suspensão do serviço devida a inexecução culposa do transportador;
c) Impossibilidade definitiva de cumprimento, não imputável a facto do afretador.
2. Perante o não cumprimento pontual da obrigação de frete, o transportador pode fixar ao afretador prazo razoável para realizar o pagamento.
3. O transportador tem direito a resolver o contrato e a retirar o navio após decorrido o prazo sem pagamento do frete, se desta consequência tiver avisado o afretador na interpelação referida no número anterior.
4. O transportador deve comunicar ao afretador o exercício do direito de resolução.
Artigo 119.º
(Custos suportados pelo afretador)
O afretador suporta os custos com combustíveis, despesas portuárias e operações de carga, bem como as que lhe pertencerem segundo os usos.
Artigo 120.º
(Direito de indemnização do transportador)
O transportador tem direito a ser indemnizado pelo afretador por prejuízos decorrentes da responsabilidade contraída perante terceiros em consequência da sua conduta ou da conformação da conduta de terceiros com as suas ordens ou solicitações.
Artigo 121.º
(Responsabilidade do transportador por avarias de carga)
O transportador responde por avarias de carga ocorridas enquanto a mercadoria se encontrar à sua guarda nos termos do artigo 113.º
Artigo 122.º
(Duração do fretamento a tempo por prazo fixo)
1. O afretador tem o dever de reentregar o navio no lugar e dentro do prazo estipulados.
2. Em caso de prolongamento da viagem, contrário à previsão razoavelmente feita no início, continua a ser devido frete à taxa estipulada.
3. Se o prolongamento da viagem for razoavelmente previsível o transportador não é obrigado a iniciá-la; caso aceite as ordens do afretador, tem direito ao frete calculado com base na taxa corrente no mercado à data em que expire o prazo, durante o prolongamento.
4. Tendo o afretador garantido a reentrega do navio dentro do prazo, aplica-se o disposto na segunda parte do número anterior, ainda que o prolongamento da viagem não pudesse ser razoavelmente previsto.
Artigo 123.º
(Direito de retenção e consignação em depósito da carga)
1. Para garantia dos créditos emergentes do contrato de fretamento a tempo o transportador pode exercer direito de retenção sobre a carga, bem como consigná-la em depósito, nos termos do artigo 81.º
2. Os direitos referidos no número anterior só podem ser exercidos, perante o destinatário, para garantir créditos que não excedam o valor do frete devido ao abrigo do contrato de transporte que titula o seu direito à entrega da mercadoria.
CAPÍTULO IV
Do transporte sob conhecimento
Artigo 124.º
(Noção de contrato de transporte sob conhecimento)
1. Contrato de transporte sob conhecimento é aquele contrato de transporte marítimo de mercadorias que é titulado exclusivamente por um conhecimento de carga ou documento equivalente.
2. O regime especial estabelecido no presente capítulo é igualmente aplicável, quando o conhecimento ou documento equivalente for emitido em virtude de uma carta-partida, nas relações entre o transportador e o titular do conhecimento ou de documento equivalente que não seja vinculado pela carta-partida.
Artigo 125.º
(Regime especial aplicável ao transporte sob conhecimento)
1. O transporte sob conhecimento está sujeito às disposições contidas no presente capítulo.
2. Estas disposições são aplicáveis:
a) Aos contratos regidos pelo direito de Macau nos termos do artigo 83.º;
b) Aos contratos em que a mercadoria deva ser entregue em Macau.
Artigo 126.º
(Definições)
No presente capítulo foram empregadas, no sentido preciso abaixo indicado, as palavras seguintes:
a) "Armador" é o proprietário do navio ou afretador que foi parte num contrato de transporte com um carregador;
b) "Contrato de transporte" designa somente o contrato de transporte provado por um conhecimento ou por qualquer documento similar servindo de título ao transporte de mercadorias por mar ou por águas interiores; e aplica-se igualmente ao conhecimento ou documento similar emitido em virtude de uma carta-partida, desde o momento em que este título regule as relações do armador e do portador do conhecimento;
c) "Mercadorias" compreende os bens, objectos, mercadorias e artigos de qualquer natureza, incluindo animais vivos ou a carga que, em conformidade com o conhecimento ou documento equivalente, seja transportada no convés;
d) "Navio" significa toda a embarcação empregada no transporte de mercadorias por mar ou águas interiores;
e) "Transporte de mercadorias" abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas.
Artigo 127.º
(Direitos e obrigações do armador)
Salvo o disposto no artigo 132.º, o armador, em todos os contratos de transporte de mercadorias, fica, quanto ao carregamento, manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descargas dessas mercadorias, sujeito às responsabilidades e obrigações, e goza dos direitos e isenções indicados nos artigos seguintes.
Artigo 128.º
(Obrigações do armador)
1. O armador está obrigado, antes e no início da viagem, a exercer uma razoável diligência para:
a) Pôr o navio em estado de navegabilidade;
b) Armar, equipar e aprovisionar convenientemente o navio;
c) Preparar e pôr em bom estado os porões, os frigoríficos e todas as outras partes do navio em que as mercadorias são carregadas, para a sua recepção, transporte e conservação.
2. O armador, salvo o disposto no artigo seguinte, deve proceder de modo apropriado e diligente ao carregamento, manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descarga das mercadorias transportadas.
3. Depois de receber e carregar as mercadorias, o armador, o capitão, ou o agente do armador deve, a pedido do carregador, entregar a este um conhecimento contendo, entre outros elementos:
a) As marcas principais necessárias à identificação das mercadorias tais como foram indicadas por escrito pelo carregador antes de começar o embarque dessas mercadorias, contando que essas marcas estejam impressas ou apostas claramente, de qualquer outra maneira, sobre as mercadorias não embaladas ou sobre as caixas ou embalagens que as contêm, de tal forma que se conservem legíveis até ao fim da viagem;
b) O número de volumes, ou de objectos, ou a quantidade, ou o peso, segundo os casos, tais como foram indicados por escrito pelo carregador;
c) O estado e o acondicionamento aparente das mercadorias.
Porém, nenhum armador, capitão ou agente do armador está obrigado a declarar ou mencionar, no conhecimento, marcas, número, quantidade ou peso que, por motivos sérios, suspeite não representarem exactamente as mercadorias por ele recebidas, ou que por meios suficientes não pôde verificar.
4. O conhecimento constitui presunção, salvo a prova em contrário, da recepção pelo armador das mercadorias tais como foram descritas conforme as alíneas a) a c) do número anterior.
Todavia, a prova contrária não é admitida quando o conhecimento tenha sido transferido em boa fé a um terceiro carregador.
5. O carregador considera-se como tendo garantido ao armador, no momento do carregamento, a exactidão das marcas, do número, da quantidade e do peso, tais como por ele foram indicados, e deve indemnizar o armador de todas as perdas, danos e despesas provenientes ou resultantes de inexactidões sobre estes pontos. O direito do armador a tal indemnização não limita, de modo nenhum, a sua responsabilidade e os seus compromissos, derivados do contrato de transporte, para com qualquer pessoa diversa do carregador.
6. Salvo o caso de ser dado ao armador ou ao seu agente no porto de desembarque um aviso, por escrito, da existência e da natureza de quaisquer perdas e danos, antes ou no momento da retirada das mercadorias e da sua entrega a pessoa que tem o direito de recebê-las em virtude do contrato de transporte, essa retirada constitui uma presunção de que as mercadorias foram entregues pelo armador tais como foram descritas no conhecimento.
Se as perdas e danos não forem aparentes, o aviso deve ser dado no prazo de 3 dias a contar da data de entrega.
As reservas escritas são inúteis se o estado da mercadoria foi contraditoriamente verificado no momento da recepção.
Sob reserva das disposições do número seguinte, o armador e o navio ficam em todo o caso isentos de toda e qualquer responsabilidade relativamente às mercadorias, a menos que uma acção seja intentada dentro de um ano da sua entrega ou da data em que deveriam ter sido entregues. Este prazo pode, no entanto, ser prorrogado por acordo das partes celebrado posteriormente ao evento que deu origem à acção.
Em caso de perda ou dano certos ou presumidos, o armador e o destinatário devem conceder reciprocamente todas as facilidades razoáveis para a inspecção e verificação do número de volumes.
7. As acções de regresso podem ser intentadas mesmo depois de expirar o prazo previsto no número anterior, se o forem no prazo determinado pelo direito do lugar do tribunal competente. Todavia, este prazo não pode ser inferior a 3 meses, a contar do dia em que a pessoa que intenta a acção de regresso tenha satisfeito a reclamação ou tenha sido citada na acção contra si proposta.
8. Depois de carregadas as mercadorias, o conhecimento que o armador, o capitão ou o agente do armador entregar ao carregador, é, se este o exigir, um conhecimento com a nota de «Embarcado»; mas, se o carregador tiver anteriormente recebido qualquer documento dando direito a essas mercadorias, deve restituir esse documento em troca do conhecimento com a nota de «Embarcado». O armador, o capitão ou o agente tem igualmente a faculdade de anotar, no porto de embarque, no documento entregue em primeiro lugar, o nome ou os nomes dos navios em que as mercadorias foram embarcadas e a data ou datas de embarque, e quando esse documento for assim anotado, se ele contiver também as menções do n.º 3, é considerado, para os fins deste artigo, como constituindo um conhecimento com a nota de «Embarcado».
9. É nula, de nenhum efeito e como se nunca tivesse existido, toda a cláusula, convenção ou acordo num contrato de transporte que exonere o armador ou o navio da responsabilidade por perda ou dano das mercadorias, resultantes de facto culposo ou da omissão dos deveres ou obrigações ou que limite essa por modo diverso do preceituado nas regras do presente capítulo. Uma cláusula cedendo o benefício do seguro ao armador ou qualquer cláusula semelhante leva a que o armador fique exonerado da sua responsabilidade.
Artigo 129.º
(Responsabilidade pelo estado de inavegabilidade)
1. Nem o armador nem o navio são responsáveis pelas perdas ou danos provenientes ou resultantes do estado de inavegabilidade, salvo sendo este imputável à falta de razoável diligência da parte do armador em pôr o navio em estado de navegabilidade ou em assegurar ao navio um armamento, equipamento ou aprovisionamento convenientes, ou em preparar e pôr em bom estado os porões, frigoríficos e todas as outras partes do navio onde as mercadorias são carregadas, de modo que elas sejam aptas à recepção ou transporte e à preservação das mercadorias, tudo conforme o preceituado no n.º 1 do artigo anterior. Todas as vezes que uma perda ou dano resultar da inavegabilidade, o ónus da prova no concernente à realização da diligência razoável recai no armador ou em qualquer outra pessoa que invoque a exoneração prevista no presente artigo.
2. Nem o armador nem o navio são responsáveis por perda ou dano resultante ou proveniente:
a) De acto culposo do capitão, mestre, piloto ou empregados do armador cometidos na administração do navio;
b) De um incêndio, salvo se for causado por falta ou culpa do armador;
c) De perigos, riscos ou acidentes do mar ou de outras águas navegáveis;
d) De casos fortuitos;
e) De factos de guerra;
f) De factos de inimigos públicos;
g) De embargo ou coacção de governo, autoridades ou povo, ou de uma apreensão judicial;
h) De uma imposição de quarentena;
i) De um acto ou omissão do carregador ou proprietário das mercadorias, ou do seu agente ou representante;
j) Parcial ou totalmente, de greves ou lock-outs, ou de suspensões ou dificuldades postas ao trabalho, seja qual for a causa;
l) De motins ou perturbações populares;
m) De uma salvação ou tentativa de salvação de vidas ou bens no mar ou águas interiores;
n) De desfalque de volumes ou de peso, ou de qualquer outra perda ou dano resultante de vício oculto, natureza especial ou vício próprio da mercadoria;
o) De uma insuficiência de embalagem;
p) De uma insuficiência ou imperfeição de marcas;
q) De vícios ocultos que escapam a uma razoável diligência;
r) De qualquer outra causa não imputável a culpa do armador ou dos seus agentes ou empregados, mas o ónus da prova incumbe a quem invocar o benefício desta exoneração.
3. O carregador não é responsável pelas perdas e danos sofridos pelo armador ou pelo navio, qualquer que seja a causa de que provenham ou resultem, desde que não sejam imputáveis a facto culposo do mesmo carregador ou dos seus agentes ou empregados.
4. Nenhum desvio de rota para salvar ou tentar salvar vidas ou bens no mar ou águas interiores, nem qualquer desvio de rota razoável, é considerado como infracção da lei e do contrato, e o agente não é responsável por quaisquer perdas ou danos daí resultantes.
5.
a) A menos que a natureza e o valor das mercadorias tenham sido declaradas pelo carregador antes do seu embarque e que essa declaração tenha sido inserida no conhecimento, nem o transportador nem o navio são em caso algum responsáveis pelas perdas ou danos das mercadorias ou a estas concernentes, por uma importância superior a 666,7 unidades de conta por volume ou unidade, ou 2 unidades de conta por quilograma de peso bruto das mercadorias perdidas ou danificadas, sendo aplicável a de limite mais elevado;
b) A importância total é calculada por referência ao valor das mercadorias no lugar e no dia em que estas forem descarregadas, em conformidade com o contrato, ou em que deveriam ter sido descarregadas. O valor da mercadoria é determinado com base no seu preço na bolsa de valores, ou, na sua falta, pelo seu preço corrente no mercado ou, se este também faltar, pelo valor corrente das mercadorias da mesma natureza e qualidade;
c) Quando um contentor, uma palete ou um dispositivo de transporte similar forem usados para consolidar as mercadorias, o número de volumes ou unidades enumerado no conhecimento como estando acondicionados nesse dispositivo é considerado como o número de volumes ou unidades no sentido do presente número. Fora do caso anteriormente previsto, tal dispositivo de transporte é considerado como o volume ou unidade;
d) A unidade de conta mencionada no presente artigo é o direito especial de saque tal como é definido pelo Fundo Monetário Internacional. As importâncias mencionadas na alínea a) do presente número são convertidas na moeda local segundo o valor dessa moeda na data determinada pelo direito do lugar do tribunal competente;
e) Nem o transportador nem o navio têm o direito de beneficiar da limitação de responsabilidade estabelecida pelo presente número caso se prove que o dano resulta de um acto ou de uma omissão do transportador, cometido com a intenção de provocar tal dano ou cometido temerariamente e com consciência que daí resultaria provavelmente tal dano;
f) A declaração mencionada na alínea a) do presente número, quando inserida no conhecimento, constitui uma presunção que não vincula o armador, que a pode contestar;
g) Por acordo entre o armador, capitão ou agente do armador e o carregador pode ser fixada uma importância máxima diferente da indicada na alínea a) do presente número, contando que esse máximo convencional não seja inferior à importância máxima determinada em conformidade com a esta alínea;
h) Nem o armador nem o navio são, em caso algum, responsáveis por perda ou dano das mercadorias, ou que lhes sejam concernentes, se o carregador tiver feito, conscientemente, uma falsa declaração da sua natureza ou do seu valor.
6. As mercadorias de natureza inflamável, explosiva ou perigosa, cujo embarque o armador, o capitão ou o agente do armador não consentiriam se conhecessem a sua natureza ou o seu carácter, podem ser, a todo o momento, antes da descarga, desembarcadas em qualquer lugar, ou destruídas ou tornadas inofensivas pelo armador, sem indemnização; e o carregador dessas mercadorias é responsável por todo o dano e pelas despesas provenientes ou resultantes, directa ou indirectamente, do embarque delas. Se alguma dessas mercadorias, embarcadas com o conhecimento e consentimento do armador, se converter em perigo para o navio ou para a carga, pode ser da mesma maneira desembarcada ou destruída ou tornada inofensiva pelo armador, sem responsabilidade para este, salvo a que resultar de avarias comuns, havendo-as.
Artigo 130.º
(Alcance das exonerações e dos limites de responsabilidade)
1. As exonerações e limites de responsabilidade estabelecidos pelas regras do presente capítulo são aplicáveis a toda a acção contra o armador para reparação de perdas ou danos de mercadorias cobertas por um contrato de transporte, quer a acção seja fundada em responsabilidade contratual ou em responsabilidade extracontratual.
2. Se for intentada acção contra um auxiliar de cumprimento do armador pode aquele prevalecer-se das exonerações e dos limites de responsabilidade que o armador pode invocar ao abrigo das regras do presente capítulo.
3. O conjunto dos montantes postos a cargo do armador e dos seus auxiliares de cumprimento não pode ultrapassar em caso algum o limite previsto no artigo anterior.
4. Todavia, o auxiliar de cumprimento não pode prevalecer-se das disposições do presente artigo se for provado que o dano resulta de um acto seu ou de uma omissão sua cometido com intenção de provocar tal dano ou cometido temerariamente e com a consciência de que daí resultaria provavelmente tal dano.
Artigo 131.º
(Modificação dos direitos e obrigações do armador)
1. O armador tem a faculdade de renunciar, no todo ou em parte, aos seus direitos e isenções ou de agravar as suas responsabilidades e obrigações tais como se acham previstas, umas e outras, no presente capítulo, contando que essa renúncia ou esse agravamento seja inserido no conhecimento entregue ao carregador.
2. Nenhuma disposição do presente capítulo se aplica às cartas-partidas mas, se no caso de um navio regido por carta-partida forem emitidos conhecimentos, ficam estes sujeitos aos termos do presente capítulo. Nenhuma disposição destas regras constitui obstáculo à inserção num conhecimento de qualquer disposição lícita concernente às avarias comuns.
Artigo 132.º
(Validade de convenções particulares)
1. Não obstante o disposto nos artigos precedentes, o armador, capitão ou agente do armador e o carregador têm a faculdade de, em relação a determinadas mercadorias, quaisquer que elas sejam, celebrar um contrato qualquer com quaisquer condições concernentes à responsabilidade e às obrigações, assim como aos direitos e isenções do armador a respeito das mesmas mercadorias, ou a respeito das suas obrigações quanto ao estado de navegabilidade do navio, até onde esta estipulação não for contrária à ordem pública, ou em relação às solicitudes ou diligências dos seus empregados ou agentes quanto ao carregamento, manutenção, estiva, transporte, guarda, cuidados e descarga das mercadorias transportadas por mar ou águas interiores, contando que, neste caso, nenhum conhecimento tenha sido ou venha a ser emitido e que as cláusulas do acordo celebrado sejam inseridas num recibo de bordo, que constitua um documento intransmissível e contenha a menção deste carácter.
2. A convenção celebrada ao abrigo do número anterior tem plena validade legal.
3. O presente artigo não se aplica aos carregamentos comerciais ordinários, feitos por efeito de operações comerciais ordinárias, mas somente àqueles carregamentos em que o carácter e a condição dos bens a transportar e as circunstâncias, os termos e as condições em que o transporte se deve fazer são de molde a justificar uma convenção especial.
Artigo 133.º
(Outras estipulações)
Nenhuma disposição do presente capítulo proíbe ao armador ou carregador inserir num contrato estipulações, condições, reservas ou isenções relativas às obrigações e responsabilidades do armador, ou do navio, pelas perdas e danos que sobrevierem às mercadorias, ou concernentes à sua guarda, cuidado e manutenção, anteriormente ao carregamento e posteriormente à descarga do navio no qual as mesmas mercadorias são transportadas.
Artigo 134.º
(Limitação da responsabilidade)
As normas do presente capítulo não modificam os direitos nem as obrigações do armador tais como resultam de qualquer lei relativamente à limitação da responsabilidade dos proprietários de navios, nem prejudicam o disposto nas convenções internacionais nesta matéria.
Artigo 135.º
(Responsabilidade por danos nucleares)
As normas do presente capítulo não prejudicam o disposto nas convenções internacionais ou nas leis que rejam a responsabilidade por danos nucleares.
CAPÍTULO V
Do transporte multimodal
Artigo 136.º
(Âmbito de aplicação)
As disposições do presente capítulo só são aplicáveis quando um dos modos de transporte utilizados for marítimo.
Artigo 137.º
(Comissão de transporte multimodal)
Ao contrato em que uma das partes se obriga a promover a deslocação de mercadorias por diferentes modos de transporte mediante contratos a celebrar com cada um dos transportadores, em seu nome, mas por conta do carregador, aplica-se o artigo 84.º
Artigo 138.º
(Noção de contrato de transporte multimodal)
Transporte multimodal é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a deslocar mercadorias pelo menos por dois modos diferentes, ou a fornecer veículos para o efeito, mediante uma retribuição pecuniária.
Artigo 139.º
(Direito aplicável ao contrato de transporte multimodal)
1. À determinação do direito regulador do contrato de transporte multimodal aplica-se o disposto nos n.os 1 a 3 e 5 do artigo 83.º, com a adaptação referida no número seguinte.
2. Em substituição do lugar do carregamento e do lugar de descarga deve atender-se ao lugar da recepção das mercadorias pelo transportador e ao lugar da sua entrega ao destinatário.
Artigo 140.º
(Regime aplicável ao contrato de transporte multimodal)
1. O contrato de transporte multimodal está submetido, relativamente a cada modo de transporte, ao regime estabelecido para o respectivo contrato de transporte unimodal.
2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das normas de uma convenção internacional relativa, em princípio, a um modo de transporte, que regulem outros segmentos do transporte.
3. O transporte fluvial que constitua um segmento meramente complementar do transporte marítimo está sujeito, porém, ao regime aplicável a este transporte marítimo.
4. Na aplicação dos regimes que regem os diferentes segmentos do transporte deve ser preservada, tanto quanto possível, a unidade e coerência de regulação do contrato.
Artigo 141.º
(Avarias de carga)
Quando, no quadro de um contrato de transporte multimodal, for determinável o modo de transporte em que ocorreu o facto causador da avaria, o transportador responde segundo o regime aplicável ao respectivo contrato de transporte unimodal; caso contrário, o transportador responde segundo o regime do contrato unimodal, relativo a um dos modos de transporte utilizados, que for mais favorável ao lesado.
TÍTULO III
DO TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS
Artigo 142.º
(Âmbito de aplicação)
1. As disposições do presente título regulam o contrato de transporte marítimo de passageiros oneroso.
2. As disposições relativas à responsabilidade do transportador são igualmente aplicáveis ao contrato de transporte marítimo de passageiros gratuito.
Artigo 143.º
(Noção de contrato de transporte marítimo de passageiros)
Transporte marítimo de passageiros é o contrato pelo qual o transportador se obriga a deslocar pessoas, ou a fornecer um navio para deslocar pessoas, por águas marítimas ou interiores.
Artigo 144.º
(Direito aplicável ao contrato de transporte marítimo de passageiros)
1. O contrato de transporte marítimo de passageiros é regido pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território no qual, simultaneamente, o transportador tem o seu estabelecimento e onde se situa:
a) A residência habitual do passageiro; ou
b) O lugar de partida;
c) O lugar de destino.
4. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
5. A atribuição de competência a outro direito, por força dos números anteriores, não prejudica a aplicação das disposições sobre responsabilidade do transportador por danos pessoais ou na bagagem referidas no presente título, nos termos do artigo 161.º
6. Quando não forem aplicáveis as disposições referidas no número anterior, devem ser respeitadas, qualquer que seja o direito regulador do contrato, as normas em vigor no lugar de partida ou de destino que, apresentando semelhante conteúdo e função, sejam competentes segundo o respectivo Direito Internacional Privado.
Artigo 145.º
(Noção e regime aplicável à comissão de transporte de passageiros)
1. Comissão de transporte de passageiros é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover a deslocação de passageiros mediante contrato a celebrar com o transportador, em seu nome, mas por conta do passageiro.
2. O contrato de comissão de transporte de passageiros é regulado pelas disposições aplicáveis ao contrato de expedição.
3. Em caso de dúvida sobre a qualificação do contrato presume-se que o prestador de serviços se obriga como transportador.
Artigo 146.º
(Forma do contrato de transporte marítimo de passageiros)
1. O transportador deve emitir um bilhete de passagem contendo pelo menos as seguintes menções:
a) Identificação do transportador;
b) Nome ou tipo de navio;
c) Lugar de partida e de destino;
d) Data de partida e de chegada ao destino;
e) Preço da passagem;
f) Classe e número do camarote se, perante a duração da viagem, houver lugar a alojamento.
2. Nos transportes por águas interiores com duração inferior a 12 horas é suficiente que o bilhete contenha as menções referidas nas alíneas a) e c) a e) do número anterior.
3. Caso o transportador não emita o bilhete de passagem com as menções referidas nos números anteriores o contrato é nulo, mas a nulidade só é invocável pelo passageiro.
4. As disposições contidas nos números anteriores são aplicáveis sempre que o contrato seja regido pelo direito de Macau ou que o lugar de partida ou de destino se situe no território de Macau.
Artigo 147.º
(Navio afecto ao transporte)
O transporte deve ser efectuado no navio convencionado ou, na falta de convenção, em navio do transportador que corresponda ao tipo mencionado no bilhete de passagem.
Artigo 148.º
(Navegabilidade)
O transportador deve apresentar e conservar o navio afecto ao transporte em estado de navegabilidade, provido dos requisitos necessários para o transporte de passageiros.
Artigo 149.º
(Alojamento e alimentação)
1. Quando a duração da viagem o exija, o transportador deve fornecer alojamento num camarote.
2. Salvo estipulação expressa em contrário, o preço da passagem inclui o custo da alimentação.
3. Se o custo da alimentação for excluído do preço da passagem, o transportador é obrigado a fornecer-lhe alimentação mediante um preço razoável.
Artigo 150.º
(Preço da passagem)
1. O passageiro é obrigado a pagar o preço convencionado.
2. Na falta de estipulação em contrário o preço deve ser pago contra a entrega do bilhete de passagem.
3. O passageiro que embarque sem título de transporte deve avisar imediatamente o comandante ou outro oficial; caso contrário, é obrigado a pagar o dobro do preço normalmente cobrado pela viagem até ao porto em que desembarque.
4. O passageiro que viaje para além do percurso coberto pelo título de transporte é obrigado a pagar o dobro do preço normalmente cobrado para o percurso adicional.
5. Se o passageiro não pagar o preço da viagem a que está obrigado nos termos dos n.os 3 e 4, o comandante pode ordenar o seu desembarque em lugar adequado, sem prejuízo do direito de indemnização do transportador.
Artigo 151.º
(Bagagem permitida)
1. O passageiro tem direito ao transporte de bagagem, nos limites de peso e de volume convencionados ou, na falta de convenção, estabelecidos pelos usos do tráfego.
2. A bagagem não pode conter bens cuja exportação ou importação seja ilícita ou não cumpra os requisitos formulados pelas leis dos lugares de embarque ou desembarque ou que sejam perigosos para a segurança de pessoas ou bens a bordo.
3. Em caso de violação da regra estabelecida no número anterior o comandante pode ordenar o desembarque da bagagem ou a sua destruição ou tomar outras medidas destinadas à eliminação do perigo, sem prejuízo do direito de indemnização do transportador.
Artigo 152.º
(Cessão do direito ao transporte)
O passageiro cujo nome seja mencionado no bilhete de passagem não pode ceder o direito ao transporte sem consentimento do transportador.
Artigo 153.º
(Disciplina de bordo)
O passageiro está submetido à disciplina de bordo.
Artigo 154.º
(Impedimento do passageiro)
1. Quando, antes do embarque, se verifique a morte do passageiro ou outro impedimento à realização da viagem que, sendo relativo à sua pessoa, não lhe seja imputável, o contrato resolve-se mediante aviso dado ao transportador antes da partida. Neste caso é devido um quarto do preço da passagem.
2. O disposto no número anterior aplica-se, a seu pedido, aos membros da família do passageiro falecido ou impedido ou às pessoas ao seu serviço que devessem viajar juntamente com ele.
Artigo 155.º
(Impedimento do navio)
Se a partida for impedida por causa não imputável ao transportador o contrato resolve-se e o transportador deve restituir o preço pago.
Artigo 156.º
(Supressão da partida)
1. Se o transportador suprime a partida, não se verificando a hipótese prevista no artigo anterior, o passageiro tem a faculdade de efectuar a viagem noutro navio do mesmo transportador, que parta sucessivamente, ou de rescindir o contrato.
2. Em todo o caso, o passageiro tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos.
Artigo 157.º
(Retardamento da partida)
1. Em caso de retardamento da partida, o passageiro tem direito, durante o período de retardamento, ao alojamento e à alimentação, contanto que esta esteja incluída no preço da passagem.
2. O passageiro tem a faculdade de rescindir o contrato quando o retardamento se prolongue por mais de 6, 12 ou 24 horas, conforme a duração da viagem seja inferior a 12, 24 ou 48 horas. Em viagens de duração mais longa o passageiro tem a faculdade de rescindir o contrato quando o retardamento se prolongue por mais de 48 horas.
3. Com o decurso dos prazos indicados no número anterior cessa o direito a alojamento e alimentação por conta do transportador.
4. Se o atraso na partida for devido a causa imputável ao transportador, o passageiro tem, em todo o caso, direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos.
Artigo 158.º
(Interrupção da viagem por facto relativo ao navio)
1. Se o prosseguimento da viagem se torna impossível ou inexigível por facto relativo ao navio, deve ser restituída a diferença entre o preço pago e o que corresponderia ao troço utilmente percorrido.
2. O transportador tem, porém, direito ao preço integral se, em tempo razoável, proporcionar por sua conta ao passageiro a prossecução da viagem em condições análogas fornecendo-lhe no intervalo o alojamento e a alimentação, contanto que esta esteja incluída no preço da passagem.
Artigo 159.º
(Interrupção da viagem por facto relativo ao passageiro)
A interrupção da viagem por facto relativo ao passageiro não tem incidência sobre a obrigação de pagamento do preço da passagem.
Artigo 160.º
(Desvio de rota)
1. Na realização da viagem o navio deve seguir o itinerário pré-fixado segundo a rota usual. Considera-se justificado o desvio nos seguintes casos:
a) Em cumprimento do dever de socorro;
b) Quando se trate de um desvio razoável segundo o critério estabelecido no n.º 3 do artigo 46.º
2. Durante o desvio o passageiro tem direito a alojamento e alimentação por conta do transportador, contanto que esta esteja incluída no preço da passagem.
3. Em caso de desvio injustificado e suficientemente grave para colocar em risco a realização do fim visado com o contrato o passageiro tem a faculdade de o rescindir.
4. O transportador responde por desvio injustificado nos termos gerais da responsabilidade civil.
Artigo 161.º
(Responsabilidade do transportador por danos pessoais e por danos na bagagem)
1. A responsabilidade do transportador por danos pessoais e por danos na bagagem é regulada pelas disposições contidas nos artigos seguintes.
2. As disposições referidas no número anterior são aplicáveis:
a) Quando o navio estiver registado no território de Macau;
b) Quando o contrato de transporte tenha sido celebrado no território de Macau;
c) Quando o lugar de partida ou de destino, segundo o contrato de transporte, se situar no território de Macau;
d) Aos contratos regidos pelo direito de Macau nos termos do artigo 144.º
3. As disposições referidas nos artigos anteriores não são, porém, aplicáveis ao transporte que esteja sujeito a um regime de responsabilidade estabelecido por uma convenção internacional respeitante ao transporte de passageiros ou de bagagem por outro meio de transporte, desde que esse regime deva ser aplicado ao transporte marítimo.
Artigo 162.º
(Definições)
Nas disposições sobre responsabilidade do transportador por danos pessoais e por danos na bagagem as expressões que se seguem têm o significado que aqui lhes é atribuído:
a) «transportador» designa a pessoa por quem ou por conta de quem um contrato de transporte é celebrado, quer o transporte seja efectivamente assegurado por ele ou por um transportador substituto; «transportador substituto» designa a pessoa distinta do transportador, quer seja o proprietário, o afretador ou o operador de um navio, que realiza efectivamente a totalidade ou uma parte do transporte;
b) «Contrato de transporte» é um contrato celebrado pelo transportador ou por sua conta para o transporte por águas marítimas ou interiores, de um passageiro ou de um passageiro e respectiva bagagem, conforme os casos;
c) «Navio» significa tanto um navio de mar como um navio afecto ao transporte em águas interiores, incluindo aquele que se desloque sobre almofada de ar;
d) «Passageiro» significa qualquer pessoa transportada num navio,
i) ao abrigo de um contrato de transporte, ou
ii) que, com o consentimento do transportador, acompanha um veículo ou animais vivos que estejam abrangidos por um contrato de transporte de mercadorias não regido pelas disposições do presente título;
e) «Bagagem» significa qualquer artigo ou veículo transportado pelo transportador ao abrigo de um contrato de transporte, com excepção de:
i) artigos e veículos transportados ao abrigo de um contrato de fretamento, conhecimento de embarque ou outro contrato que diga principalmente respeito ao transporte de mercadorias, e
ii) animais vivos;
f) «Bagagem de cabina» significa a bagagem que o passageiro tem na sua cabina ou de algum modo em sua posse, custódia ou controlo. Excepto para a aplicação da alínea h) do presente artigo e do artigo 168.º, a bagagem de cabina inclui a bagagem que o passageiro tem em cima ou dentro do seu veículo;
g) «Perda ou danos da bagagem» inclui o prejuízo resultante de a bagagem não ter sido devolvida ao passageiro num período de tempo razoável após a chegada do navio no qual a bagagem foi ou deveria ter sido transportada, mas não abrange os atrasos provenientes de conflitos laborais;
h) «Transporte» abrange os seguintes períodos:
i) no que respeita ao passageiro e (ou) à sua bagagem de cabina, o período durante o qual o passageiro e a sua bagagem de cabina estão a bordo do navio ou em curso de embarque ou desembarque, e o período durante o qual o passageiro e a sua bagagem de cabina são transportados por água, de terra até ao navio ou vice-versa, se o preço de tal transporte estiver incluído no do bilhete ou se a embarcação utilizada para este transporte auxiliar tiver sido colocada ao dispor do passageiro pelo transportador. Contudo, no que respeita ao passageiro, o transporte não inclui o período em que ele esteja numa gare marítima, num cais ou noutra instalação portuária;
ii) no que respeita à bagagem de cabina, também o período durante o qual o passageiro estiver numa gare marítima, num cais ou em qualquer outra instalação portuária, se esta bagagem tiver sido entregue ao transportador ou seu auxiliar de cumprimento e não tiver sido devolvida ao passageiro;
iii) no que respeita a outra bagagem que não a de cabina, o período de tempo compreendido entre o momento em tiver sido entregue ao transportador ou seu auxiliar de cumprimento, em terra ou a bordo, e o momento da sua devolução pelo transportador ou seu auxiliar de cumprimento.
Artigo 163.º
(Responsabilidade do transportador)
1. O transportador é responsável pelos danos sofridos em consequência da morte ou lesões corporais de um passageiro e pela perda ou danos da bagagem se o facto que causou os referidos danos tiver ocorrido no decurso do transporte for imputável a culpa do transportador ou seus auxiliares de cumprimento actuando no exercício das suas funções.
2. O ónus da prova de que o facto que causou as perdas ou danos ocorreu no decurso do transporte, e da extensão das perdas ou danos, incumbe ao autor.
3. Presume-se a culpa do transportador ou seus auxiliares de cumprimento actuando no exercício das suas funções se a morte ou lesões corporais do passageiro, ou a perda ou danos da bagagem de cabina resultarem ou estiverem relacionados com o naufrágio, abalroamento, encalhe, explosão ou incêndio ou defeito do navio. No que respeita a perdas ou danos de outras bagagens, tal culpa presume-se independentemente da natureza do evento que causou as perdas ou danos. Em todos os outros casos, o ónus da prova da culpa incumbe ao reclamante.
Artigo 164.º
(Transportador substituto)
1. Se a execução do transporte ou parte dele for confiada a um transportador substituto, o transportador continua no entanto a ser responsável pela totalidade do transporte de acordo com as disposições dos artigos 162.º e seguintes. Por acréscimo, o transportador substituto fica sujeito às mesmas disposições e pode invocá-las em seu benefício pela parte do transporte por si realizada.
2. Em relação ao transporte executado pelo transportador substituto, o transportador é responsável pelos actos e omissões do transportador substituto e dos seus auxiliares de cumprimento actuando no exercício das suas funções.
3. Qualquer acordo especial ao abrigo do qual o transportador assuma obrigações não impostas pelas disposições dos artigos 162.º e seguintes ou qualquer renúncia de direitos conferidos por estas disposições apenas tem eficácia perante o transportador substituto se ele as aceitar expressamente e por escrito.
4. Nos casos em que o transportador e o transportador substituto sejam ambos responsáveis, e na medida em que o forem, a sua responsabilidade é solidária.
5. Nenhuma disposição do presente artigo prejudica qualquer direito de recurso entre o transportador e o transportador substituto.
Artigo 165.º
(Objectos de valor)
O transportador não é responsável por perdas ou danos de dinheiro, títulos negociáveis, ouro, prataria, jóias, ornamentos, obras de arte ou outros valores, excepto se tais valores tiverem sido confiados ao transportador para serem guardados em segurança, e, neste caso, o transportador é responsável até ao limite estipulado no n.º 3 do artigo 168.º, salvo se um limite superior tiver acordado em conformidade com o n.º 1 do artigo 170.º
Artigo 166.º
(Falta do passageiro)
Se o transportador provar que a morte ou lesões corporais do passageiro ou a perda ou danos da sua bagagem foram causados, directa ou indirectamente, por culpa do passageiro, o tribunal encarregue do caso pode exonerar o transportador da sua responsabilidade, no todo ou em parte, segundo as disposições do Código Civil.
Artigo 167.º
(Limite de responsabilidade por danos pessoais)
A responsabilidade do transportador pela morte ou danos pessoais de um passageiro não pode em caso algum exceder 175 000 unidades de conta por transporte. Se, de acordo com o disposto no Código Civil, for concedida uma indemnização em renda, o capital da renda não pode exceder o referido limite.
Artigo 168.º
(Limite de responsabilidade por perda ou danos da bagagem)
1. A responsabilidade do transportador pela perda ou danos da bagagem de cabina não pode em caso algum exceder 1 800 unidades de conta por passageiro e por transporte.
2. A responsabilidade do transportador pela perda ou danos de veículos, incluindo toda a bagagem transportada sobre ou dentro do veículo, não pode em caso algum exceder 10 000 unidades de conta, por veículo e por transporte.
3. A responsabilidade do transportador pela perda ou danos de bagagem que não seja a mencionada nos n.os 1 e 2 do presente artigo não pode em caso algum exceder 2 700 unidades de conta por passageiro e por transporte.
4. O transportador e o passageiro podem convencionar que a responsabilidade do transportador seja sujeita a uma dedução que não exceda as 300 unidades de conta no caso de danos de um veículo e que não exceda as 135 unidades de conta por passageiro no caso de perda ou danos de outras bagagens, sendo tais somas deduzidas da importância da perda ou dos danos.
Artigo 169.º
(Unidade de conta e conversão)
A unidade de conta referida nos artigos anteriores é o direito especial de saque, tal como é definido pelo Fundo Monetário Internacional. As importâncias mencionadas nos artigos 167.º e 168.º são convertidas na moeda local segundo o valor dessa moeda em relação ao direito especial de saque no dia do julgamento ou na data acordada pelas partes.
Artigo 170.º
(Disposições suplementares sobre os limites de responsabilidade)
1. O transportador e o passageiro podem acordar, expressamente e por escrito, limites de responsabilidade mais elevados que os indicados nos artigos 167.º e 168.º
2. Os juros e as despesas de processo não estão incluídos nos limites de responsabilidade indicados nos artigos 167.º e 168.º
Artigo 171.º
(Meios de defesa e limites que podem invocar os auxiliares de cumprimento do transportador)
Se for intentada acção contra um auxiliar de cumprimento do transportador ou do transportador substituto decorrente de danos visados nos artigos 163.º e 164.º, tal auxiliar de cumprimento, se provar que agiu no exercício das suas funções, tem direito a beneficiar dos meios de defesa e limites de responsabilidade que o transportador ou o transportador substituto possam invocar ao abrigo dos artigos anteriores.
Artigo 172.º
(Concurso de pretensões)
1. Quando se apliquem os limites de responsabilidade determinados nos artigos 167.º e 168.º, estes incidem sobre o montante total da reparação devida por todas as pretensões decorrentes da morte ou de lesões corporais de qualquer passageiro ou da perda ou danos da sua bagagem.
2. Em relação ao transporte efectuado por um transportador substituto, o montante total de reparação devida pelo transportador e pelo transportador substituto, bem como pelos auxiliares de cumprimento actuando no exercício das suas funções, não pode exceder a indemnização mais elevada que pode ser imposta quer ao transportador quer ao transportador substituto ao abrigo dos artigos anteriores, mas nenhuma das pessoas mencionadas é responsável além do limite que lhe é aplicável.
3. Nos casos em que um auxiliar de cumprimento do transportador ou do transportador substituto tenha direito, ao abrigo do artigo 171.º, a beneficiar dos limites de responsabilidade determinados nos artigos 167.º e 168.º, o montante total de reparação devido pelo transportador ou pelo transportador substituto, conforme o caso, e do auxiliar de cumprimento, não pode exceder esses limites.
Artigo 173.º
(Perda do direito ao limite de responsabilidade)
1. O transportador não tem direito a beneficiar dos limites de responsabilidade determinados nos artigos 167.º e 168.º e no n.º 1 do artigo 170.º se se provar que os danos resultaram de um acto ou omissão do transportador que tenha sido cometido com intenção de provocar tais danos ou cometido temerariamente e com a consciência de que daí resultariam provavelmente tais danos.
2. O auxiliar de cumprimento do transportador ou do transportador substituto não tem direito a beneficiar desses limites caso se prove que os danos resultaram de um acto ou omissão desse auxiliar de cumprimento que tenha sido cometido com intenção de provocar tais danos ou cometido temerariamente e com a consciência de que daí resultariam provavelmente tais danos.
Artigo 174.º
(Fundamento das pretensões)
Nenhuma acção de indemnização pela morte ou lesões corporais de um passageiro ou por perda e danos da bagagem pode ser intentada contra o transportador ou transportador substituto sem ser ao abrigo dos artigos precedentes.
Artigo 175.º
(Notificação de perda ou danos da bagagem)
1. O passageiro deve notificar por escrito o transportador ou seu representante:
a) No caso de danos aparentes da bagagem:
i) para a bagagem de cabina, antes ou no momento de desembarque do passageiro;
ii) para toda a outra bagagem, antes ou no momento da sua entrega;
b) No caso de danos à bagagem que não sejam aparentes, ou de perda da bagagem, no prazo de 15 dias a contar da data de desembarque ou da entrega ou da data em que a entrega deveria ter ocorrido.
2. Se o passageiro não cumprir o disposto no presente artigo, presume-se que recebeu a bagagem em bom estado.
3. A notificação por escrito é dispensável se o estado da bagagem no momento da sua recepção for objecto de uma vistoria ou inspecção conjunta.
Artigo 176.º
(Caducidade)
1. Qualquer acção por danos resultantes de morte ou lesões corporais de um passageiro, ou de perda ou danos da bagagem, está submetida ao prazo de caducidade de 2 anos.
2. O prazo de caducidade conta-se:
a) No caso de lesões corporais, a partir da data de desembarque do passageiro;
b) No caso de morte ocorrida durante o transporte, a partir da data em que o passageiro deveria ter desembarcado, e no caso de lesões corporais ocorridas durante o transporte e de que resulte a morte do passageiro após desembarque, a partir da data do falecimento; o prazo não pode, porém, exceder 3 anos a contar da data de desembarque;
c) No caso de perda ou de danos da bagagem, a partir da data de desembarque ou da data em que o desembarque deveria ter ocorrido, conforme a que ocorra mais tarde.
3. As causas de suspensão e interrupção da caducidade são regidas pelas disposições do Código Civil, mas em caso algum pode uma acção ao abrigo dos artigos anteriores ser intentada após expirar o prazo de 3 anos a contar da data de desembarque do passageiro ou a da data em que o desembarque deveria ter ocorrido, conforme a que ocorra mais tarde.
4. Não obstante os n.os 1 a 3 do presente artigo, o prazo de caducidade pode ser prorrogado por uma declaração do transportador ou por acordo entre as partes celebrado depois da produção do dano. A declaração ou acordo devem ser reduzidos a escrito.
Artigo 177.º
(Nulidade de cláusulas contratuais)
Qualquer estipulação contratual, concluída antes da ocorrência do evento que causou a morte ou lesões corporais a um passageiro ou perda ou danos da bagagem, com vista a exonerar o transportador da sua responsabilidade para com o passageiro ou de estabelecer um limite de responsabilidade inferior ao fixado nos artigos anteriores, salvo a estipulação prevista no n.º 4 do artigo 168.º, ou com vista a inverter o ónus da prova que incumbe ao transportador é nula; mas a nulidade desta estipulação não torna nulo o contrato de transporte, que continua sujeito às disposições do presente título.
Artigo 178.º
(Convenções sobre a limitação de responsabilidade)
As disposições do presente título não modificam os direitos ou deveres do transportador, do transportador substituto e dos seus auxiliares de cumprimento estabelecidos no capítulo VI do título I.
Artigo 179.º
(Danos nucleares)
As disposições do presente título não são aplicáveis à responsabilidade por danos causados por um acidente nuclear se o operador de uma instalação nuclear for responsável por tais danos ao abrigo de uma convenção internacional ou de uma lei que, regendo a responsabilidade por tais danos, seja mais favorável aos lesados.
Artigo 180.º
(Transporte comercial realizado por pessoas colectivas de direito público)
As disposições anteriores são aplicáveis ao transporte comercial realizado por um país, território ou pessoa colectiva de direito público ao abrigo de um contrato de transporte tal como se encontra definido no artigo 162.º
TÍTULO IV
DO REBOQUE
Artigo 181.º
(Âmbito de aplicação. Reboque-transporte)
1. As disposições do presente título regulam o contrato em que uma das partes se obriga a empregar um navio (o rebocador) numa operação de tracção ou impulsão de outro navio ou outro objecto flutuante (o rebocado), que permanece na detenção da outra parte, mediante retribuição.
2. O reboque de navio ou outro objecto flutuante que, durante o reboque, entre na detenção do armador do rebocador, é regido pelas disposições aplicáveis ao contrato de transporte marítimo de mercadorias, com as devidas adaptações.
Artigo 182.º
(Direito aplicável ao contrato de reboque)
1. O contrato de reboque referido no n.º 1 do artigo anterior é regido pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
Artigo 183.º
(Salvação do rebocado)
O contratante-rebocador só tem direito a remuneração por salvação do navio rebocado quando, verificando-se os pressupostos da salvação, o perigo em causa não tiver sido contemplado pelas partes na celebração do contrato de reboque.
Artigo 184.º
(Obrigações do contratante-rebocador)
O contratante-rebocador obriga-se:
a) A apresentar e manter um rebocador em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado e com suficiente potência e força de tracção para realizar o serviço estipulado, no tempo e lugar convencionados;
b) A realizar o reboque dentro do prazo convencionado e, na falta de convenção, em tempo razoável;
c) A fornecer cabos de reboque de bitola, resistência e comprimento suficiente e a inspeccioná-los previamente;
d) A superintender o manuseamento e colocação dos cabos de reboque e amarras acessórias;
e) A zelar pela exibição das luzes adequadas quer no rebocador quer no rebocado;
f) A atracar ou fundear o rebocado num cais ou fundeadouro adequado e, se outra coisa não resultar do contrato ou das circunstâncias, a permanecer no local até que o contrato de reboque esteja integralmente executado;
g) A cumprir as formalidades legais exigidas para a realização do reboque.
Artigo 185.º
(Obrigações do armador do navio rebocado)
O armador do navio rebocado obriga-se:
a) A apresentar um navio em estado de navegabilidade, devidamente armado e equipado e adequado ao reboque, no tempo e lugar convencionados;
b) A zelar pela exibição das luzes adequadas no navio rebocado;
c) A pagar a retribuição convencionada ou determinada pelas tarifas homologadas ou fixadas por autoridade pública; faltando a convenção ou a tarifa, a que for usual e, na falta de uso, a que constituir uma compensação equitativa pelo serviço prestado.
Artigo 186.º
(Obrigações do proprietário de outro objecto rebocado)
O proprietário de objecto que, não sendo um navio, deve ser rebocado obriga-se:
a) A apresentar o objecto rebocado em condições adequadas ao reboque, no tempo e lugar convencionados;
b) A pagar a retribuição determinada em conformidade com a alínea c) do artigo anterior.
Artigo 187.º
(Obrigações complementares)
1. Em complemento das obrigações estabelecidas nos artigos anteriores, as partes do contrato de reboque estão adstritas às obrigações referidas nos números seguintes.
2. A parte que dirige a operação de reboque obriga-se a dirigir a navegação do rebocador e do rebocado de modo adequado e prudente.
3. Caso o rebocado seja tripulado, esta parte obriga-se ainda:
a) A assegurar um sistema de comunicações entre o rebocador e a rebocado;
b) A dar as instruções necessárias à tripulação do rebocado.
4. A outra parte obriga-se a seguir as instruções legítimas dadas em conformidade com a alínea b) do número anterior.
Artigo 188.º
(Substituição do rebocador)
1. O rebocador referido no contrato pode ser substituído por outro rebocador que seja adequado ao serviço e cujas características não sejam inferiores às do primeiro, na falta de estipulação expressa em contrário.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, durante a execução do reboque o rebocador pode ser substituído, mas o contratante-rebocador é responsável pelos prejuízos causados pela demora que a substituição ocasionar.
Artigo 189.º
(Falta de apresentação do rebocador)
Se o rebocador não for apresentado no tempo e lugar convencionados o contratante-rebocado pode rescindir o contrato.
Artigo 190.º
(Vencimento da retribuição)
1. A retribuição vence-se e é exigível no momento em que se completa a prestação do serviço de reboque.
2. O disposto no número anterior não prejudica o direito do contratante-rebocador:
a) A haver a retribuição proporcional ao serviço prestado caso se torne impossível ou inexigível a continuação do reboque;
b) A receber a retribuição por inteiro se o impedimento à continuação do reboque for imputável a facto do contratante-rebocado.
Artigo 191.º
(Desvio de rota)
1. O contratante-rebocador que tenha a direcção da operação de reboque deve efectuá-la pela rota usual. Considera-se justificado o desvio da rota usual quando se trate de um desvio razoável segundo o critério estabelecido no n.º 3 do artigo 46.º
2. Em caso de desvio injustificado e suficientemente grave para colocar em risco a realização do fim visado com o contrato, o contratante-rebocado tem a faculdade de o rescindir.
3. O contratante-rebocador responde por desvio injustificado nos termos gerais da responsabilidade civil.
Artigo 192.º
(Interrupção do reboque)
1. O reboque pode ser interrompido pelo contratante-rebocador para prestar socorro desde que tal não envolva risco grave para o navio ou outro objecto rebocado que seja tripulado, que o comandante do rebocador possa razoavelmente prever um resultado útil e que não tenha conhecimento de que o socorro tenha sido prestado por outros navios em condições mais idóneas ou similares àquelas em que o seu navio poderia prestá-lo.
2. No caso previsto no número anterior, se a interrupção do reboque for suficientemente longa para colocar em risco a realização do fim visado com o contrato, o contratante-rebocado tem a faculdade de o rescindir. Se esta faculdade não for exercida o reboque deve ser retomado logo que terminada a salvação.
3. Caso se torne impossível alcançar o lugar de destino estipulado por causa não imputável a qualquer das partes, o contratante-rebocador deve, se as circunstâncias o permitirem, efectuar o reboque até ao porto ou fundeadouro seguro mais próximo do lugar de destino.
Artigo 193.º
(Responsabilidade civil em caso de reboque)
1. A responsabilidade por danos causados durante o reboque cabe à parte que for responsável pelos actos e omissões da pessoa que dirige efectivamente a operação de reboque, salvo se demonstrar que os danos não lhe são imputáveis.
2. No reboque portuário de navio, em que não haja lugar a pilotagem obrigatória, presume-se que a pessoa que dirige efectivamente a operação de reboque é o comandante do navio rebocado.
3. No reboque fora dos portos, presume-se que a pessoa que dirige efectivamente a operação de reboque é o comandante do rebocador.
TÍTULO V
DO SEGURO CONTRA RISCOS DE NAVEGAÇÃO
Artigo 194.º
(Regime aplicável)
O seguro contra riscos de navegação é regulado pelas disposições contidas no presente título e, subsidiariamente, pelas disposições aplicáveis aos seguros em geral e pelas disposições gerais aplicáveis ao seguro contra danos, que não forem incompatíveis com a natureza especial do seguro contra riscos de navegação.
Artigo 195.º
(Contrato de seguro contra riscos de navegação)
Seguro contra riscos de navegação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a indemnizar pelos prejuízos resultantes de riscos de navegação, mediante um prémio.
Artigo 196.º
(Direito aplicável ao contrato de seguro contra riscos de navegação)
1. O seguro contra riscos de navegação é regido pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território onde o segurador tem o seu estabelecimento no momento da celebração do contrato.
4. O modo de cumprimento é regulado pelo direito do lugar onde se deva realizar.
Artigo 197.º
(Forma)
1. O contrato de seguro contra riscos de navegação está sujeito a forma escrita.
2. A forma escrita pode resultar de troca de cartas, telex, telecópia ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita.
Artigo 198.º
(Apólice de seguro)
1. O segurador é obrigado a emitir uma apólice de seguro.
2. A apólice do seguro contra riscos de navegação deve conter as menções exigidas pelo regime geral, com as especialidades contidas nos n.os 3 e 4.
3. São facultativas as indicações do valor do objecto seguro e da quantia segurada.
4. No seguro de navio deve ser indicado o seu nome, pavilhão e lugar de registo.
5. A responsabilidade do segurador decorrente do contrato de seguro não depende da emissão da apólice.
Artigo 199.º
(Modalidades de seguro)
1. São modalidades do seguro contra riscos de navegação o seguro de coisas e o seguro de responsabilidade.
2. O seguro de coisas cobre os prejuízos resultantes da destruição, subtracção ou deterioração de uma coisa, ou da não obtenção de uma vantagem que se espera da coisa.
3. O seguro de coisas pode ser contratado para uma viagem ou para um período de tempo determinado.
4. O seguro de responsabilidade cobre os prejuízos que podem resultar ou resultem efectivamente para o património do segurado de uma pretensão de terceiro.
Artigo 200.º
(Interesse no seguro)
1. Tem interesse no seguro de coisas quem seja titular de direitos sobre o navio, mercadorias ou outros bens que sejam sujeitos a riscos de navegação, e que, por conseguinte, tenha interesse na preservação da coisa durante a expedição marítima.
2. Tem interesse no seguro de responsabilidade quem esteja sujeito a pretensões de terceiros relativas a riscos de navegação.
3. É suficiente que o interesse no seguro se verifique no momento em que ocorrem os danos ou se constituem as pretensões de terceiros.
Artigo 201.º
(Objecto do seguro)
O seguro contra riscos de navegação pode ter por objecto bens móveis, valores, retribuição de serviços de transporte ou de utilização de navio, prémios de seguro e obrigações perante terceiros.
Artigo 202.º
(Seguro de navio)
1. O seguro de navio cobre os prejuízos resultantes da destruição, subtracção ou deterioração das partes componentes e integrantes do navio, bem como das suas pertenças.
2. Mediante convenção expressa o seguro de navio pode ainda abranger:
a) Pretensões de terceiros por factos relativos à utilização do navio;
b) Despesas de armamento e equipagem, fretes em risco e prémios de seguro.
Artigo 203.º
(Seguro de mercadorias ou outros bens móveis)
1. O seguro de mercadorias ou outros bens móveis cobre os prejuízos resultantes da sua destruição, subtracção ou deterioração.
2. Mediante convenção expressa o seguro de mercadorias ou outros bens móveis pode ainda abranger o lucro esperado e as pretensões de terceiros por factos relativos ao transporte destes bens.
Artigo 204.º
(Seguro de protecção e indemnização)
O seguro de protecção e indemnização cobre os prejuízos resultantes de pretensões de terceiros que o segurado tenha satisfeito.
Artigo 205.º
(Duração da cobertura no seguro à viagem)
1. No seguro de navio, contratado para uma viagem, a cobertura inicia-se no momento em que o navio inicia o embarque das mercadorias, e termina no momento em que completa a descarga, mas nunca depois do vigésimo dia após a chegada.
2. Na falta de carga, a cobertura inicia-se no momento em que o navio começa as manobras de saída no porto de partida e termina no momento em que fundeia ou atraca no porto de destino.
3. Se durante o período de descarga o navio embarca mercadorias para uma nova viagem, para a qual o navio tenha sido segurado, a cobertura cessa com o começo do novo carregamento.
4. Caso o seguro seja contratado depois de começada a viagem, a cobertura inicia-se à hora indicada no contrato e, no silêncio deste, na vigésima quarta hora do dia da celebração do contrato.
5. No seguro de mercadorias, contratado para uma viagem, a cobertura tem início no momento em que se inicia o seu carregamento e termina no momento em que é completada a sua descarga no porto de destino. Quando a descarga se atrase para além de 30 dias após a chegada ao porto de destino, independentemente de quarentena ou de outra causa de força maior, a cobertura termina no trigésimo dia após a chegada.
6. Se for estipulada a cláusula «armazém a armazém», a cobertura inicia-se no momento do levantamento das mercadorias no armazém onde estão depositadas e termina com o seu depósito no armazém no lugar do destino.
7. Caso seja contratado o seguro de mercadorias embarcadas num navio depois de começada a viagem, a cobertura inicia-se à hora indicada no contrato e, no silêncio deste, na vigésima quarta hora do dia da celebração do contrato.
Artigo 206.º
(Duração da cobertura no seguro a tempo)
1. No seguro a tempo a cobertura inicia-se na vigésima quarta do dia da celebração do contrato e termina na vigésima quarta hora do dia estipulado no contrato.
2. A cobertura que termina no decurso de uma viagem considera-se prorrogada até que o navio fundeie ou atraque no porto de destino, desde que o segurado avise previamente o segurador, sendo devido um suplemento de prémio proporcional ao prémio fixado no contrato.
Artigo 207.º
(Seguro de apólice flutuante)
1. O seguro de apólice flutuante cobre todas as mercadorias que forem expedidas pelo segurado durante o período de tempo definido no contrato.
2. O segurado deve comunicar ao segurador a expedição de cada partida em conformidade com o estipulado na apólice e, na omissão desta, de acordo com os usos do comércio.
3. O segurador não responde quando a soma do valor das mercadorias embarcadas exceder a quantia segurada.
Artigo 208.º
(Cobertura aberta)
1. Na cobertura aberta o segurador obriga-se a segurar todas as mercadorias que forem expedidas durante o período e nos termos definidos no contrato.
2. O segurado deve comunicar ao segurador a expedição de cada partida em conformidade com o estipulado no contrato e, na omissão deste, de acordo com os usos do comércio.
3. O segurador tem a obrigação de emitir uma apólice de seguro por cada partida embarcada.
Artigo 209.º
(Transferência do crédito sobre o segurador)
1. No seguro de navio o crédito sobre o segurador só é transmissível com o seu consentimento. Na falta de consentimento para a transmissão, a cobertura cessa em caso de transferência da propriedade do navio segurado.
2. Quando a cobertura cesse nos termos do número anterior o segurado tem direito ao reembolso da proporção do prémio pago relativa ao tempo de cobertura cessante.
3. No seguro de mercadorias ou outros bens móveis, a transmissão da apólice de seguro opera a transferência do crédito sobre o segurador. A cobertura também se mantém em caso de mera transferência da propriedade ou da posse da coisa segurada ou de mudança do interessado no seguro.
Artigo 210.º
(Riscos de navegação)
1. Constituem riscos de navegação a tempestade, o naufrágio, a varação, a abalroação, a colisão com objecto fixo ou flutuante que não seja navio, o alijamento, o desvio forçado de rota, a mudança forçada de navio ou de viagem, a explosão, o incêndio, a pirataria, a pilhagem, a inundação, a quarentena superveniente, o sequestro ou a apreensão, a barataria, e, em geral, todos os demais acidentes de navegação.
2. O disposto no número anterior abrange a navegação por águas marítimas ou interiores, bem como a navegação em lagos, rios ou canais que a complemente.
Artigo 211.º
(Riscos por que responde o segurador)
1. Salvo convenção expressa em contrário, o segurador responde pelos prejuízos resultantes de todos os riscos de navegação referidos no artigo anterior.
2. O segurador responde por prejuízos decorrentes de defeitos ocultos do navio, salvo se provar que o defeito podia ser descoberto pelo segurado com o exercício de diligência normal.
3. O segurador não responde por prejuízos decorrentes de vício próprio ou inerente, exclusivamente, às mercadorias embarcadas, ou do seu acondicionamento inadequado.
4. Salvo convenção expressa em contrário, o segurador não responde por prejuízos resultantes de riscos de guerra.
Artigo 212.º
(Prejuízos resultantes da inavegabilidade do navio)
1. O segurador também não responde pelos prejuízos resultantes da inavegabilidade do navio nos casos em que o segurado tenha a obrigação de garantir que o navio se encontra em estado de navegabilidade.
2. No seguro de navio à viagem o segurado tem a obrigação de garantir que o navio se encontra em estado de navegabilidade no começo da viagem e de cada uma das suas subsequentes etapas.
3. No seguro de navio a tempo o segurado não tem a obrigação de garantir que o navio se encontra em estado de navegabilidade, mas o segurador não responde se, encontrando-se o navio em porto no momento em que se inicia a cobertura, se verificar a sua inavegabilidade no começo da viagem, com culpa pessoal do segurado ou dos seus subordinados.
4. No seguro de mercadorias o segurado não tem a obrigação de garantir que o navio se encontra em estado de navegabilidade nem que é apto ao transporte das mercadorias seguradas, mas o segurador não responde quando houver culpa pessoal do segurado ou dos seus subordinados na inavegabilidade ou inaptidão do navio no começo da viagem. Neste último caso, porém, o segurador responde se o crédito do seguro tiver sido transferido para terceiro que tenha adquirido o objecto seguro de boa fé.
Artigo 213.º
(Presunção de responsabilidade)
1. No caso de dúvida sobre a causa dos prejuízos, presume-se que resultam de riscos de navegação.
2. O segurador não responde pelos prejuízos resultantes de causa indeterminada quando só forem cobertos riscos específicos taxativamente enumerados na apólice.
Artigo 214.º
(Perda do objecto seguro)
1. Salvo convenção expressa em contrário, o seguro abrange tanto a perda total efectiva como a perda total construtiva do objecto seguro.
2. Ocorre perda total efectiva quando, pela verificação de um risco coberto, o objecto seguro é completamente destruído, quando sofre deterioração a ponto de deixar de ser uma coisa da categoria descrita na apólice, quando o segurado ou interessado no seguro fica privado do objecto seguro por forma irremediável e quando, tratando-se de um navio, se presume perdido.
3. Ocorre perda total construtiva quando é aparentemente inevitável a perda total efectiva do objecto seguro, pela verificação de um risco coberto, ou se mostra impossível evitar esta perda sem a realização de despesas que excederiam o seu valor efectivo.
4. Para a determinação da perda total construtiva são apenas consideradas as despesas que seriam necessárias para evitar a perda total efectiva resultantes de um único acidente ou sequência de prejuízos resultantes de um único acidente. Os prejuízos causados por mau tempo que ocorra durante um trajecto marítimo são considerados como resultando de um único acidente.
5. O navio presume-se perdido quando tiverem decorrido 3 meses desde o dia da última notícia.
Artigo 215.º
(Risco putativo)
1. Em caso de inexistência do risco ou da sua cessação, bem como se o acidente ocorre antes da celebração do contrato, o seguro é nulo quando a notícia da inexistência ou da cessação do risco, bem como da ocorrência do acidente, chega, antes da conclusão do contrato, ao lugar de celebração ou àquele em que o segurado deu a ordem de seguro.
2. Presume-se, salvo prova em contrário, que a notícia chegou tempestivamente aos lugares referidos no número anterior.
3. O segurador que não tenha conhecimento da inexistência ou da cessação do risco, bem como da ocorrência do acidente, tem direito ao reembolso das despesas feitas em razão do contrato; se demonstrar tal conhecimento por parte do segurado tem direito ao prémio estipulado.
Artigo 216.º
(Agravamento do risco)
1. O segurador responde em caso de agravamento do risco que não resulte de facto imputável ao segurado.
2. Se o agravamento do risco for imputável a facto do segurado, o segurador não responde se o risco foi transformado ou agravado de tal modo que, se o novo estado de coisas existisse e fosse conhecido do segurador no momento da celebração do contrato, não teria sido celebrado um contrato com o mesmo conteúdo.
3. O segurador responde, porém, se a mudança ou agravamento do risco foi determinado por actos realizados por dever de solidariedade humana ou na tutela de interesses comuns ao segurador, bem como se dependeu de um evento pelo qual o próprio segurador responde ou se não influiu sobre a ocorrência do acidente ou sobre a medida da indemnização devida pelo segurador em consequência deste.
Artigo 217.º
(Desvio de rota e mudança de viagem)
1. O segurador responde em caso de desvio de rota justificado e de mudança de viagem forçada.
2. Verifica-se um desvio de rota quando o navio abandona a rota especificamente indicada na apólice ou, na falta de indicação, quando abandona a rota usual. Verifica-se uma mudança de viagem quando o navio procede para um porto de destino diferente do indicado na apólice.
3. Caso o desvio de rota seja injustificado, o segurador não responde se o acidente se verificar durante o desvio ou se o desvio influir sobre a verificação posterior do acidente.
4. O segurador não responde a partir do momento em que é manifestada a determinação de realizar uma mudança voluntária.
Artigo 218.º
(Atraso na realização da viagem)
1. A viagem, para a qual o seguro seja contratado, deve ser prosseguida com o despacho exigível.
2. O segurador não responde a partir do momento em que o atraso injustificado na prossecução da viagem se torne desrazoável.
Artigo 219.º
(Desvio de rota ou atraso justificado)
O desvio de rota ou o atraso na prossecução da viagem é justificado:
a) Quando expressamente autorizado pela apólice;
b) Nos casos referidos no n.º 1 do artigo 98.º
Artigo 220.º
(Mudança de navio)
1. O segurador não responde se a mercadoria é carregada em navio diferente do indicado na apólice.
2. Se a apólice não indica o navio, o segurador responde caso o segurado lhe comunique o nome do navio em que a mercadoria foi carregada, logo que tenha conhecimento.
3. Se a apólice indica as características que deve possuir o navio, o segurador só responde quando o navio nomeado pelo segurado obedecer a estas características.
4. O segurador responde caso a mercadoria seja transbordada para outro navio por se tornar definitivamente impossível o prosseguimento da viagem.
Artigo 221.º
(Limite da indemnização)
1. A obrigação de indemnizar tem como limite máximo a quantia segurada.
2. Na falta de indicação na apólice, a quantia segurada corresponde, no seguro de coisas, ao valor da coisa que conste da apólice e, se este também faltar:
a) No seguro de navio, ao valor segurável no momento da celebração do contrato, acrescido, no caso previsto no n.º 2 do artigo 202.º, das despesas de armamento e equipagem, frete em risco e prémio de seguro;
b) No seguro de mercadorias e outros bens móveis, ao seu valor, em bom estado, no porto de destino e ao tempo da descarga; se este valor não puder ser determinado, ao preço no lugar e ao tempo do carregamento, acrescido do frete pago em avanço ou devido em qualquer caso, do prémio de seguro, e ainda, no caso previsto no n.º 2 do artigo 203.º, do lucro esperado.
Artigo 222.º
(Medida da indemnização no seguro de coisas)
1. Em caso de perda total é devida indemnização pelo valor do objecto seguro indicado na apólice e, na falta de indicação, pelo valor calculado nos termos do n.º 2 do artigo anterior.
2. Nos restantes casos, tratando-se de seguro de navio, a medida da indemnização, salvo convenção expressa em contrário, é a seguinte:
a) Se o navio foi reparado, o segurado tem direito ao custo razoável das reparações, menos as deduções que decorram de usos do comércio;
b) Se o navio só foi parcialmente reparado, o segurado tem direito ao custo razoável destas reparações, calculado do mesmo modo, e também a ser indemnizado pela depreciação razoável que tenha resultado no valor de mercado da avaria não reparada, contanto que a soma não exceda o custo de reparação de toda a avaria, calculado do mesmo modo;
c) Se o navio não foi reparado, o segurado tem direito a ser indemnizado pela depreciação razoável no valor de mercado que tenha resultado da avaria não reparada, desde que não exceda o custo de reparação da avaria, calculado do mesmo modo.
3. Nos restantes casos, tratando-se de seguro de mercadorias ou outros bens móveis, a medida da indemnização, salvo convenção expressa em contrário, é a seguinte:
a) Se parte das mercadorias ou outros bens móveis for totalmente perdida, a proporção do valor do objecto seguro da parte perdida relativamente ao valor total;
b) Se o conjunto ou uma parte das mercadorias ou outros bens móveis foi entregue deteriorada no destino, a proporção do valor do objecto seguro que a diferença entre os valores brutos em bom estado e deteriorado estabelece relativamente ao valor bruto em bom estado;
c) No caso de reacondicionamento ou reparação das mercadorias ou outros bens móveis avariados, o segurado tem direito ao custo razoável destas operações, desde que não exceda o valor do objecto seguro.
Artigo 223.º
(Acidentes sucessivos)
1. No caso de acidentes sucessivos o segurador é responsável pelos prejuízos que resultam de cada acidente mesmo que a sua soma exceda a quantia segurada.
2. No entanto, todos os prejuízos causados por mau tempo que ocorra durante um trajecto marítimo são considerados como resultando de um único acidente.
3. Se uma avaria que não tenha sido reparada ou por outra forma ressarcida, for seguida por uma perda total, o segurado só tem direito a indemnização por perda total, sem prejuízo do direito ao reembolso das despesas feitas para evitar ou diminuir o prejuízo.
Artigo 224.º
(Casos de abandono ao segurador)
O objecto seguro considera-se abandonado ao segurador em caso de perda total efectiva e pode ser abandonado pelo segurado em caso de perda total construtiva.
Artigo 225.º
(Efeitos do abandono)
1. O abandono confere ao segurado o direito a indemnização por perda total independentemente de aceitação por parte do segurador.
2. O abandono desencadeia a transferência de todos os direitos e deveres relativos à coisa abandonada.
3. A transferência dos direitos e deveres referidos no número anterior fica sujeita à condição resolutiva de não aceitação do abandono por parte do segurador.
Artigo 226.º
(Declaração de abandono e declaração de não aceitação do abandono)
1. No caso de perda total construtiva, o segurado tem de declarar o abandono ao segurador. Se não declarar o abandono, o segurado tem direito a indemnização nos termos do n.º 2 ou do n.º 3 do artigo 222.º
2. A declaração de abandono deve ser proferida, por escrito, no prazo de 2 meses depois de recebida informação fidedigna da perda.
3. A declaração de abandono só é válida quando for incondicional e indique se a coisa abandonada é objecto de outros seguros ou de direitos, ónus ou encargos que a onerem.
4. A aceitação do abandono pode ser expressa ou tácita. Em qualquer caso, o abandono considera-se aceite se não for proferida declaração de não aceitação escrita no prazo de 30 dias a contar da recepção da declaração de abandono válida.
Artigo 227.º
(Obrigações do segurado)
1. São obrigações do segurado:
a) Pagar o prémio estipulado;
b) Garantir a licitude da expedição marítima e, até onde estiver sob o seu controlo, a sua realização de modo lícito;
c) Participar o acidente ao segurador ou ao representante autorizado a celebrar o contrato, dentro do prazo de 3 dias a contar do seu conhecimento;
d) Cooperar activamente com o armador, o comandante e restante tripulação e outros intervenientes na expedição marítima para evitar ou diminuir o prejuízo;
e) Avisar, no seguro de mercadorias ou outros bens móveis, o segurador sempre que haja mudança do navio por se tornar definitivamente impossível o prosseguimento da viagem.
2. O prémio deve ser pago contra a entrega da apólice.
3. O seguro é nulo se a expedição marítima for ilícita e torna-se ineficaz se, por culpa pessoal do segurado ou dos seus subordinados, for realizada de modo ilícito.
4. O incumprimento culposo dos deveres de participação e de cooperação torna o segurado responsável pelos prejuízos que daí decorram; o segurado só perde o direito a ser indemnizado pelo segurador quando tenha agido com dolo.
TÍTULO VI
DA AVARIA COMUM
Artigo 228.º
(Noção de avaria comum)
1. Avaria comum é o sacrifício ou despesa extraordinária feita, por forma intencional e razoável, com o fim de evitar um perigo real para a segurança comum do navio e da carga.
2. Considera-se ainda avaria comum a despesa incorrida por qualquer dos participantes na expedição marítima com respeito a salvamento, seja ou não ao abrigo de contrato, contanto que as operações de salvamento tenham sido realizadas com o fim de evitar um perigo real para a segurança comum do navio e da carga.
Artigo 229.º
(Direito aplicável à avaria comum)
1. Aos pressupostos e efeitos da avaria comum é aplicável o direito escolhido pelos participantes na expedição marítima.
2. A escolha do direito aplicável pode ser posterior à ocorrência da avaria.
3. Na falta de escolha, é aplicável:
a) Aos pressupostos da avaria comum, o direito do lugar onde o navio se encontra matriculado, salvo se a avaria ocorrer em porto, caso em que se aplica o direito local;
b) Aos efeitos da avaria comum, o direito do lugar onde a regulação é realizada.
4. Os critérios de interpretação dos preceitos negociais sobre avaria comum são os definidos pelo direito escolhido nos termos do n.º 1 e, na sua falta, pelo direito aplicável ao negócio jurídico. Quando se trate da interpretação de cláusulas gerais, são sempre tidos em conta os sistemas jurídicos que exerceram influência sobre a sua elaboração e as práticas usuais dos reguladores de avarias.
Artigo 230.º
(Supletividade)
1. A avaria comum é regulada pelos preceitos estipulados por todos os participantes na expedição marítima e, subsidiariamente, pelas regras contidas nos artigos seguintes.
2. O transportador é responsável, perante o participante com quem haja estipulado preceitos sobre avaria comum, pelos prejuízos que lhe possam advir da não estipulação dos mesmos preceitos com qualquer outro dos participantes.
Artigo 231.º
(Compensação por prejuízos sofridos com a avaria comum)
1. São compensáveis os prejuízos causados directamente pelo acto de avaria comum a cada um dos participantes na expedição marítima.
2. Não são compensáveis em avaria comum os prejuízos resultantes de:
a) Demora, perda de mercado, dano sofrido ou despesa incorrida por motivo de atraso quer na viagem quer subsequentemente;
b) Dano de pertenças não descritas no inventário;
c) Dano de mercadorias embarcadas sem o conhecimento do armador ou do seu agente;
d) Dano de mercadorias que o carregador declarou conscientemente por forma inexacta;
e) Dano sofrido ou despesa incorrida com respeito a poluição.
3. O dano de mercadorias transportadas no convés só é compensável em avaria comum quando tal corresponda a um uso do tráfego ou tenha sido consentido por todos os participantes na expedição marítima.
4. O dano de mercadorias que tenham sido declaradas, ao embarque, com valor inferior ao real só é compensável pelo valor declarado.
Artigo 232.º
(Compensação do transportador por despesas extraordinárias. Regra geral)
São compensáveis as despesas extraordinárias, realizadas pelo transportador, que constituem avaria comum e sejam a directa consequência do acto de avaria comum ou feitas em sua substituição.
Artigo 233.º
(Compensação por despesas extraordinárias incorridas em porto ou lugar de refúgio)
1. Quando o navio tiver de entrar num porto ou lugar de refúgio ou voltar ao porto ou lugar de carregamento em consequência de acidente, sacrifício ou outras circunstâncias extraordinárias que o tornem necessário para a segurança comum, são compensáveis as seguintes despesas:
a) Portuárias;
b) De reparação do dano causado ao navio pelo acidente ou sacrifício;
c) Com operações de carga que sejam necessárias para a segurança comum ou para possibilitar a reparação do dano causado ao navio pelo acidente ou sacrifício, contanto que exigida para a continuação segura da viagem;
d) Com a armazenagem de carga cuja descarga tenha sido necessária nos termos da alínea anterior, bem como o respectivo seguro;
e) De manuseamento a bordo, descarga, armazenagem e recarregamento de combustível e provisões que sejam necessários com vista a permitir a reparação do dano causado ao navio ou a reestiva da carga que tenha sofrido deslocação durante a viagem, contanto que exigida para a continuação segura da viagem;
f) Com vencimentos e manutenção do comandante e dos tripulantes, bem como com o combustível e provisões consumidos durante o prolongamento da viagem e a permanência do navio no porto ou lugar do refúgio;
g) Custo de quaisquer medidas tomadas para prevenir ou minorar danos ambientais que constituam condição de entrada, permanência ou saída do porto ou lugar de refúgio ou conexas com as operações de carga e a armazenagem referidas nas alíneas anteriores.
2. Caso o navio seja declarado perdido ou não prossiga com a viagem prevista, só são compensáveis as despesas portuárias com a armazenagem, com vencimentos e manutenção do comandante e da tripulação e com combustível e provisões consumidos até à data da declaração de inavegabilidade ou do abandono da viagem ou até à data em que termina a descarga, se a declaração ou abandono for anterior.
3. Não é compensável o custo adicional de medidas tomadas para prevenir ou minorar danos ambientais em caso de derrame ou libertação de substâncias poluentes no porto ou lugar de refúgio.
Artigo 234.º
(Compensação por despesas incorridas com respeito a salvamento)
1. As despesas referidas no n.º 2 do artigo 228.º são compensáveis mesmo que consistam numa remuneração do salvamento que tome em consideração a habilidade e os esforços dos salvadores com vista a evitar ou minimizar danos ambientais nos termos da alínea b) do n. º 1 do artigo 283.º
2. Não é compensável a remuneração especial paga ao salvador ao abrigo do artigo 284.º
Artigo 235.º
(Compensação por despesas incorridas com vista a prevenir ou minorar danos ambientais)
O custo de medidas tomadas para prevenir ou minorar danos ambientais é compensável, além dos casos previstos no artigo 233.º, quando estas medidas façam parte de uma operação efectuada para a segurança comum que, se tivesse sido realizada por um dos participantes fora da expedição marítima comum, lhe teria conferido o direito a remuneração de salvamento.
Artigo 236.º
(Limite à compensação de despesas substitutivas)
As despesas feitas em substituição de uma despesa que constituiria avaria comum só são compensáveis até ao valor da avaria comum evitada.
Artigo 237.º
(Compensação por adiantamento de fundos)
1. É compensável uma comissão de dois por cento sobre as despesas de avaria comum, com excepção dos vencimentos e manutenção do comandante e tripulação e do combustível e provisões não substituídos durante a viagem.
2. É compensável a perda de capital sofrida pelos proprietários de bens vendidos com o fim de obter os fundos necessários para custear despesas de avaria comum.
3. É ainda compensável o prémio do seguro de despesas de avaria comum.
Artigo 238.º
(Determinação do prejuízo compensável em caso de sacrifício da carga, do navio ou das suas pertenças. Regra geral)
1. O prejuízo sofrido com sacrifício da carga, do navio ou das suas pertenças é calculado com base no respectivo valor no momento e lugar em que a viagem termina.
2. Considera-se a viagem terminada no destino previsto ou no momento em que seja abandonada.
3. Se diferentes partidas tiverem destinos diversos atende-se ao valor de cada uma delas no momento que chega ao seu destino.
4. No caso referido no número anterior atende-se ao valor do navio no momento em que chega ao destino a última partida que se encontrava a bordo quando foi praticado o acto de avaria comum.
Artigo 239.º
(Determinação do prejuízo compensável em caso de sacrifício da carga)
1. O valor da carga é determinado nos termos da alínea b) do n. º 2 do artigo 221.º
2. Do valor referido no número anterior são deduzidos os danos sofridos pela carga anteriormente ao acto de avaria comum.
3. Se a carga danificada for vendida sem que o valor do dano tenha sido objecto de acordo, o prejuízo compensável corresponde à diferença entre valor calculado nos termos dos números anteriores e o resultado líquido da venda.
Artigo 240.º
(Determinação do prejuízo compensável em caso de sacrifício do navio ou das suas pertenças)
1. Em caso de sacrifício do navio ou das suas pertenças o prejuízo compensável corresponde ao custo efectivo da reparação ou substituição.
2. Não sendo feita reparação ou substituição, o prejuízo é determinado com base na depreciação razoável resultante desse dano ou perda, contanto que não exceda o custo razoavelmente estimado das reparações.
3. Quando o navio constitua perda total efectiva ou construtiva, o prejuízo compensável corresponde à diferença entre o valor razoavelmente estimado do navio, caso não tivesse ocorrido a avaria comum, e o valor efectivo do navio.
4. Para efeitos do número anterior, o valor efectivo do navio é o do resultado líquido da venda, se esta ocorrer.
Artigo 241.º
(Deduções ao prejuízo compensável em caso de sacrifício do navio ou das suas pertenças)
1. Em caso de utilização, como combustível, de provisões, pertenças ou materiais do navio, deve ser deduzido o custo estimado do combustível que teria sido consumido se não ocorresse a avaria comum.
2. Em caso de dano de navio com mais de 15 anos, deve ser deduzido, para a determinação do prejuízo compensável, um terço do valor das reparações. Para este efeito será tomada em conta, separadamente, a idade das baleeiras, dos aparelhos de navegação, dos aparelhos de telecomunicações, das máquinas e das caldeiras. Não há lugar a dedução com respeito a âncoras e correntes nem relativamente aos custos de deslocação e permanência na doca seca.
3. Os custos de limpeza, pintura ou revestimento do casco só são compensáveis se o casco tiver sido limpo, pintado ou revestido nos 12 meses anteriores ao acto de avaria comum. Neste caso deve ser deduzida metade dos custos.
Artigo 242.º
(Determinação do prejuízo compensável em caso de sacrifício do frete)
1. É compensável o frete bruto perdido em consequência de dano da carga causado por acto de avaria comum.
2. Em caso de perda de frete em risco para o transportador devem ser deduzidos do frete bruto os custos em que o transportador teria incorrido para obter tal frete e em que, devido ao sacrifício, não incorreu, bem como o frete obtido com as mercadorias carregadas em substituição.
Artigo 243.º
(Juros)
1. Ao prejuízo compensável acrescem juros à taxa de juros legais fixada pelo direito da moeda utilizada no regulamento da avaria comum, com a devida consideração de quaisquer pagamentos feitos por conta da contribuição ou do fundo de depósito de avaria comum.
2. Se o direito referido no número anterior não fixar a taxa de juros deve atender-se à taxa média aplicada pelos respectivos tribunais.
3. Os juros contam-se da data do pagamento no caso de despesas e sacrifícios que impliquem um desembolso efectivo em dinheiro e, nos restantes casos, do último dia da descarga.
Artigo 244.º
(Obrigação de contribuir)
1. Estão obrigados a contribuir para a compensação da avaria comum todos os interessados na carga que, encontrando-se a bordo do navio no momento do acto de avaria comum, cheguem em segurança ao destino previsto ou a qualquer lugar em que a viagem seja abandonada.
2. O destinatário está obrigado a contribuir quando seja o proprietário da mercadoria ou quando tal obrigação resulte do conhecimento de carga ou de compromisso por si assumido.
3. Estão igualmente obrigados a contribuir os interessados no frete que, encontrando-se em risco no momento do acto de avaria comum, seja preservado por este acto.
4. Não há lugar a contribuição com respeito ao correio, bagagem de passageiros, bens pessoais e veículos automóveis que acompanhem os passageiros.
Artigo 245.º
(Determinação da contribuição. Regra geral)
1. A contribuição é devida em proporção ao valor efectivo dos bens referidos no artigo anterior no momento e lugar em que termina a viagem.
2. Do valor referido no número anterior devem ser deduzidos todos os custos que, tendo sido incorridos depois do acto de avaria comum, e não sendo compensáveis em avaria comum, teriam sido evitados caso os bens tivessem sido totalmente perdidos no momento do acto.
3. Não são deduzidas as despesas que resultem de uma decisão de compensação especial ao abrigo do artigo 284.º
4. Ao valor referido no n.º 1 deve ser somada a importância da compensação por sacrifícios, se não estiver já incluída.
Artigo 246.º
(Determinação da contribuição devida pelos interessados na carga)
1. O valor da carga é determinado nos termos da alínea b) do n. º 2 do artigo 221.º, com dedução de qualquer dano, ocorrido antes ou durante a descarga, que não constitua sacrifício de avaria comum.
2. Quando a carga for vendida antes da chegada ao destino, o valor da carga é determinado com base no produto líquido efectivo da venda.
Artigo 247.º
(Remessa da carga para o destino por outros meios)
1. Quando, no caso referido no n.º 1 do artigo 233.º, a carga ou parte dela for remetida para o destino por outros meios, os direitos e obrigações resultantes da avaria comum devem, contanto que os interessados da carga sejam notificados se for praticável, permanecer tanto quanto possível os mesmos que existiriam na falta de tal remessa, como se a viagem prevista tivesse sido realizada.
2. Os interessados na carga devem contribuir com base no seu valor no momento da entrega no destino previsto, a menos que seja vendida ou de outro modo objecto de disposição antes da chegada ao destino, caso em que se aplica o disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3. A obrigação de contribuição dos interessados na carga não deve exceder o custo que teria sido suportado se a carga tivesse sido expedida por sua conta.
4. O armador deve contribuir com base no valor efectivo líquido do navio no momento em que se completa a descarga.
Artigo 248.º
(Perda da carga durante a continuação da viagem)
Se, depois de o navio ter incorrido em despesas de avaria comum no porto de refúgio, o navio e a carga se perderem durante a continuação da viagem, o armador não pode reclamar contribuição dos interessados na carga.
Artigo 249.º
(Imputação do perigo a facto culposo de um dos participantes)
1. A imputação do perigo que fundamenta o acto de avaria comum a facto culposo de um dos participantes na expedição marítima exonera os outros participantes da obrigação de contribuir para a compensação do prejuízo sofrido pelo participante culpado.
2. Só são exonerados da obrigação referida no número anterior os participantes que no momento do acto da avaria comum sejam titulares de uma pretensão, fundada no facto culposo, susceptível de realização coactiva contra o participante culpado.
3. O participante culpado fica obrigado a indemnizar os outros participantes pelas contribuições que sejam obrigados a fazer para compensar o prejuízo por eles sofrido em consequência do acto de avaria comum.
Artigo 250.º
(Imputação do perigo a facto culposo de terceiro)
1. A imputação do perigo a facto culposo de terceiro não altera os direitos e obrigações resultantes da avaria comum.
2. Os participantes que contribuam para a compensação do prejuízo causado a outro participante pelo acto de avaria comum ficam subrogados nos seus direitos perante o terceiro responsável.
Artigo 251.º
(Retenção das mercadorias até à obtenção do compromisso de avaria e das garantias usuais por parte dos destinatários)
1. O transportador deve exercer o direito de retenção das mercadorias transportadas até à prestação pelos respectivos destinatários:
a) Do compromisso de pagamento das contribuições que sejam devidas, segundo o regulamento da avaria comum, pelos proprietários da carga;
b) Das garantias usuais.
2. O transportador responde perante os outros participantes na expedição marítima pelos prejuízos que sofram em consequência do incumprimento do dever estabelecido no número anterior.
Artigo 252.º
(Depósitos em dinheiro)
1. Os depósitos em dinheiro feitos pelos interessados na carga como garantia do pagamento das respectivas contribuições devem passar imediatamente para uma conta bancária que só possa ser movimentada, conjuntamente, por um representante do armador e por um representante dos depositantes, em banco aprovado por ambos.
2. A importância assim depositada, juntamente com os juros que eventualmente lhe acresçam, deve ser mantida como garantia do pagamento.
3. Podem ser feitos pagamentos por conta ou restituições de depósitos mediante autorização escrita dos reguladores da avaria.
4. Os depósitos, pagamentos e restituições referidos nos números anteriores não prejudicam os direitos e obrigações resultantes da avaria comum.
Artigo 253.º
(Regulação da avaria)
1. A regulação da avaria tem por finalidade determinar o valor das contribuições devidas pelos participantes e das compensações que lhes são atribuídas.
2. A regulação da avaria compreende as seguintes fases:
a) Verificação dos pressupostos da avaria comum;
b) Determinação dos prejuízos compensáveis que, juntamente com as despesas de regulação da avaria, formam a massa passiva;
c) Determinação dos valores a contribuir que formam a massa activa;
d) Determinação das contribuições, com base na quota da massa passiva que corresponde à proporção de cada valor contribuinte em relação à massa activa, contanto que não exceda o valor contribuinte;
e) Determinação das compensações.
Artigo 254.º
(Regulamento da avaria)
1. O regulamento da avaria é o parecer dos reguladores sobre as contribuições e compensações de avaria comum.
2. O regulamento da avaria deve ser feito na assunção que o perigo que fundamenta o acto de avaria comum não é imputável a facto culposo de qualquer dos participantes.
3. O regulamento da avaria tem a força vinculativa que resulta do estipulado entre os participantes na expedição marítima, sem prejuízo da exoneração fundada no artigo 249.º
Artigo 255.º
(Promoção da regulação da avaria)
A regulação da avaria comum pode ser promovida por qualquer participante na expedição marítima e, caso assim não aconteça, deve ser promovida pelo armador.
Artigo 256.º
(Lugar da regulação da avaria)
A avaria comum é regulada no lugar onde a viagem termina.
Artigo 257.º
(Dever de fornecer os elementos necessários para a regulação da avaria)
Todos os participantes estão obrigados a fornecer aos reguladores da avaria os elementos que, estando à sua disposição, sejam necessários para a regulação da avaria.
Artigo 258.º
(Acção de regulação da avaria)
A acção de regulação da avaria pode ser instaurada por qualquer participante na expedição marítima e deve ser instaurada pelo armador caso não haja acordo sobre a nomeação dos reguladores da avaria.
Artigo 259.º
(Ónus da prova)
Ao participante que invoque um direito fundado em avaria comum cabe provar que o dano ou despesa são compensáveis nos termos dos artigos 231.º a 237.º
Artigo 260.º
(Recuperação dos bens sacrificados)
1. Em caso de recuperação total ou parcial dos bens sacrificados, por parte dos respectivos interessados, depois de apresentado o regulamento da avaria, mas antes da sua execução, reabre-se a regulação da avaria para ter em conta os valores dos bens recuperados após a dedução das eventuais despesas de recuperação.
2. Se o regulamento já foi executado, procede-se a regulação da avaria adicional, tendo por finalidade repartir o valor dos bens recuperados entre todos os contribuintes em proporção da sua contribuição.
TÍTULO VII
DA ABALROAÇÃO
Artigo 261.º
(Noção de abalroação. Âmbito de aplicação)
1. Entende-se por abalroação a colisão de navios.
2. As disposições do presente título regulam a responsabilidade extracontratual por abalroação.
3. Estas disposições são ainda aplicáveis à responsabilidade extracontratual por danos que, por execução ou omissão de uma manobra, ou por inobservância de regulamentos, sejam causados a outro navio, ou às pessoas ou às coisas que se encontrem a bordo, posto que não tenha havido abalroação.
Artigo 262.º
(Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Abalroação)
1. A responsabilidade por abalroação é regulada pelas disposições contidas na Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras em Matéria de Abalroação, de 23 de Setembro de 1910, e, subsidiariamente, pelo direito competente nos termos do artigo seguinte.
2. As disposições referidas no número anterior aplicam-se em caso de abalroação ocorrida entre quaisquer navios que se encontrem matriculados em países ou territórios em que vigore a Convenção referida no número anterior.
3. As disposições da Convenção referida no n. º 1 não são aplicáveis pelos tribunais de Macau quando ambos os navios se encontrarem matriculados em Macau.
Artigo 263.º
(Direito subsidiariamente aplicável à responsabilidade por abalroação)
1. A responsabilidade extracontratual por abalroação é regulada pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, aplica-se o direito do lugar onde os navios envolvidos se encontrem matriculados.
3. Quando os navios não se encontrem matriculados no mesmo país ou território é aplicável o direito vigente no lugar da abalroação ou, se a abalroação ocorrer no alto mar, o direito do lugar onde se encontra matriculado o navio do armador culpado; se houver concorrência de culpas, a responsabilidade de cada armador é regulada pelo direito do lugar onde se encontra matriculado o respectivo navio.
4. Na apreciação da ilicitude do facto que causou a abalroação são sempre aplicadas, conforme o lugar em que ocorra a abalroação, as normas internacionais ou locais que regulam a navegação.
Artigo 264.º
(Abalroação devida a caso fortuito ou força maior)
Em caso de abalroação devida a caso fortuito ou a força maior, ou havendo dúvida sobre as suas causas, os danos são suportados por aqueles que os tenham sofrido.
Artigo 265.º
(Abalroação imputável a facto culposo da tripulação de um dos navios)
Sendo a abalroação causada por facto culposo da tripulação de um dos navios, o armador deste navio é obrigado a indemnizar os prejuízos.
Artigo 266.º
(Abalroação imputável a facto culposo da tripulação de ambos os navios)
1. Sendo a abalroação causada por facto culposo da tripulação de ambos os navios, os armadores destes navios são obrigados a indemnizar os prejuízos, em proporção à gravidade da culpa de cada lado. Se as circunstâncias não permitirem estabelecer a proporção, os armadores são obrigados a indemnizar em partes iguais.
2. Os armadores referidos no número anterior só respondem solidariamente pelos danos resultantes de morte ou ofensa corporal das pessoas que se encontrem a bordo do navio.
Artigo 267.º
(Abalroação imputável a facto culposo do piloto)
1. Para efeitos de responsabilidade por abalroação, o facto culposo do piloto tomado a bordo é equiparado ao facto culposo da tripulação.
2. O armador tem direito de regresso contra o piloto.
Artigo 268.º
(Obrigações de socorro e de informação em caso de abalroação)
1. Ocorrida uma abalroação entre navios, os respectivos comandantes são obrigados a prestar socorro ao outro navio, à sua tripulação e aos seus passageiros, contanto que tal não represente um perigo grave para o seu navio e para as pessoas que se encontram a bordo.
2. Cada um dos comandantes é igualmente obrigado, na medida do possível, a comunicar ao outro os elementos necessários à identificação do navio que comanda e do destino a que se dirige.
TÍTULO VIII
DA SALVAÇÃO
Artigo 269.º
(Direito aplicável ao contrato de salvação)
1. O contrato de salvação é regido pelo direito escolhido pelas partes.
2. Na falta de escolha, o contrato é regulado pelo direito do país ou território com o qual apresente uma conexão mais estreita.
3. Em caso de dúvida, entende-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país ou território onde o salvador tem o seu estabelecimento ou, na falta de estabelecimento, a residência habitual no momento da celebração do contrato.
Artigo 270.º
(Direito subsidiariamente aplicável à obrigação de remunerar)
1. Na falta de contrato de salvação, a obrigação de remunerar é regida pelo direito do lugar em que os navios envolvidos se encontrem matriculados.
2. Quando os navios não se encontrem matriculados no mesmo país ou território, é aplicável o direito vigente no lugar da salvação ou, se a salvação ocorrer no alto mar, o direito do lugar onde se encontra matriculado o navio salvo.
3. Se o salvamento tiver exclusivamente por objecto carga ou outros bens que não constituam um navio é aplicável o direito do lugar da salvação ou, se a salvação ocorrer no alto mar, o direito da residência habitual do proprietário destes bens.
Artigo 271.º
(Direito aplicável à repartição da remuneração entre o armador, o comandante e a tripulação)
1. A repartição da remuneração entre o armador, o comandante e a tripulação de navio salvador é regulada pelo direito do respectivo pavilhão.
2. Se no país ou território do pavilhão vigorar uma pluralidade de sistemas jurídicos de base territorial é aplicável o direito vigente no país ou território em que o navio esteja matriculado.
Artigo 272.º
(Definições)
Para efeitos do presente título:
a) «Operação de salvação» significa todo o acto ou actividade que vise assistir um navio ou quaisquer outros bens que se encontrem em perigo em águas navegáveis, ou em quaisquer outras;
b) «Navio» significa toda a embarcação ou estrutura capaz de navegação;
c) «Bem» significa toda a coisa que não se encontre permanente e intencionalmente ligada a terra, incluindo o frete em risco;
d) «Dano ao ambiente» designa o dano físico substancial à saúde humana, ou à vida marítima, ou aos recursos das águas costeiras ou interiores e áreas adjacentes, causado por poluição, contaminação, fogo, explosão ou outros eventos graves similares;
e) «Pagamento» significa toda a recompensa, remuneração ou compensação efectuada, devida ao abrigo das disposições seguintes.
Artigo 273.º
(Plataformas e unidades de perfuração)
As disposições do presente título não são aplicáveis a plataformas fixas ou flutuantes ou a unidades móveis de perfuração quando essas plataformas ou unidades estejam no local afectas à prospecção, exploração ou produção de recursos minerais do fundo marinho.
Artigo 274.º
(Navios de um país ou território)
Sem prejuízo do artigo 275.º, as disposições do presente título não se aplicam a navios de guerra ou a outros navios não comerciais que sejam propriedade de um país ou território, ou sejam por ele operados, e que, no momento das operações de salvação, beneficiem de imunidade, segundo os princípios reconhecidos de Direito Internacional, a menos que esse país ou território decida de outro modo.
Artigo 275.º
(Operações de salvação controladas por autoridades públicas)
1. O regime contido no presente título não prejudica nenhuma das disposições de direito interno ou convenção internacional relativas a operações de salvação ou remoção realizadas por ou sob o controlo de autoridades públicas.
2. Não obstante, os salvadores que realizem tais operações de salvação beneficiam dos direitos e meios jurídicos estabelecidos no presente título relativamente às operações de salvação.
3. Fica igualmente ressalvada a legislação especial sobre objectos achados no mar e sobre património arqueológico subaquático.
Artigo 276.º
(Contratos de salvação)
1. As disposições contidas nos artigos seguintes são aplicáveis a todas as operações de salvação, salvo quando um contrato estabeleça, expressa ou tacitamente, em sentido diverso.
2. O comandante tem o poder de celebrar contratos para operações de salvação em representação do armador. O comandante ou o armador têm o poder de celebrar esses contratos em representação dos proprietários dos bens a bordo do navio.
3. Este artigo não prejudica a aplicação do artigo 277.º, nem as obrigações de prevenir ou minimizar os danos ao ambiente.
Artigo 277.º
(Anulação ou modificação dos contratos)
Um contrato ou qualquer uma das suas cláusulas pode ser anulado ou modificado se:
a) O contrato tiver sido celebrado sob coacção, exploração de situação de necessidade ou influência de perigo e as suas cláusulas não forem equitativas; ou
b) O pagamento devido ao abrigo do contrato for manifestamente excessivo ou diminuto para os serviços efectivamente prestados.
Artigo 278.º
(Deveres do salvador, do armador e do comandante)
1. O salvador obriga-se perante o armador ou o proprietário de outro bem em perigo:
a) A realizar as operações de salvação com a devida diligência;
b) A exercer, na execução da obrigação especificada na alínea anterior, a devida diligência para prevenir ou minimizar os danos ao ambiente;
c) A procurar obter, sempre que as circunstâncias o justifiquem, a assistência de outros salvadores; e
d) A aceitar a intervenção de outros salvadores quando tal for razoavelmente solicitado pelo armador ou comandante do navio ou de outros bens em perigo; fica salvaguardado o valor da sua remuneração caso se verifique que a solicitação não foi razoável.
2. O armador e o comandante do navio ou o proprietário de outros bens em risco obrigam-se perante o salvador:
a) A cooperar totalmente com o salvador durante as operações de salvação e actuar por forma a evitar ou minimizar danos ao ambiente; e
b) Aceitar, quando razoavelmente solicitado pelo salvador e quando a embarcação ou outros bens tiverem sido levados para um local seguro, a devolução dos bens.
Artigo 279.º
(Obrigação de remunerar)
1. Cada um dos interessados nos bens salvos é obrigado a comparticipar na remuneração nos termos do n.º 2 do artigo 283.º
2. Caso a remuneração seja integralmente paga por um dos interessados, e constitua uma despesa de avaria comum nos termos do n.º 2 do artigo 228.º, a comparticipação de cada um dos interessados é determinada segundo o regime aplicável à avaria comum, mas com base no valor dos bens salvos no momento e lugar em que termina o serviço de salvamento.
Artigo 280.º
(Direito à remuneração)
1. Têm direito a remuneração de salvação todos os que voluntariamente prestem serviços de salvação com resultado útil, incluindo o armador, o comandante, a tripulação e outros auxiliares do armador que participem efectivamente na salvação.
2. O afretador só tem direito a compensação quando assuma a realização de um serviço de salvação, afretando uma embarcação para esse efeito. Na determinação da remuneração que lhe é devida será tomada em conta a responsabilidade que assumiu com o fretamento, o frete e outras despesas em que incorreu.
3. As autoridades públicas, bem como os respectivos agentes, só têm direito a remuneração quando prestarem um serviço de salvação que transcenda os seus normais deveres funcionais.
Artigo 281.º
(Repartição da remuneração entre os salvadores)
1. A repartição da remuneração entre os salvadores é efectuada com base nos critérios contidos no artigo 283.º
2. Se a salvação não tiver sido realizada a partir de um navio, a repartição é determinada pelo direito que rege o contrato entre o salvador e os seus auxiliares.
Artigo 282.º
(Repartição da remuneração entre o armador, o comandante e a tripulação)
1. O armador tem direito a receber o valor dos danos sofridos pelo navio e dos custos adicionais devidos à salvação; do restante, pertence metade ao armador, um quarto ao comandante e um quarto à tripulação.
2. A remuneração é repartida entre os tripulantes em proporção à retribuição base de cada um.
3. A repartição pode ser objecto de convenção das partes, sem prejuízo do direito do comandante e de cada tripulante a uma remuneração equitativa.
4. O resultado a que se chegue pela aplicação das regras contidas nos números anteriores pode ser corrigido pelo tribunal, segundo um critério de equidade, tendo em conta os danos sofridos pelo navio, os custos adicionais suportados pelo armador, os riscos envolvidos e o serviço efectivamente prestado por cada um.
5. O direito de remuneração do comandante e da tripulação não é prejudicado pela circunstância de o navio salvador e de o navio salvo terem o mesmo proprietário ou armador.
6. Não há lugar a repartição com o comandante e a tripulação quando o navio seja armado e equipado com o fim de prestar socorro.
Artigo 283.º
(Critério de fixação da remuneração)
1. A remuneração deve ser fixada com a finalidade de encorajar as operações de salvação, tendo em consideração os seguintes critérios, independentemente da ordem por que estão abaixo indicados:
a) O valor salvo do navio e dos restantes bens;
b) A habilidade e os esforços dos salvadores na prevenção ou minimização dos danos ao ambiente;
c) O grau de sucesso obtido pelo salvador;
d) A natureza e o grau do perigo;
e) A habilidade e os esforços dos salvadores no salvamento do navio, outros bens e vidas humanas;
f) O tempo despendido, as despesas incorridas e os prejuízos sofridos pelos salvadores;
g) O risco de responsabilidade e outros riscos corridos pelo salvador ou pelo seu equipamento;
h) A prontidão dos serviços prestados;
i) A disponibilidade e utilização de navios ou outro equipamento destinado a operações de salvação;
j) O estado de prontidão e eficiência do equipamento do salvador e o respectivo valor.
2. O montante da remuneração, excluídos os juros e os custos reembolsáveis do processo que sejam devidos, não pode exceder o valor salvo do navio e outros bens.
Artigo 284.º
(Compensação especial)
1. O salvador que tendo realizado operações de salvação em relação a um navio que, por ele próprio ou pela natureza da carga transportada, constitua uma ameaça para o ambiente, não adquira o direito a uma remuneração, ao abrigo do artigo anterior, pelo menos equivalente à compensação especial determinável de acordo com o presente artigo, tem direito a compensação especial pelo armador desse navio, equivalente ao montante das despesas indicadas no n.º 3.
2. Se, nas circunstâncias definidas no número anterior, o salvador, pelas suas operações de salvação, evitou ou minimizou danos ao ambiente, a compensação especial devida pelo armador ao salvador, ao abrigo do n.º 1, pode ser acrescida até um máximo de 30% das despesas incorridas pelo salvador. Contudo, o tribunal pode, se o considerar equitativo, e tendo em atenção os critérios relevantes estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior, elevar ainda mais esta compensação especial. Em circunstância alguma pode o acréscimo total ultrapassar os 100% das despesas incorridas pelo salvador.
3. Consideram-se despesas incorridas pelo salvador, para efeito do disposto nos números anteriores, os desembolsos razoavelmente realizados pelo salvador na operação de salvação e uma taxa razoável pelo equipamento e pessoal efectiva e razoavelmente utilizados na operação de salvação, tendo em atenção os critérios estabelecidos nas alíneas h) a j) do n. º 1 do anterior.
4. O total da compensação especial estabelecida no presente artigo deve ser pago apenas se e na medida em que excede a remuneração devida ao salvador ao abrigo do artigo anterior.
5. O salvador que tenha sido negligente e por essa razão tenha falhado na prevenção e minimização dos danos ao ambiente pode ser privado de toda ou parte de qualquer compensação especial devida ao abrigo do presente artigo.
6. O presente artigo não prejudica o direito de regresso por parte do armador.
Artigo 285.º
(Salvação de pessoas)
1. Não é devida remuneração pelas pessoas salvas.
2. O salvador de vida humana, que participe nos serviços prestados por ocasião do acidente que origina a salvação, tem direito a uma quota razoável do montante atribuído ao salvador pelo salvamento do navio ou outros bens ou pela prevenção ou minimização de danos ao ambiente.
Artigo 286.º
(Serviços prestados ao abrigo de contratos existentes)
Não é devida remuneração, nos termos das disposições anteriores, pelos serviços prestados ao abrigo de contrato celebrado antes do surgimento do perigo, a menos que os serviços prestados excedam o que pode ser razoavelmente considerado como execução pontual do contrato.
Artigo 287.º
(Efeito da conduta imprópria do salvador)
Um salvador pode ser privado no todo ou em parte da remuneração prevista no presente título na medida em que as operações de salvação se tornaram necessárias ou mais difíceis por falta ou negligência da sua parte ou se a sua conduta tiver sido fraudulenta ou por outra forma desonesta.
Artigo 288.º
(Proibição de operações de salvação)
Os serviços prestados apesar de expressa e razoável proibição do armador ou do comandante do navio ou do proprietário de algum bem em perigo, que não está e não esteve a bordo do navio, não obrigam a remuneração ao abrigo do presente título.
Artigo 289.º
(Direitos de garantia do salvador)
1. O disposto no presente título não prejudica os direitos de garantia do salvador ao abrigo do capítulo VIII do título I.
2. O salvador não pode executar os seus direitos de garantia quando tiver sido devidamente prestada ou oferecida garantia satisfatória do seu crédito, incluindo juros e custos.
Artigo 290.º
(Dever de prestar garantia)
1. A solicitação do salvador, uma pessoa responsável pelo pagamento devido ao abrigo das disposições anteriores deve prestar garantia satisfatória do crédito, incluindo os juros e os custos do salvador.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o armador do navio salvo deve fazer todos os possíveis para assegurar que os proprietários da carga prestem garantia satisfatória pelos créditos contra eles, incluindo juros e custos, antes da carga ser liberada.
3. O navio e outros bens salvos não podem, sem o consentimento do salvador, ser removidos do porto ou do primeiro lugar onde chegaram depois de completada a operação de salvação, até que seja prestada garantia satisfatória do crédito do salvador contra os interessados no navio ou noutros bens.
Artigo 291.º
(Pagamento provisório)
1. O tribunal competente para apreciar a pretensão do salvador pode, por decisão provisória, ordenar o pagamento por conta ao salvador de um montante que se afigure equitativo, e em condições equitativas de acordo com circunstâncias do caso, incluindo as condições de prestação de uma garantia.
2. No caso de ter sido efectuado um pagamento provisório nos termos do presente artigo, a garantia prestada ao abrigo do artigo anterior deve ser reduzida em conformidade.
Artigo 292.º
(Caducidade)
1. Qualquer acção relativa a pagamentos devidos ao abrigo do presente título caduca se não for instaurado procedimento judicial ou arbitral no prazo de 2 anos. A contagem do prazo inicia-se no dia em que terminam as operações de salvação.
2. A pessoa contra quem o crédito é invocado pode em qualquer momento, durante o decurso do prazo, prorrogá-lo mediante uma declaração ao reclamante. Do mesmo modo o prazo pode ser objecto de mais prorrogações.
Artigo 293.º
(Juros)
O direito do salvador a receber juros sobre as importâncias devidas ao abrigo do presente título é determinado pelas regras gerais aplicáveis.
Artigo 294.º
(Cargas humanitárias)
Nenhuma disposição do presente título pode ser usada como fundamento para apreensão, arresto ou detenção de cargas humanitárias doadas por um país ou território, se este tiver acordado no pagamento de serviços de salvação prestados em relação a essas cargas humanitárias.
Artigo 295.º
(Acção de cumprimento)
1. O armador do navio salvador, que tenha direito a remuneração, pode exigir judicialmente a totalidade da remuneração.
2. A desistência ou transacção, na acção em que o armador exija a totalidade da remuneração, só produz efeitos em relação à quota da remuneração que lhe é devida.
3. Salvo no caso de ter sido instaurada a acção prevista nos números anteriores, o comandante ou os tripulantes podem exigir judicialmente a quota da remuneração que lhes é devida.
Artigo 296.º
(Proibição da ocupação de bens salvos ou achados)
Não podem ser adquiridos por ocupação os bens salvos que entrem na posse do salvador nem os navios ou objectos naufragados que sejam arrojados a terra.
Artigo 297.º
(Dever de entrega dos bens salvos ou achados)
1. O salvador ou achador deve entregar os bens salvos ou arrojados a terra ao seu proprietário contra pagamento da remuneração ou compensação devida ou a prestação de garantia satisfatória.
2. Caso o proprietário seja desconhecido ou não se apresente para receber os bens nas condições estabelecidas pelo número anterior, o salvador ou achador deve, no prazo de 15 dias, entregar os bens à autoridade competente do lugar mais próximo.
3. O prazo referido no número anterior conta-se da chegada do navio ou, tratando-se de salvação feita sem meios náuticos ou de bens arrojados a terra, do dia em que terminou a operação de salvação ou em que os bens foram achados.
4. O incumprimento do dever de entrega desencadeia a perda do direito de remuneração ou compensação.
Artigo 298.º
(Atribuições da autoridade competente com respeito aos bens salvos)
1. Incumbe à autoridade competente receber os bens salvos ou achados que lhe sejam entregues nos termos do artigo anterior, proceder ao respectivo inventário e zelar pela sua conservação.
2. A autoridade competente pode proceder imediatamente à venda extrajudicial dos bens quando não seja possível ou útil a sua conservação.
3. A autoridade competente deve fixar um prazo ao proprietário dos bens para proceder ao seu levantamento, contra o pagamento da remuneração ou compensação devida ao salvador ou achador e das despesas incorridas.
4. Caso seja desconhecido o proprietário dos bens, a autoridade competente deve publicar um aviso, em que anuncia a salvação ou achamento, descreve os bens salvos ou achados e convida os interessados a fazer as suas reclamações.
5. Quando o proprietário não proceda ao levantamento dos bens dentro do prazo fixado ou não reclame os bens no prazo de 3 meses a contar da publicação do aviso, a autoridade procede à venda extrajudicial dos bens.
6. O produto da venda é depositado junto de um instituto de crédito público, depois de deduzidas as despesas incorridas e a remuneração ou compensação devida, que será entregue ao salvador ou achador.
7. Se dentro do prazo de 2 anos a contar do depósito os interessados não tiverem feito valer os seus direitos, ou se os pedidos formulados tiverem sido rejeitados por sentença transitada em julgado, a importância depositada reverte a favor da fazenda pública.
8. No caso de litígio sobre a remuneração ou compensação, será mantida em depósito a importância reclamada pelo salvador ou achador até ao trânsito em julgado da sentença. A não propositura da acção no prazo de 2 anos a contar do dia em que terminou a operação de salvação ou em que os bens foram achados desencadeia a perda do direito a remuneração ou compensação.
TÍTULO IX
DISPOSIÇÃO FINAL
Artigo 299.º
(Revogações)
São revogados:
a) Os artigos 485.º a 562.º e 574.º a 691.º do Livro III do Código Comercial, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, estendido a Macau pelo Decreto de 20 de Fevereiro de 1894, publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 16, de 27 de Abril de 1894;
b) A Lei n.º 1505, de 7 de Dezembro de 1923, publicada no Boletim Oficial n.º 29, de 20 de Julho de 1946;
c) O Decreto-Lei n.º 37748, de 1 de Fevereiro de 1950, publicado no Boletim Oficial n.º 10, de 11 de Março de 1950;
d) O Decreto-Lei n.º 51/89/M, de 21 de Agosto.
Aprovado em 13 de Dezembro de 1999.
Publique-se.
O Governador, Vasco Rocha Vieira