ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Versão Chinesa

Lei n.º 6/98/M

de 17 de Agosto

Protecção às vítimas de crimes violentos

A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º e das alíneas h) do n.º 2 e c) e h) do n.º 3 do artigo 31.º do Estatuto Orgânico de Macau, para valer como lei, o seguinte:

CAPÍTULO I

Direito a subsídio

Artigo 1.º

(Subsídio às vítimas de crimes violentos)

1. As vítimas de lesões corporais graves resultantes directamente de actos intencionais de violência praticados em Macau ou a bordo de navios ou aeronaves matriculados em Macau, bem como, no caso de morte, as pessoas a quem a lei civil conceda direito a alimentos, podem requerer ao Território a concessão de um subsídio, ainda que não se tenham constituído ou não possam constituir-se assistentes no processo penal, verificados os seguintes requisitos:

a) As vítimas encontrarem-se legalmente no Território ou a bordo do navio ou aeronave;

b) Da lesão ter resultado a morte, uma incapacidade permanente ou uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias;

c) Ter o prejuízo provocado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou das pessoas com direito a alimentos; e

d) Não terem obtido efectiva reparação do dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos artigos 60.º a 74.º do Código de Processo Penal ou se for razoavelmente de prever que o delinquente e responsáveis civis não repararão o dano, sem que seja possível obter de outra fonte uma reparação efectiva e suficiente.

2. O direito ao subsídio mantém-se mesmo que não seja conhecida a identidade do autor dos actos intencionais de violência ou por outra razão ele não possa ser acusado ou condenado.

3. Podem igualmente requerer um subsídio as pessoas que voluntariamente tenham auxiliado a vítima ou colaborado com as autoridades na prevenção da infracção ou na perseguição ou detenção do delinquente, verificados os requisitos constantes das alíneas a) a d) do n.º 1.

4. A concessão do subsídio às pessoas referidas no número anterior não depende da concessão de subsídio às vítimas de lesão.

5. O disposto nos números anteriores aplica-se, com as devidas adaptações, aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza e gravidade, mereçam a mesma tutela que os danos mencionados no n.º 1.

6. Não haverá lugar à aplicação do disposto na presente lei quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor, bem como se forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço.

Artigo 2.º

(Montante do subsídio)

1. O subsídio é fixado em termos de equidade, tendo como limite máximo, por cada lesado, o montante correspondente a cinco vezes o valor do índice 1 000 da tabela indiciária da função pública, com ressalva do disposto no número seguinte.

2. As vítimas têm direito às prestações em espécie definidas no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, a suportar pelo Território, com os limites pecuniários máximos ali fixados.

3. Será tomada em consideração toda a importância recebida de outra fonte, nomeadamente do próprio delinquente ou da segurança social, todavia, com respeito a seguros privados de vida ou acidentes pessoais, só na medida em que a equidade o exiga.

4. Poderá igualmente haver lugar a um subsídio por danos de valor elevado em coisas, tendo como limite máximo um quarto do valor previsto no n.º 1.

Artigo 3.º

(Exclusão ou redução do subsídio)

1. O subsídio poderá ser reduzido ou excluído tendo em conta a conduta da vítima ou do requerente antes, durante ou após a prática dos factos, as suas relações com o autor ou o seu meio, ou se se mostrar contrário ao sentimento de justiça ou à ordem pública, nomeadamente em virtude de ligação da vítima ou do requerente ao crime organizado.

2. Não será concedido subsídio quando a vítima for um membro do agregado familiar do autor ou pessoa que com ele coabite em condições análogas, salvo concorrendo circunstâncias excepcionais.

Artigo 4.º

(Concessão de provisões)

1. Em caso de urgência, pode ser requerida ao Governador a concessão de provisões por conta do subsídio a fixar posteriormente, de montante total não superior a um quarto do limite máximo.

2. A decisão é precedida de parecer da comissão referida no n.º 1 do artigo 17.º

CAPÍTULO II

Processo

Artigo 5.º

(Caducidade do pedido)

1. Sob pena de caducidade, o pedido de concessão do subsídio deve ser apresentado no prazo de um ano a contar da data do facto que lhe deu origem.

2. Se tiver sido instaurado processo criminal, o prazo referido no número anterior é prorrogado, expirando um ano após a decisão que lhe puser termo.

3. Em qualquer caso, pode o Governador, precedendo parecer da comissão referida no n.º 1 do artigo 17.º, relevar o requerente do efeito da caducidade, quando circunstâncias excepcionais tiverem obstado à apresentação do pedido em tempo útil.

Artigo 6.º

(Requerimento e documentos anexos)

1. A concessão do subsídio depende de requerimento das pessoas referidas no artigo 1.º ou do Ministério Público.

2. O requerimento, com descrição dos factos que fundamentam o pedido, é dirigido ao Governador e apresentado na secretaria do Ministério Público, devendo ser acompanhado de todos os elementos úteis justificativos, nomeadamente:

a) Indicação do montante do subsídio pretendido;

b) Comprovativos das despesas já efectuadas em consequência dos danos;

c) Cópia da declaração fiscal de rendimentos relativa ao ano anterior à prática dos factos ou, na sua falta e sendo o caso, do último recibo do vencimento;

d) Indicação de qualquer importância já recebida, bem como das pessoas ou entidades públicas ou privadas susceptíveis de, no todo ou em parte, virem a efectuar prestações relacionadas com o dano.

3. Se tiver sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou fora dele, nos casos em que a lei o admite, do requerimento deve constar se foi concedida qualquer indemnização e qual o seu montante.

4. Em caso de falsidade da informação a que se refere o número anterior, o Território tem direito ao reembolso da quantia eventualmente paga aos requerentes.

Artigo 7.º

(Competência para a concessão do subsídio)

A concessão do subsídio é da competência do Governador.

Artigo 8.º

(Competência para a instrução do pedido)

Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 11.º, a instrução do pedido compete ao Ministério Público, não podendo, contudo, nela participar os seus agentes que tenham intervindo em qualquer processo instaurado pelo facto que deu origem ao pedido de subsídio.

Artigo 9.º

(Diligências instrutórias)

1. O Ministério Público procede a todas as diligências úteis para a instrução do pedido e, nomeadamente:

a) Ouve os requerentes e os responsáveis pela indemnização;

b) Requisita cópias de denúncias e participações relativas aos factos criminosos e de quaisquer peças de processo penal instaurado, ainda que pendente de decisão final;

c) Requisita a qualquer pessoa, singular ou colectiva, e a quaisquer serviços públicos informações sobre a situação profissional, financeira ou social dos responsáveis pela reparação do dano.

2. Nos termos legais previstos, o Ministério Público pode ainda solicitar à administração fiscal as informações que repute necessárias, quando o responsável pela indemnização recuse fornecê-las e existam fundadas razões para supor que o mesmo dispõe de bens ou recursos que pretende ocultar.

3. As diligências instrutórias que consistam na tomada de declarações a qualquer pessoa cujos conhecimentos se mostrem úteis à instrução do pedido são reduzidas a escrito.

4. As informações obtidas dos números anteriores não podem ser utilizadas para fins diferentes dos previstos na presente lei, sendo a sua divulgação proibida e punida nos termos do artigo 189.º do Código Penal.

Artigo 10.º

(Prazo da instrução)

A instrução deve ser concluída no prazo de três meses, salvo prorrogação autorizada pelo procurador geral adjunto, por motivos atendíveis.

Artigo 11.º

(Parecer final)

1. Concluída a instrução, a comissão referida no n.º 1 do artigo 17.º emite parecer sobre a concessão do subsídio e respectivo montante, e envia o processo ao Governador, para decisão final.

2. O parecer é emitido no prazo de um mês a contar do recebimento do processo pela comissão, salvo ocorrendo o previsto no n.º 6, caso em que o prazo se conta a partir da conclusão da última diligência efectuada.

3. No parecer a que se refere o número anterior, será ponderada a circunstância de a vítima não ter deduzido pedido cível ou dele ter desistido, quando em razão disso resulte inviabilizada a sub-rogação a que se refere o artigo 14.º

4. A comissão designa relator para efeitos de elaboração de cada parecer.

5. As declarações de voto de vencido são integradas no parecer.

6. Antes da emissão do parecer, o presidente da comissão ou o relator, oficiosamente ou a solicitação de qualquer membro da comissão, ou a requerimento de qualquer interessado, procedem às diligências complementares que se revelem úteis à apreciação do pedido, as quais devem ser concluídas no prazo de um mês a contar do recebimento do processo.

7. Antes da decisão final, pode a comissão sugerir ao Governador a concessão de provisões, com o limite previsto no artigo 4.º.

Artigo 12.º

(Notificações)

No âmbito dos processos relativos à concessão dos subsídios, as notificações são efectuadas nos termos previstos no artigo 69.º do Código do Procedimento Administrativo.

Artigo 13.º

(Isenção de preparos e custas e gratuitidade de documentos)

1. Os processos para concessão dos subsídios previstos na presente lei são isentos de preparos e custas.

2. Os documentos necessários à instrução dos pedidos são gratuitos e deles deve constar expressamente que são emitidos para execução do disposto na presente lei.

CAPÍTULO III

Direitos do Território

Artigo 14.º

(Sub-rogação)

O Território fica sub-rogado nos direitos dos lesados contra o autor dos actos intencionais de violência e contra pessoas com responsabilidade meramente civil, até ao limite do subsídio concedido, acrescido de juros legais.

Artigo 15.º

(Reembolso)

1. Quando a vítima, posteriormente ao pagamento de provisões ou do subsídio, obtiver, a qualquer título, uma reparação ou uma indemnização efectiva do dano sofrido, deve o Governador, ouvida a comissão, exigir o reembolso, total ou parcial, das importâncias recebidas, com ressalva do disposto no n.º 3 do artigo 2.º

2. O disposto no número anterior aplica-se ao caso em que, tendo sido entregues provisões, se averiguar ulteriormente que o subsídio não foi concedido por falta dos requisitos referidos no artigo 1.º

CAPÍTULO IV

Comissão*

Artigo 16.º

(Sede)

A comissão tem sede em instalações facultadas pela Direcção dos Serviços de Justiça.

* Consulte também: Despacho do Chefe do Executivo n.º 278/2001, Despacho do Chefe do Executivo n.º 9/2005

Artigo 17.º

(Constituição e funcionamento da comissão)

1. A comissão é constituída por duas personalidades de reconhecido mérito designadas pelo Governador, por um advogado designado pela Associação dos Advogados, pelo director dos Serviços de Justiça e pelo presidente do Instituto de Acção Social de Macau.

2. A comissão é nomeada por despacho do Governador, publicado no Boletim Oficial, obtida a designação referida no número anterior, e exerce as suas funções com independência.

3. Os membros da comissão elegem entre si os respectivos presidente e vice-presidente, por um período de três anos.

4. Quando não haja presidente nem vice-presidente ou quando ambos se encontrem impedidos, a reunião da comissão é convocada e presidida pelo director dos Serviços de Justiça, procedendo-se, no primeiro caso, à eleição dos mesmos.

5. Os membros da comissão não podem participar na apreciação de assuntos em relação aos quais se encontrem impedidos, nomeadamente por terem intervindo em qualquer processo instaurado pelo facto que deu origem ao pedido de subsídio.

6. A comissão reúne estando presentes a maioria dos seus membros e delibera por maioria.

Artigo 18.º

(Exercício das funções)

1. Os membros designados da comissão exercem as respectivas funções por um período de três anos, renovável nos termos do n.º 2 do artigo 17.º, e mantêm-se em funções até serem substituídos.

2. Os membros da comissão que forem funcionários ou agentes exercem as respectivas funções sem prejuízo das correspondentes ao lugar de origem, mas o serviço da comissão é prioritário relativamente a este.

Artigo 19.º

(Nomeação de membros suplentes)

1. No despacho de nomeação dos membros efectivos da comissão são também designados os respectivos membros suplentes.

2. Os membros suplentes participam nos trabalhos da comissão em lugar dos membros efectivos que lhes caiba substituir:

a) Nas situações previstas no n.º 5 do artigo 17.º;

b) Nos casos de impedimento definitivo ou prolongado;

c) Quando seja previamente conhecida a indisponibilidade do membro efectivo.

3. Verificada também no respectivo membro suplente alguma das circunstâncias previstas no número anterior e não havendo quórum, é designado um novo membro ad hoc, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º

4. Os substitutos do presidente e do vice-presidente não assumem os respectivos cargos na comissão.

Artigo 20.º

(Remunerações)

1. Os membros da comissão têm direito a uma senha de presença por cada sessão em que participem, de montante a fixar por despacho do Governador, que também determinará a forma de remuneração dos relatores dos processos, podendo ser estabelecido um limite máximo por processo.

2. Os membros da comissão que forem funcionários ou agentes mantêm os vencimentos, benefícios e regalias correspondentes ao lugar de origem.

Artigo 21.º

(Apoio à comissão)

1. A Direcção dos Serviços de Justiça designa um funcionário para secretariar a comissão, ao qual é devida uma compensação pecuniária correspondente a 50% do valor do índice 100 da tabela indiciária da função pública.

2. A Direcção dos Serviços de Justiça presta à comissão todo o apoio necessário ao seu funcionamento.

3. O apoio à comissão é prioritário relativamente ao restante expediente.

CAPÍTULO V

Disposições finais e transitórias

Artigo 22.º

(Legislação aplicável)

Em tudo o que não contrarie o disposto na presente lei, a actividade processual do Ministério Público e da comissão regular-se-á, com as necessárias adaptações, pelas disposições e princípios gerais relativos aos processos civis de jurisdição voluntária.

Artigo 23.º

(Informações falsas)

Quem obtiver ou tentar obter um subsídio nos termos da presente lei com base em informações que sabe serem falsas ou inexactas é punido com prisão até três anos ou multa, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 6.º

Artigo 24.º

(Encargos)

1. Os encargos resultantes da execução da presente lei serão considerados gastos de justiça e suportados por verba especial inscrita no orçamento do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado.

2. Em todas as sentenças de condenação em processo criminal, o tribunal condenará o arguido a pagar uma quantia de 500 a 1 000 patacas, a qual será considerada receita própria do Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado.

Artigo 25.º

(Recurso)

Das decisões do Governador previstas na presente lei cabe recurso contencioso, nos termos gerais.

Artigo 26.º

(Situações de pretérito)

1. O disposto na presente lei aplica-se aos casos ocorridos nos cinco anos anteriores à data da sua entrada em vigor, desde que dos actos intencionais de violência tenha resultado a morte ou uma incapacidade permanente não inferior a 50%.

2. Sob pena de caducidade, o requerimento deve ser apresentado até seis meses após a entrada em vigor da presente lei, salvo se continuar em curso processo criminal por esses mesmos factos, caso em que é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 5.º

Aprovada em 23 de Julho de 1998.

A Presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Sales Ritchie.

Promulgada em 5 de Agosto de 1998.

O Governador, Vasco Rocha Vieira.