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Diploma:

Acórdão

BO N.º:

39/1996

Publicado em:

1996.9.23

  • Recurso obrigatório do MP. Agravação da pena. Imposto de justiça.
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    Acórdão

    TRIBUNAL SUPERIOR DE JUSTIÇA

    Recurso obrigatório do MP — Agravação da pena — Imposto de justiça

    ASSENTO

    Agravada a pena, em recurso obrigatório em que o M.P. não tenha manifestado discordância com a decisão recorrida, o réu pagará imposto de justiça.

    1.ª Secção

    N.º do processo 328

    Data da sessão de 31 de Outubro de 1995

    Simões Redinha (relator) — Sebastião PóvoasA. Farinha Ribeiras Rodrigues da Silva (vencido) — Amâncio Ferreira (vencido).

    Recurso n.º 328

    Acordam, em conferência, no Tribunal Superior de Justiça de Macau:

    O Ministério Público interpôs o presente recurso para o Plenário deste Tribunal Superior de Justiça, com a alegação de ter ocorrido oposição entre o acórdão de 22 de Março de 1995, lavrado no recurso 282 e o acórdão de 30 de Junho de 1993, lavrado no recurso 19, ambos da 1.ª Secção do Tribunal, consistindo a oposição em num dos acórdãos se ter condenado o réu em imposto de justiça e noutro não, sendo certo que, em ambos os casos, em recurso obrigatório interposto pelo Ministério Público, que se conformou com a decisão, este Tribunal Superior agravou a pena imposta ao réu.

    Pelo acórdão de fls. 18 a 20 dos autos, foi julgada verificada a alegada oposição de acórdãos que serve de fundamento ao recurso.

    O Ex.mo Magistrado do Ministério Público veio então apresentar as suas alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:

    1.ª No acórdão fundamento, este Venerando Tribunal entendeu que no recurso obrigatório do M.P. este age em defesa dos interesses do réu e, portanto, verificando-se a excepção do artigo 647.º, n.º 1, segunda parte, do C.P.P., ele não deve ser condenado em imposto de justiça ainda que se tenha agravado oficiosamente a pena, por constituir uma das excepções do artigo 144.º do C.C.J.U.;

    2.ª Por sua vez, no acórdão recorrido, nas mesmas circunstâncias, este Venerando Tribunal entendeu que o réu deve ser condenado em imposto de justiça nos termos da citada disposição legal do C.C.J.U., verificando-se, assim, oposição de acórdãos;

    3.ª Ora, no recurso obrigatório em que o Ministério Público nada pede, como nos acórdãos em oposição, essa entidade age apenas no interesse da legalidade, ou seja, que a lei seja aplicada o mais correctamente possível, devolvendo, assim, ao Tribunal Superior a apreciação ampla da decisão impugnada;

    4.ª Por outro lado, a norma a interpretar, quanto à parte que interessa neste recurso, apenas excepciona o não pagamento do imposto de justiça nos casos em que o M.P. interpõe recurso no exclusivo interesse da defesa, o que se traduz num pedido expresso de redução da pena da decisão impugnada ou da absolvição do réu;

    5.ª Num recurso obrigatório do M.P., havendo confirmação da sentença recorrida, o réu não é condenado em imposto de justiça apenas porque não decaiu, já não por (eventual) recurso em defesa dos interesses do réu;

    6.ª Assim, num recurso obrigatório do M.P., em que este nada pede, agindo, pois, no interesse apenas da legalidade, havendo o agravamento oficioso da pena, o réu é condenado em imposto de justiça por ter decaído.

    Nestes termos o recurso o merece provimento mantendo-se o acórdão recorrido na parte controvertida, ou seja, mantendo-se a condenação em imposto de justiça estabelecendo-se, porém, por via de «Assento» o seguinte:

    «Nos recursos obrigatórios do Ministério Público, ainda que não peça o agravamento da pena, sendo este decretado oficiosamente pelo TSJ, o réu, por ter decaído, é condenado em imposto de justiça, nos termos do corpo do artigo 144.º do Código das Custas Judiciais do Ultramar».

    Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes Adjuntos cumpre decidir.

    *

    Há que começar pelo reexame da questão preliminar, ou seja, pela questão de saber se, na realidade, a oposição de julgados se verifica.

    Para que ocorra oposição de julgados relevante para a produção de assento, (acórdão) com força obrigatória geral, exige o artigo 766.º, n.º 3, do C.P.C. requisitos formais e substanciais.

    Quanto aos requisitos de forma, no caso, não há dúvida de que eles se verificam, uma vez que os dois arestos, tidos em oposição, foram tirados pelo Tribunal Superior de Justiça de Macau, em diferentes processos, tendo o acórdão fundamento transitado em julgado como, aliás, se presume.

    Quanto aos requisitos substanciais também dúvidas não há de que ambos os arestos foram tirados no domínio da mesma legislação, pois o artigo 144.º do Código das Custas Judiciais do Ultramar não sofreu qualquer alteração, na sua redacção, entre a prolacção dos dois acórdãos.

    E a oposição de soluções é evidente uma vez que «entre os dois acórdãos se verificam tomadas de posição opostas quanto à interpretação do disposto no artigo 144.º do Código das Custas Judiciais, com base no qual, num, se condenou o réu em imposto de justiça e noutro não, sendo certo que ambos os recursos foram interpostos obrigatoriamente pelo Ministério Público», nos quais se limitou a concordar com as decisões.

    Estamos, pois, perante duas decisões expressas, em manifesta oposição às quais subjazem situações de facto idênticas.

    Há que passar ao conhecimento da questão de fundo.

    Dispõe-se no artigo 144.º do C.C.J.U. que o réu, no caso de condenação em 1.ª instância e no caso de decair em qualquer recurso, ainda que o não tenha acompanhado, pagará ao Estado imposto de justiça, excepto nos casos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 647.º e do parágrafo 1.º do artigo 663.º do Código de Processo Penal.

    Assim, para se saber se o réu pode, ou não, ser condenado em imposto de justiça impõe-se precisar as duas excepções acima referidas: a da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 647.º e a do parágrafo 1.º do artigo 663.º, ambos do Código de Processo Penal.

    Nas suas alegações de recurso, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Superior afasta in limine a análise da norma do artigo 663.º, parágrafo 1.º, do Código de Processo Penal, invocando para tal que «para além de não ser a situação em apreço, ela não levanta, em princípio, quaisquer dúvidas».

    O artigo 663.º do Código de Processo Penal, expressão do princípio da unidade ou incindilidade das decisões penais, estipula que, sempre que haja vários réus e conexão entre os crimes cometidos, devem os tribunais superiores conhecer da causa em relação a todos, ainda que o recurso tenha sido interposto somente por algum deles.

    Mas, quanto à condenação em imposto de justiça, determina expressa e enfaticamente o parágrafo 1.º do preceito legal que «os não recorrentes não serão, em caso algum, condenados em imposto de justiça», o que também é respeitado pelo C.C. Judiciais como se viu.

    Neste comando legal configura-se a situação de apenas um ou alguns dos co-réus desencadear a impugnação da decisão penal.

    Ora,

    Se um ou alguns dos réus recorrer o M.P. e ou o assistente são partes recorridas no processo e os co-réus, não recorrentes, embora mantendo-se inertes podem ver a sua situação reconsiderada.

    Então de duas uma:

    Ou o(s) recorrente(s) obtém ganho de causa e não paga(m) custas por força do princípio geral de que só o vencido as pagará quando não isento;

    Ou decai(em) no recurso, e, como vencido(s), nele, paga(m) custas, mas então, diz o artigo 663.º, parágrafo 1.º, e o artigo 144.º do C.C.J. que só pagam custas os que desencadearam o recurso.

    Os demais réus que nem como recorridos se podem considerar, por não terem interesses antagónicos com o(s) seus(s) co-réu(s) recorrente(s) não serão onerados com custas, mesmo que a decisão do recurso lhes seja desfavorável.

    É este o sentido da isenção de imposto de justiça que se prescreve nos artigos citados e nada mais.

    Na previsão do artigo 663.º, parágrafo 1.º, do C.P. Penal, não cabe a hipótese de ter sido desencadeado um recurso por um co-réu e em simultâneo pelo M.P. ou pelo assistente, pois neste caso os réus já não são «recorrentes», como se expressa citado comando legal, mas sim «recorridos» relativamente ao recurso do M.P. ou do assistente. É o que resulta da estrutura e dinâmica da relação jurídica processual penal.

    O artigo 663.º, parágrafo 1.º, do C.P. Penal apenas prevê a hipótese do recurso de um ou alguns dos réus e não o recurso da parte contrária (M.P. e ou assistente).

    Quando o M.P. recorre no exclusivo interesse da defesa também a lei isenta de imposto de justiça os réus, agora todos os réus, mesmo que esse recurso seja insucedido.

    E a razão de ser está perfeitamente ao nosso alcance.

    É que também aqui os réus se mantêm inertes, todos os réus, vindo o M.P., não em sua representação, mas actuando por sua legitimidade própria em nome da legalidade.

    Então só este magistrado actua, só ele desencadeia o trabalho de máquina judiciária procurando aliviar a situação do réu mas sem o conseguir. Se os réus tivessem, por isso de pagar imposto de justiça, pelo menos nessa parte, sairiam agravados sendo certo que a sua vontade sempre fora a de se conformarem com a decisão e não darem azo a qualquer esforço do aparelho judiciário.

    E aqui chegados só resta diluir a última e decisiva questão, a verdadeira questão, qual é a de saber se o recurso do M.P. quando obrigatório se pode ou não ter como desencadeado no interesse exclusivo da defesa, para assim o incluir ou excluir da norma isentadora da parte final do n.º 1 do artigo 144.º do C.C. Judiciais.

    Como é sabido, o recurso obrigatório do M.P. pode ser imposto directamente da lei ou resultar de ordem hierárquica genérica.

    Quando imposto por lei bastará apenas a apresentação do respectivo requerimento desacompanhado de qualquer alegação para que o Tribunal Superior dele tenha de conhecer, como resulta do artigo 690.º, n.º 5, do C.P. Civil.

    E depois do assento do STJ de 8 de Maio de 1974 (BMJ. 237/95), também passou a ser admissível ao tribunal de recurso conhecer do recurso interposto pelo M.P., apenas em obediência a ordem genérica do seu superior hierárquico, bastando, nesta hipótese, alegar ou invocar a referida ordem.

    Temos assim detectadas as situações em que se desencadeia o recurso apenas para verificação da legalidade da decisão e não por qualquer afirmação de discordância com o seu conteúdo, já que essa só poderia constar das alegações com essa substanciação.

    É este o verdadeiro campo do recurso obrigatório a que se reportam os dois acórdãos em conflito.

    Isto porque, perante uma situação objectiva em que a lei imponha o recurso ao M.P., se este magistrado o alega de modo a demonstrar a sua discordância com o conteúdo da decisão, já assistimos à intercepção dos campos do recurso obrigatório (não motivado) com o do recurso facultativo (por motivado), onde a fisioma deste se apresenta como prevalecente.

    E aqui, então, é que o recurso se pode dividir em duas espécies distintas como se depreende da lei pelos efeitos que lhes liga.

    Ou o M.P. recorre em defesa da legalidade que vê atingida pela decisão e ainda em desfavor do réu, ou actua na mesma perspectiva de defesa da legalidade mas apenas em defesa da situação do réu que vê agravada pela decisão a impugnar.

    Só nesta segunda hipótese nos encontramos perante um recurso do M.P. no «exclusivo interesse da defesa».

    É também este o entendimento que ficou expresso pela Câmara Corporativa no Parecer (n.º 13/IX) que produziu sobre o Projecto de Lei 4/IX, preparatório de aprovação da Lei n.º 2 139, de 14 de Março de 1969 (Proibição de reformatio in pejus) e de que foi relator o Conselheiro Manso Preto (BMJ. n.º 180/150).

    Assim e porque, em lado algum, a lei nos fornece o conteúdo do conceito de recurso do M.P. no exclusivo interesse da defesa, temos por certo que só se estará perante esta espécie de recurso quando das peças processuais do M.P. se afirma a vontade de recorrer por discordância com a decisão tomada na perspectiva de que com o recurso se pretenda obter benefício para o réu.

    Temos assim três distintas situações de recurso do M.P.:

    a) Em defesa da legalidade mas de sentido desfavorável ao réu;

    b) Em defesa da legalidade mas no exclusivo interesse da defesa do réu;

    c) Recurso obrigatório, não motivado, para mera reapreciação da legalidade pelo Tribunal Superior.

    Mas se é certo que quanto à primeira espécie de recursos nem necessitava o Código de Processo Penal de referir expressamente a legitimidade do M.P., para esse feito, por já lhe ter conferido a qualidade de parte, a verdade é que, no artigo 647.º o legislador quis deixar bem claro que o M.P. tem legitimidade para recorrer de toda e qualquer decisão penal explicitando . . ., ainda que o faça no exclusivo interesse da defesa.

    Ficou assim claro que o M.P. como magistratura, obrigado a pautar a sua conduta processual com objectividade e na defesa da legalidade, também pode fazer erguer a sua vontade impugnatória contra decisões judiciais que ofendam a lei ao agravarem o réu.

    Quando o M.P. afirma a sua vontade de impugnar as decisões por as considerar ilegais em qualquer dos sentidos está a desencadear em recurso dito normal, ou típico, portanto um meio de impugnação onde também demonstra ou revela as suas razões de discordância.

    Mas já se viu que também pode haver lugar a um recurso obrigatório para o M.P. mas que nem carece de motivação para que dele se conheça no tribunal ad quem.

    É um recurso atípico explicável, aliás, por razões históricas como nos informa Luís Osório, (Comentário ao Código de Processo Penal, p. 321, do vol. 5) começando por lembrar que «Antes da existência do M.P. era o próprio juiz obrigado a recorrer das suas sentenças em geral».

    Mas esse recurso oficioso só era previsto para as sentenças condenatórias onde fossem aplicadas algumas penas fixas.

    Na legislação do processo penal anterior ao actual código vigente, em Macau, afirmava-se que certas condenações em pena maior fixa não podiam ser executadas sem serem confirmadas pelo Tribunal Superior (NRJ, artigo 1 185.º, parágrafo único).

    Na redacção do actual código deparamos apenas com a afirmação da obrigatoriedade do recurso do M.P. no caso de certas condenações em pena maior fixa e com a fixação do efeito suspensivo ao respectivo recurso (artigo 473.º).

    Não obstante esta mudança da letra e também do real sentido da lei, nos primeiros tempos da vigência do código actual houve decisões, mesmo do STJ (Ac. de 29 de Abril de 1932) que continuavam a afirmar a impossibilidade de executar condenações em pena maior fixa sem prévia confirmação delas pelo Tribunal Superior.

    Em consequência desta divergência surgiu o assento do STJ, de 20 de Dezembro de 1935, onde se reafirmou a tese de que, para evitar o trânsito em julgado duma sentença condenatória em pena maior fixa das referidas no parágrafo único do artigo 473.º do C.P. Penal e a sua consequente exequibilidade carecia o M.P. de interpor o correspondente recurso dentro do prazo legal.

    Mesmo estando-se já em 1935, ainda um dos juízes conselheiros votou vencido com a seguinte declaração «vencido porque desde que o recurso é obrigatório a decisão só é exequível quando confirmada pelo Tribunal Superior» (DG. de 4 de Janeiro de 1936).

    Vê-se, por aqui, que a história do preceito do artigo 473.º do C.P. Penal depõe no sentido de que o recurso obrigatório, agora a cargo do M.P., visa a mera legalidade da imposição de penas graves que corresponderão, naturalmente, a graves violações de estimados valores jurídicos.

    Aliás, a figura do recurso oficioso, ou seja, de mero controlo da legalidade, foi também adoptada no direito fiscal, como se pode ver do Código de Processo das Contribuições e Impostos que vigorou até há pouco tempo em Portugal (artigo 256.º).

    Distinguindo-se assim estas três modalidades de recurso, por corresponderem a outras situações de legitimidade do M.P., para o efeito, parece claro que o recurso obrigatório, ou seja aquele onde apenas é afirmada a vontade de recorrer, não se pode reconduzir ao conceito de recurso facultativo no exclusivo interesse da defesa, pois mesmo que o réu dele venha a sair beneficiado, em concreto, não é por um juízo feito a posteriori, em razão do resultado, que o recurso é de qualificar em qualquer das categorias acima referidas.

    Portanto, com o parecer da Câmara Corporativa, já citado, se dirá que nos encontramos perante um recurso do M.P. no exclusivo interesse da defesa quando o recurso tenha sido desencadeado para que a legalidade seja restabelecida por o M.P. «entender que a decisão é prejudicial ao réu, em casos, por consequente em que entenda ter havido errada aplicação da lei por forma a afectar a liberdade daquele, que também lhe cumpre defender» (BMJ. 180/150).

    Na lógica desta doutrina, só pelo conteúdo da alegação produzida nos podemos aperceber do sentido do recurso, para este efeito.

    Aceitando esta distinção, é bem claro que na letra do artigo 144.º, n.º 1, parte final, só podem caber as situações do recurso do M.P. no exclusivo interesse da defesa como o deixamos delimitado e cuja identificação, como também se disse, só é possível fazer pelo conteúdo das alegações produzidas.

    Ora, encontramo-nos no campo da tributação onde, como é de regra geral, será onerado com o pagamento do imposto de justiça o vencido no recurso, como resulta da 1.ª parte do artigo 144.º do C.C.J. Ultramar, só serão de observar as excepções que a lei prescreva.

    E o Código das Custas fez realmente a excepção que consta do citado artigo 144.º, mas em termos que não nos permitem incluir senão os casos de recurso do M.P. no exclusivo interesse da defesa, como o delimitámos.

    É que a remessa do C.C. Judiciais nem sequer é para o conceito acima referenciado, mas é muito mais precisa ao remeter para uma das situações de recurso do M.P., das três que se prevêem no artigo 647.º do C.P. Penal.

    Quer dizer:

    O legislador do Código das Custas, tendo à sua frente o artigo 647.º do C.P. Penal, só se dirigiu a uma das situações de recurso do M.P. para prescrever a isenção de custas, indo, direitinho, ao caso da parte final do n.º 1 do artigo 647.º, deixando de fora as duas restantes situações de recurso do M.P. (1.ª parte do n.º 1 e parágrafo 1.º).

    Sendo assim, temos de concluir que a isenção apenas pode abranger o recurso (facultativo) do M.P. no exclusivo interesse da defesa, ficando de fora, dessa isenção, o recurso obrigatório também expressamente previsto no citado artigo 647.º mas não contemplado na norma excepcional de isenção que é o artigo 144.º do C.C. Judiciais.

    E qualificando-se o segmento final do artigo 144.º, n.º 1, do C.C. Judiciais, como norma excepcional e, mesmo, perfilhando diferente orientação do STA, quanto à possibilidade de aplicar extensivamente as normas excepcionais de isenção, por mais chegados à orientação da doutrina fiscalista que, maioritariamente, prescreve a aplicação, ao direito fiscal, dos cânones interpretativos gerais e, também por isso, do artigo 11.º do C. Civil, no nosso caso chegaríamos à mesma conclusão, precisamente porque também, aqui, se não verificam os pressupostos em que se pode fazer assentar a interpretação extensiva.

    Em primeiro lugar porque a interpretação declarativa que levámos a efeito nos forneceu o preciso sentido e alcance do sentido da norma de excepção que considerámos, pelo que logo se deve ter por excluída a interpretação extensiva que só é legítima quando se obtenha a certeza de que o legislador deixou no texto da lei menos do que pretendia (minus dixit quam voluit (P.G.R. in B.M.J. 263/103).

    Ora,

    Nós concluímos que o referido artigo 144.º, n.º 1, parte final do C.C. Judiciais, apenas quis fazer excepção da incidência do imposto de justiça para os casos do recurso do M.P. em exclusivo interesse da defesa.

    Mas em contraprova, ou seja demonstrando que nem o mesmo tratamento mereceriam a situação do recurso obrigatório, sempre se dirá o seguinte:

    O intérprete só se poderia sentir inclinado a fazer abrigar o recurso obrigatório na previsão da excepção tributária se fosse possível afirmar que o recurso obrigatório do M.P., não motivado, redundaria sempre em benefício do réu.

    Mas isso não é verdade, como se sabe.

    Quando o M.P. recorre, por imposição da lei, o tribunal de recurso não está limitado quanto aos seus poderes de cognição.

    É o que logo resulta, e decisivamente, do disposto no artigo 667.º do C.P. Penal, onde se prescreve a proibição da reformatio in pejus, mas apenas às situações de recurso no interesse exclusivo da defesa, seja ele desencadeado pelo réu, ou réus, ou o seja pelo M.P. no propósito de obter uma reforma da decisão mais aliviante da situação do condenado.

    Por isso, perante um recurso obrigatório, não motivado, o tribunal de recurso pode usar de amplos poderes de revisão da decisão tomada, acabando por agravar a situação do réu, como aliás se verificou nos dois acórdãos em conflito, que não quanto ao fundo da causa.

    Daí a conclusão de que, nesta categoria de recursos, não é lícito perspectivá-los, na sua essência, como favoráveis ao réu.

    E daí que, nem legítima seja a preocupação de os fazer equiparar aos recursos interpostos no exclusivo interesse da defesa, para se equacionar a possibilidade de aplicar extensivamente a referida norma de isenção de imposto de justiça.

    Assim sendo, conclui-se que a boa doutrina é a aceite pelo acórdão recorrido.

    Nestes termos se decide:

    a) Confirmar a decisão recorrida;

    b) Formular assento do seguinte teor:

    Agravada a pena, em recurso obrigatório em que o M.P. não tenha manifestado discordância com a decisão recorrida, o réu pagará imposto de justiça;

    c) Condenar o réu em imposto de justiça que se fixa no mínimo.

    Macau, aos 31 de Outubro de 1995. — Pedro Simões Redinha Sebastião Póvoas A. Farinha Ribeiras José Maria Rodrigues da Silva — (vencido nos termos da declaração de voto, que junto). — Amâncio Ferreira (vencido pelos mesmos fundamentos).

    Declaração de voto

    Dispõe-se no artigo 144.º do C.C.J.U. que o réu, no caso de condenação em 1.ª instância e no caso de decair em qualquer recurso, ainda que o não tenha acompanhado, pagará ao Estado imposto de justiça, excepto nos casos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 647.º e do parágrafo 1.º do artigo 663.º do Código de Processo Penal.

    Assim, para se saber se o réu pode, ou não, ser condenado em imposto de justiça impõe-se precisar as duas excepções acima referidas: a da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 647.º e a do parágrafo 1.º do artigo 663.º, ambos do Código de Processo Penal.

    Nas suas alegações de recurso, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal Superior, afasta in limine a análise da norma do artigo 663.º, parágrafo 1.º do Código de Processo Penal, invocando para tal que «para além de não ser a situação em apreço, ela não levanta, em princípio, quaisquer dúvidas». Mas sem razão.

    O artigo 663.º do Código de Processo Penal, expressão do princípio da unidade ou incindibilidade das decisões penais, estipula que, sempre que haja vários réus e conexão entre os crimes cometidos, devem os tribunais superiores conhecer da causa em relação a todos, ainda que o recurso tenha sido interposto somente por algum deles.

    Mas, quanto à condenação em imposto de justiça, determina expressa e enfaticamente o parágrafo 1.º do preceito legal que «os não recorrentes não serão, em caso algum, condenados em imposto de justiça».

    A disposição vale — como é óbvio — para o caso de um recurso obrigatório do Ministério Público acrescer ao recurso de um dos réus. Quer isto dizer que, ainda que o Ministério Público recorra por dever de ofício, os réus não recorrentes não serão, em caso algum, condenados em imposto de justiça.

    Diz o ilustre Magistrado do Ministério Público — e com razão — que o artigo 663.º, parágrafo 1.º, do C.P.P. não constitui a situação em apreço. Mas esquece-se de que, embora se não trate da situação em apreço, trata-se de uma situação que não pode conflituar com ela no que se refere à razão que levou o legislador a excluí-las a ambas da regra geral constante do artigo 144.º do C.C.J.U.

    No caso de recurso obrigatório do Ministério Público «em sentido próprio» (a expressão é nossa) o réu também não recorre da decisão e, assim sendo, não deveria ser condenado em imposto de justiça pela mesma razão, porque os não recorrentes o não podem ser no caso a que alude o parágrafo 1.º do artigo 663.º do Código de Processo Penal.

    Previsando o que entendemos por recurso obrigatório em sentido próprio, há que realçar que este só ocorre quando o M.P. concorda com a decisão, cuja confirmação pede e só recorre por dever de ofício. Não se verifica, portanto, quando o Ministério Público recorre por discordar da decisão, no exercício do dever geral que lhe incumbe de recorrer das decisões penais que considera ilegais, ainda que por hipótese tal ocorra em caso em que estaria obrigado a interpor recurso obrigatório (v.g., condenação em pena nunca superior a oito anos).

    Conclui-se, assim, que só se verifica recurso obrigatório em sentido próprio quando o Ministério Público concorda com a decisão cuja confirmação pede e só recorre por dever de ofício.

    Alega o Ex.mo Magistrado do Ministério Público que «quando o Ministério Público nada pede, a resposta é a solução do recurso. Mas incorre em erro ao formular esta alegação pois, no caso dos autos, tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento, o Ministério Público pede a confirmação da decisão, com a qual concorda.

    O ilustre Magistrado desenvolve assim, o seu raciocínio partindo de um postulado fictício, que não ocorre no caso dos autos. E confunde matéria de facto com matéria de direito quando escreve: «dir-se-ia que o M.P., quando se limita a interpor recurso obrigatório, sem nada pedir, estaria a agir em defesa do réu, já que presuntivamente, pretenderia a confirmação da sentença recorrida».

    Na verdade está facticamente assente, e não presuntivamente, que o M.P. pede a confirmação da sentença recorrida. E o que acontece no caso dos autos — que é o que importa — ocorre nos demais no género (não se conhece requerimento de interposição de recurso por dever de ofício, em que o M.P., concordando com a sentença recorrida, não peça a sua confirmação).

    Se a qualificação do recurso, como sendo no exclusivo interesse da defesa, estivesse apenas dependente de o Ministério Público ter, ou não, pedido a confirmação da decisão, teríamos forçosamente que concluir que tal ocorreria no caso dos autos, uma vez que em ambos os acórdãos o M.P. pediu de facto, a confirmação da decisão.

    Alega o Ex.mo Magistrado do Ministério Público que o objectivo real do recurso subordinado é o de permitir ao Tribunal ad quem reapreciar a situação, o que é exacto. Mas essa reapreciação tem obrigatoriamente de mover-se dentro dos limites da proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 667.º do C. Processo Penal.

    Ora, sendo assim — como é — e estando o «favor rei» na origem da proibição, é forçoso que se conclua que a função do recurso obrigatório é a de permitir a reapreciação do julgado mas no interesse da defesa. — Na verdade, o Tribunal ad quem, nos termos do artigo 667.º do C.P.P., pode sempre diminuir a pena, mas só pode agravá-la quando o Tribunal Superior qualifique diversamente os factos, quer a qualificação respeite à incriminação quer a circunstâncias modificativas da pena ou quando o Magistrado do Ministério Público junto desse Tribunal se pronuncie no visto inicial, pela agravação da pena, deduzindo logo os fundamentos do seu parecer, caso em que serão notificados os réus, a quem será entregue cópia do parecer, para resposta no prazo de oito dias (n.º 2 do parágrafo 1.º do artigo 667.º).

    Que nos recordemos, neste Tribunal Superior, nunca se teve dúvidas de que o artigo 667.º é aplicável em caso de recurso obrigatório do Ministério Público, apesar de se saber que este não será aplicável se o recurso não fosse considerado no exclusivo interesse da defesa. Ora, não se vê razão para modificar o critério só porque se trata de agravar o réu em custas e não em pena de prisão.

    José Maria Rodrigues da Silva.


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