Versão Chinesa

Decreto-Lei n.º 58/95/M

de 14 de Novembro

A necessidade da aprovação de um novo Código Penal tem vindo a fazer-se sentir em Macau com particular evidência, resultando não apenas das exigências do período de transição, como também do facto de o Código actualmente vigente ter sido aprovado há mais de cem anos.

Não é por acaso que o processo de localização dos grandes Códigos se inicia com o Código Penal. Este corpo normativo representa a primeira das garantias fundamentais dos cidadãos e o quadro de referência dos valores que enformam qualquer sociedade.

O novo Código Penal, profundamente marcado por uma visão humanista e inovadora, não se afasta, na sua filosofia e no conteúdo das suas soluções, da tradição jurídico-penal do Território, a qual satisfaz, no essencial, as necessidades de prevenção e repressão da criminalidade. O seu articulado espelha o respeito pelos direitos fundamentais e pelos valores de humanismo e tolerância que desde há longos anos constituem uma das componentes essenciais das garantias individuais das comunidades que residem em Macau.

Assentando as suas prescrições na liberdade individual e na correspondente responsabilização de cada um de acordo com o princípio da culpa, o presente Código Penal procura assegurar, através da previsão de novos tipos de delitos e do agravamento de outros com maior incidência na realidade do Território, a segurança das pessoas e a prevenção e repressão da criminalidade.

Outra tendência que se procura consolidar é a do sentido pedagógico e ressocializador do sistema penal, respeitando os direitos e a personalidade dos condenados e fazendo apelo ao seu empenhamento para encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidência. É, com efeito, na execução da pena que, em última análise, se revela a capacidade ressocializadora do sistema, visando prevenir a prática de novos crimes.

De salientar também a consagração da proibição expressa da pena capital, bem como de penas ou medidas de segurança com carácter perpétuo. Trata-se indiscutivelmente de um importante factor de defesa dos direitos fundamentais e de confiança nos valores que enformam o sistema jurídico-penal do Território, hoje e no futuro.

O novo Código, tanto pela sistematização seguida como pelo conteúdo da ilicitude concretamente tipicizada, é modelo de um ordenamento jurídico-penal aberto e pluralista. Ao abrir a sua «Parte Especial» com os «Crimes contra a Pessoa», opera um corte radical e salutar com o sistema tradicional, afirmando a dignidade humana como valor fundamental do sistema penal.

Ao nível das penas concretamente estabelecidas, o novo Código afasta a distinção entre as chamadas «penas maiores» e «penas correccionais», ao mesmo tempo que procura evitar a aplicação efectiva da pena de prisão de curta duração, substituindo-a pela pena de multa sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Procura-se, deste modo, prevenir efeitos estigmatizantes em relação a condutas que não ponham seriamente em causa os valores jurídico-penais, nem desencadeiem intoleráveis danos sociais.

O novo Código não procede nem a um abaixamento generalizado das molduras penais, nem ao seu agravamento generalizado. O que não impede a existência de diversos crimes cuja pena, atendendo às particulares características do Território, é substancialmente agravada. É o que acontece, por exemplo, com muitos dos crimes contra a liberdade pessoal e contra a liberdade e autodeterminação sexuais, bem como com a chefia ou direcção de associações criminosas.

Não se deixará, porém, de reconhecer que, mais importante que a moldura penal abstractamente prevista na lei, é a concretização da sanção, assente numa investigação rápida e eficaz e numa resposta pronta dos tribunais, que repare a violação dos bens jurídicos protegidos e sirva de referência tranquilizadora para a comunidade.

Nestes termos;

Ouvido o Conselho Consultivo;

No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.º da Lei n.º 11/95/M, de 7 de Agosto, e nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Estatuto Orgânico de Macau, o Governador decreta, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:

Artigo 1.º

(Aprovação do Código Penal)

É aprovado o novo Código Penal, o qual é publicado em anexo ao presente diploma e dele faz parte integrante.

Artigo 2.º

(Conceito de residente)

Para efeitos do disposto no Código Penal, é considerado residente quem tenha direito à titularidade do bilhete de identidade de residente de Macau.

Artigo 3.º

(Leis penais avulsas)

As normas penais constantes de legislação de carácter especial prevalecem sobre as normas do Código Penal, ainda que estas sejam posteriores, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

Artigo 4.º

(Limites das penas de prisão e de multa)

1. Ficam alterados para os limites mínimo ou máximo fixados no n.º 1 do artigo 41.º do Código Penal os limites das penas de prisão cominadas em leis penais avulsas que forem, respectivamente, inferiores ou superiores aos aí estabelecidos.

2. Ficam alterados para os limites mínimos ou máximos resultantes do artigo 45.º do Código Penal os limites das multas de natureza penal cominadas em leis avulsas que forem, respectivamente, de duração ou quantitativo inferiores ou superiores aos aí estabelecidos.

Artigo 5.º

(Remissões)

Consideram-se efectuadas para as correspondentes disposições do Código Penal as remissões para normas do Código anterior contidas em leis avulsas.

Artigo 6.º

(Penas de multa estabelecidas em quantia)

Às multas de natureza penal estabelecidas em quantia em leis avulsas aplicam-se as seguintes regras especiais:

a) Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 47.º, o tribunal fixa equitativamente a prisão que deve ser cumprida, entre um mínimo de 6 dias e um máximo de 1 ano;

b) Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 74.º, o tribunal efectua o desconto que parecer equitativo.

Artigo 7.º

(Crimes punidos com penas cumulativas de prisão e multa)

Aos crimes punidos em leis penais avulsas com penas cumulativas de prisão e multa aplicam-se as seguintes regras especiais:

a) Se, de acordo com o disposto no artigo 44.º do Código Penal, a pena de prisão for substituída por multa, é aplicada uma só pena de multa, equivalente à soma da multa directamente imposta com a que resultar da substituição da prisão;

b) À pena de multa única resultante do disposto na alínea anterior é aplicável o regime previsto no artigo 47.º do Código Penal;

c) A suspensão da execução da pena de prisão, decretada pelo tribunal de acordo com o disposto nos artigos 48.º e seguintes do Código Penal, não abrange a pena de multa.

Artigo 8.º

(Sociedades secretas)

O artigo 4.º da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 4.º

(Punição das sociedades secretas e actividades afins)

1. Todo aquele que pertencer a alguma das associações proibidas por esta lei é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

2. Todo aquele que exercer funções de direcção ou chefia em qualquer grau é punido com pena de prisão de 5 a 12 anos.

3. (....................................................................................)

4. (....................................................................................)

Artigo 9.º

(Revogação do Código Penal de 1886)

1. É revogado o Código Penal aprovado pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 49, de 14 de Dezembro de 1886, com excepção do Título II do Livro Segundo (Dos crimes contra a segurança do Estado – artigos 141.º a 176.º), o qual permanece em vigor até 19 de Dezembro de 1999.

2. São consequentemente revogadas todas as disposições legais que introduziram alterações às normas revogadas pelo número anterior, nomeadamente:

a) Decreto n.º 20 146, de 1 de Agosto de 1931, publicado no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 21, de 31 de Maio de 1933;

b) Decreto n.º 18 588, de 10 de Julho de 1930, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 48, de 29 de Novembro de 1947;

c) Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954, publicado no 4.º suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 52, de 31 de Dezembro de 1954;

d) Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 36 387, de 1 de Julho de 1947, bem como a Portaria n.º 15 995, de 9 de Outubro de 1956, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 43, de 27 de Outubro de 1956;

e) Decreto-Lei n.º 41 074, de 17 de Abril de 1957, bem como a Portaria n.º 16 315, de 7 de Junho de 1957, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 26, de 29 de Junho de 1957;

f) Artigo 23.º do Decreto n.º 34 540, de 27 de Abril de 1945, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 36, de 9 de Setembro de 1961;

g) Decreto-Lei n.º 184/72, de 31 de Maio, bem como a Portaria n.º 342/74, de 29 de Maio, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 25, de 22 de Junho de 1974;

h) Decreto-Lei n.º 262/75, de 27 de Maio, bem como a Portaria n.º 140/76, de 15 de Março, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 13, de 27 de Março de 1976;

i) Decreto-Lei n.º 371/77, de 5 de Setembro, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 47, de 19 de Novembro de 1977;

j) Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 44, de 31 de Outubro de 1981.

Artigo 10.º

(Revogação de legislação penal avulsa)

Sem prejuízo do disposto no artigo 3.º, são revogadas as disposições legais avulsas que prevejam matérias reguladas pelo novo Código Penal ou punam factos nele incriminados, nomeadamente:

a) Lei de 12 de Julho de 1912, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 40, de 30 de Setembro de 1916;

b) Corpo do artigo 24.º do Decreto n.º 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 18, de 30 de Abril de 1927;

c) Decreto-Lei n.º 24 902, de 10 de Janeiro de 1935, bem como a Portaria n.º 9 438, de 17 de Janeiro de 1940, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 18, de 4 de Maio de 1940;

d) Lei n.º 2 053, de 22 de Março de 1952, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 37, de 13 de Setembro de 1952;

e) Decreto-Lei n.º 43 777, de 3 de Julho de 1961, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 29, de 22 de Julho de 1961;

f) Artigos 1 275.º a 1 278.º e 1 324.º do Código de Processo Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, publicados no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 40, de 9 de Outubro de 1962;

g) Decreto-Lei n.º 44 939, de 27 de Março de 1963, e Decreto-Lei n.º 44 940, de 28 de Março de 1940, bem como a Portaria n.º 19 816, de 19 de Abril de 1963, todos publicados no suplemento ao Boletim Oficial de Macau n.º 18, de 8 de Maio de 1963;

h) Artigo 25.º do Decreto n.º 20 431, de 24 de Outubro de 1931, bem como a Portaria n.º 111/70, de 19 de Fevereiro, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 10, de 7 de Março de 1970;

i) Decreto-Lei n.º 31 174, de 14 de Março de 1941, bem como a Portaria n.º 507/71, de 17 de Setembro, ambos publicados no Boletim Oficial de Macau n.º 40, de 2 de Outubro de 1971;

j) Base XX da Lei n.º 4/71, de 21 de Agosto, publicada no Boletim Oficial de Macau n.º 5, de 2 de Fevereiro de 1974;

l) Artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 274/75, de 4 de Junho, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 16, de 17 de Abril de 1976;

m) Artigos 13.º, 14.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro;

n) Lei n.º 14/87/M, de 7 de Dezembro;

o) Artigos 5.º a 14.º, 21.º e 22.º da Lei n.º 16/92/M, de 28 de Setembro;

p) N.os 1, 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 11/93/M, de 15 de Março.

Artigo 11.º

(Ultraje aos símbolos da República Portuguesa)

Até 19 de Dezembro de 1999, a pena fixada no artigo 302.º do Código Penal é aplicável aos factos nele previstos dirigidos contra a bandeira, hino, armas ou emblemas da República Portuguesa.

Artigo 12.º

(Entrada em vigor)

1. O Código Penal e o presente diploma entram em vigor no dia 1 de Janeiro de 1996.

2. O disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal apenas se aplica às penas por crimes cometidos após a entrada em vigor do Código Penal.

Aprovado em 8 de Novembro de 1995.

Publique-se.

O Governador, Vasco Rocha Vieira.


CÓDIGO PENAL