A Assembleia Legislativa decreta, nos termos da alínea 1) do artigo 71.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, para valer como lei, o seguinte:
A presente lei estabelece o regime jurídico de protecção do segredo de Estado na Região Administrativa Especial de Macau, doravante designada por RAEM.
1. Para efeitos da presente lei, entende-se por:
1) «Segredo de Estado», matérias secretas relacionadas com a segurança e os interesses do Estado classificadas pelas entidades competentes do Estado nos termos da lei nacional, ou pelo Chefe do Executivo nos termos da presente lei, cujo conhecimento se limite a determinadas pessoas durante um determinado período de tempo;
2) «Estado», República Popular da China;
3) «Serviços ou entidades públicos», órgãos e serviços da Administração Pública, incluindo o Gabinete do Chefe do Executivo, os Gabinetes e serviços administrativos de apoio aos titulares dos principais cargos, os fundos autónomos, os institutos públicos, os Serviços de Apoio à Assembleia Legislativa, o Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância e o Gabinete do Procurador.
2. As matérias secretas referidas na alínea 1) do número anterior incluem quaisquer factos, actos, documentos, informações, objectos, actividades ou demais registos, bem como as demais matérias relacionadas com o conteúdo das matérias de segredo de Estado que resultem da execução ou tratamento por parte dos serviços ou entidades públicos de matérias classificadas, independentemente da sua forma ou suporte.
Sempre que uma matéria seja classificada como segredo de Estado, é restringido o âmbito das pessoas que podem ter acesso a essa matéria e impedido o acesso por pessoas não autorizadas, sendo adoptadas as medidas de protecção nos termos do disposto na presente lei.
1. A pessoa ou a entidade que, em razão do estatuto da função ou serviço ou da missão que lhe foi conferida por autoridade competente, tenha acesso a um segredo de Estado fica sujeita ao dever de sigilo, bem como a cumprir todas as medidas de protecção previstas na presente lei, mantendo-se os referidos deveres mesmo após o termo do exercício de funções, serviço ou da missão.
2. Para além das pessoas ou entidades referidas no número anterior, ficam ainda sujeitas ao dever de sigilo as demais pessoas ou entidades que, por qualquer meio, tenham acesso a um segredo de Estado.
Cabe ao Chefe do Executivo definir as regras de execução da presente lei.
Sempre que uma matéria de segredo de Estado seja desclassificada, deixa imediatamente de ser segredo de Estado, sendo levantadas as restrições e medidas previstas no artigo 3.º, bem como o dever referido no artigo 4.º, sem prejuízo da aplicação das disposições relativas ao dever de sigilo previstas em outra legislação.
Os serviços ou entidades públicos que no exercício das suas funções tenham acesso a matérias classificadas como segredo de Estado pela entidade competente do Estado, devem adoptar, nos termos do disposto na presente lei, medidas de protecção relativamente a essas matérias, devendo ainda designar as pessoas ou entidades que para o exercício das suas funções necessitem de aceder às mesmas e informar o Chefe do Executivo.
Os serviços ou entidades públicos devem comunicar atempadamente ao Chefe do Executivo a ocorrência de desclassificação ou alteração em relação a uma matéria classificada como segredo de Estado pela entidade competente do Estado de que tenham conhecimento e notificá-la às pessoas ou entidades a quem foi autorizado o acesso a essa matéria.
1. Compete ao Chefe do Executivo:
1) Classificar uma matéria como segredo de Estado;
2) Determinar e prorrogar o prazo da classificação;
3) Determinar e alterar as condições de desclassificação;
4) Decidir a desclassificação;
5) Confirmar as matérias de segredo de Estado e levantar o dever de sigilo nos termos do disposto no capítulo V;
6) Definir as regras de execução da presente lei;
7) Designar as pessoas ou entidades que para o exercício das suas funções necessitem de aceder às matérias de segredo de Estado;
8) Exercer as demais competências previstas na presente lei.
2. As competências referidas nas alíneas 1) a 6) do número anterior são indelegáveis.
1. Qualquer uma das seguintes matérias deve ser classificada como segredo de Estado, sempre que a sua revelação possa colocar em risco a segurança e os interesses do Estado:
1) As matérias secretas relativas às grandes decisões do Governo da RAEM;
2) As matérias secretas relativas às actividades desenvolvidas pela RAEM em articulação com as atribuições do Governo Popular Central em matéria de defesa e relações diplomáticas, entre outras;
3) As matérias secretas relativas ao desenvolvimento económico-social da RAEM;
4) As matérias secretas relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico da RAEM;
5) As matérias secretas relativas às acções de defesa da segurança do Estado e à investigação criminal da RAEM;
6) As matérias secretas relativas aos assuntos externos da RAEM;
7) As matérias secretas relativas às actividades desenvolvidas pelo Chefe do Executivo em execução de directrizes emanadas pelo Governo Popular Central, de acordo com a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
8) Outras matérias ocorridas ou provenientes da RAEM que devam ser classificadas como segredo de Estado, dada a sua importância para a segurança e interesses do Estado.
2. As matérias cuja divulgação pública seja obrigatória nos termos do disposto na lei não podem ser classificadas como segredo de Estado.
1. Quando os serviços ou entidades públicos, durante o exercício das suas funções, considerem que determinada matéria preenche o disposto no artigo anterior, os mesmos devem propor ao Chefe do Executivo que essa matéria seja classificada como segredo de Estado.
2. Na proposta referida no número anterior devem ser indicados o motivo de classificação da matéria como segredo de Estado, o prazo da classificação ou as condições de desclassificação, bem como as pessoas ou entidades que necessitem de aceder a essa matéria para o exercício das suas funções.
3. Antes de o Chefe do Executivo classificar a matéria como segredo de Estado, os serviços ou entidades públicos referidos no n.º 1 devem dar protecção, de carácter preventivo, à mesma.
4. Após a classificação da matéria como segredo de Estado pelo Chefe do Executivo, a respectiva decisão é notificada aos serviços ou entidades públicos referidos no n.º 1, devendo estes notificá-la às pessoas ou entidades que necessitem de aceder a essa matéria para o exercício das suas funções.
1. O prazo da classificação do segredo de Estado deve, de acordo com a natureza e especificidade da matéria, ser limitado ao período estritamente necessário para a defesa da segurança e dos interesses do Estado, até ao máximo de 30 anos, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. Quando necessário, os serviços ou entidades públicos referidos no artigo anterior podem propor ao Chefe do Executivo a prorrogação do prazo da classificação determinado nos termos do número anterior, notificando a respectiva decisão às pessoas ou entidades a quem foi autorizado o acesso ao segredo de Estado em causa.
3. Caso seja impossível determinar o prazo da classificação de uma matéria de segredo de Estado, devido à sua natureza e especificidade, devem ser estabelecidas as respectivas condições de desclassificação.
4. O prazo da classificação do segredo de Estado é contado a partir da data de classificação de uma matéria como segredo de Estado.
1. Quando se verifiquem as condições de desclassificação de uma matéria de segredo de Estado, esta é automaticamente desclassificada.
2. A divulgação pública do segredo de Estado pode ser determinada pelo Chefe do Executivo ou por si autorizada quando os serviços ou entidades públicos dela necessitem para o exercício das suas funções, devendo, neste caso, a divulgação obedecer aos termos definidos no despacho do Chefe do Executivo, considerando-se, de imediato, a divulgação oficial como desclassificação, sem necessidade de se efectuar a notificação referida no n.º 6.
3. Antes de decorrido o prazo da classificação do segredo de Estado, o Chefe do Executivo procede à apreciação da matéria em causa e decide a prorrogação do prazo da classificação ou a desclassificação, tendo em conta os eventuais prejuízos para a segurança e interesses do Estado decorrentes da divulgação do segredo de Estado.
4. Durante o prazo da classificação ou antes de se verificarem as condições de desclassificação, o Chefe do Executivo procede à apreciação da desclassificação, ponderando se deixaram de se verificar os pressupostos que determinaram a classificação, se a alteração das circunstâncias assim o permite, ou se a divulgação do segredo de Estado em causa não prejudica a segurança e os interesses do Estado, podendo decidir a desclassificação depois de considerar que a divulgação do segredo de Estado em causa não prejudica a segurança e os interesses do Estado.
5. Os serviços ou entidades públicos referidos no artigo 11.º podem propor ao Chefe do Executivo a prorrogação do prazo da classificação ou a desclassificação, para que este tome as decisões referidas nos dois números anteriores.
6. O Chefe do Executivo notifica a decisão de prorrogação do prazo da classificação ou de desclassificação aos serviços ou entidades públicos em causa, devendo estes notificá-la às pessoas ou entidades a quem foi autorizado o acesso ao segredo de Estado em causa.
Os serviços ou entidades públicos devem proteger o segredo de Estado, adoptando as medidas de protecção do mais alto nível que obedeçam ao disposto na presente lei, com vista a prevenir a violação do segredo de Estado por qualquer pessoa.
1. Os serviços ou entidades públicos devem designar, de entre o seu pessoal, pessoal especializado para se responsabilizar pela preparação, reprodução, transmissão, preservação e destruição do suporte do segredo de Estado, não podendo o pessoal designado confiar o seu tratamento a outrem sem autorização.
2. Os serviços ou entidades públicos, ao efectuar a designação de pessoal responsável pela execução das tarefas que envolvam matérias de segredo de Estado, devem observar o princípio de contacto mínimo, reduzindo, tanto quanto possível, os contactos desnecessários por parte do pessoal com as matérias em causa.
1. Em todos os suportes que contenham matérias de segredo de Estado, deve ser indicado, de forma clara e inequívoca, o sinal de segredo de Estado.
2. No sinal de segredo de Estado devem ser indicados o prazo da classificação ou as condições de desclassificação.
3. Quando ocorra uma alteração do prazo da classificação do segredo de Estado ou uma desclassificação das respectivas matérias, deve proceder-se atempadamente à alteração do sinal de segredo de Estado ou à aposição do sinal de desclassificação.
4. O sinal de segredo de Estado é definido por despacho do Chefe do Executivo, a publicar no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
1. Não são permitidas a preparação, a reprodução e a transmissão do suporte do segredo de Estado sem a autorização do Chefe do Executivo.
2. O pessoal que tenha sido autorizado a preparar, reproduzir e transmitir um suporte do segredo de Estado deve utilizar instalações ou equipamentos designados para realizar a respectiva operação.
3. A transmissão de suporte do segredo de Estado deve ser realizada por meio de encobrimento adequado ou de medida de protecção apropriada.
4. A transmissão de matéria de segredo de Estado através de meio electrónico só é permitida quando tal seja especialmente autorizado pelo Chefe do Executivo e sejam utilizados equipamentos e sistemas que tenham adoptado medidas de protecção adequadas.
5. É proibida a transmissão de matéria de segredo de Estado através de qualquer uma das seguintes formas:
1) Internet ou de outras redes públicas de informação;
2) Comunicações por cabo e sem fios, sem adopção de medidas de protecção;
3) Comunicações privadas.
6. A prestação de informações relativas a matérias de segredo de Estado pelos serviços ou entidades públicos a uma outra parte, para o exercício de funções que envolvam assuntos e relações externos, está sujeita a prévia autorização do Chefe do Executivo.
1. O suporte do segredo de Estado deve ser preservado em instalações ou equipamentos designados, devendo ter em consideração os seguintes factores:
1) A sua importância;
2) O volume e o tipo das matérias classificadas como segredo que se pretenda proteger;
3) As condições de acesso;
4) As condições de segurança específicas.
2. Na preservação referida no número anterior deve ser efectuado um planeamento e aplicadas medidas com as seguintes finalidades:
1) Proibir o armazenamento das matérias classificadas como segredo fora dos locais ou equipamentos designados;
2) Prevenir a intromissão em locais ou equipamentos onde se encontrem armazenadas matérias classificadas como segredo;
3) Proibir o acesso por pessoas não autorizadas;
4) Prevenir qualquer acção susceptível de dar origem a sabotagem, subtracção ou revelação das matérias classificadas como segredo;
5) Assegurar, em todas as circunstâncias, o perfeito controlo, quer das matérias classificadas como segredo, quer dos dispositivos de segurança.
3. O sistema informático para a preservação e tratamento do segredo de Estado deve dispor de instalações e equipamentos de protecção adequados, em conformidade com os critérios de protecção.
4. O suporte do segredo de Estado não pode ser destruído sem autorização do Chefe do Executivo, devendo o pessoal autorizado a destruí-lo utilizar instalações ou equipamentos designados para realizar a respectiva operação.
1. Nenhuma pessoa que tenha acesso a matérias de segredo de Estado pode ser inquirida sobre o conteúdo das mesmas, nem pode revelar qualquer conteúdo destas, quando seja chamado a depor ou a prestar declarações perante autoridade judiciária.
2. Caso a pessoa chamada a depor ou prestar declarações referida no número anterior se recuse a revelar conteúdos, alegando tratar-se de matérias de segredo de Estado, a autoridade judiciária pode, sempre que o considere necessário, solicitar confirmação junto das seguintes entidades:
1) Do Governo Popular Central, através do Chefe do Executivo, caso se trate de matéria classificada como segredo de Estado por entidade competente do Estado;
2) Do Chefe do Executivo, caso se trate de matéria classificada como segredo de Estado por este.
3. A entidade competente do Estado ou o Chefe do Executivo, referidos nas alíneas 1) e 2) do número anterior, podem, ainda, decidir o levantamento ou não do dever de sigilo da pessoa em causa, bem como notificar a decisão, através do Chefe do Executivo, ou directamente pelo Chefe do Executivo, à autoridade judiciária.
4. Caso as entidades referidas no número anterior decidam levantar o dever de sigilo da pessoa em causa, esta deve circunscrever a prestação de depoimento ou de declarações aos conteúdos cuja revelação tenha sido expressamente autorizada nessa decisão, não podendo ser inquirida sobre quaisquer outros.
5. Na situação referida no número anterior, o juiz pode determinar a restrição da assistência do público e a exclusão da publicidade do acto processual quanto à prestação de depoimento ou de declarações relativos ao segredo de Estado.
6. O depoimento ou as declarações não podem ser prestados sem que tenha sido obtida a confirmação das entidades referidas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2.
1. Nenhum arguido em processo penal que tenha acesso a matérias de segredo de Estado pode revelar qualquer conteúdo relativo a essas matérias.
2. Caso a pessoa, na qualidade de arguido, considere que o cumprimento do dever de sigilo lesa o exercício do seu direito de defesa deve declará-lo perante a autoridade judiciária, a qual solicita confirmação dessa informação junto das seguintes entidades:
1) Do Governo Popular Central, através do Chefe do Executivo, caso se trate de matéria classificada como segredo de Estado por entidade competente do Estado;
2) Do Chefe do Executivo, caso se trate de matéria classificada como segredo de Estado por este.
3. Cabe à entidade competente do Estado ou ao Chefe do Executivo, referidos nas alíneas 1) e 2) do número anterior, decidir sobre a autorização ou não do levantamento do dever de sigilo, bem como notificar a decisão, através do Chefe do Executivo, ou directamente pelo Chefe do Executivo, à autoridade judiciária.
4. Caso as entidades referidas no número anterior decidam autorizar o levantamento do dever de sigilo, o arguido deve circunscrever o seu direito de defesa ao conteúdo cuja revelação tenha sido expressamente autorizada nessa decisão, não podendo ser inquirido sobre quaisquer outros.
5. Na situação referida no número anterior, o juiz pode determinar a restrição da assistência do público e a exclusão da publicidade do acto processual em que o arguido preste declarações relativas ao segredo de Estado.
6. Não pode ser revelado qualquer conteúdo relativo às matérias de segredo de Estado sem que tenha sido obtida a confirmação das entidades referidas nas alíneas 1) e 2) do n.º 2.
O regime penal relativo à violação de segredo de Estado definido na presente lei é regulado pela Lei n.º 2/2009 (Lei relativa à defesa da segurança do Estado).
1. Os trabalhadores da função pública ou outros trabalhadores dos serviços ou entidades públicos que incorram em infracção disciplinar por violação dos deveres previstos na presente lei são punidos nos termos do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau e de outros regimes disciplinares próprios.
2. Se os trabalhadores da função pública ou outros trabalhadores dos serviços ou entidades públicos violarem os deveres previstos na presente lei, a pena disciplinar a aplicar é obrigatoriamente agravada para a de escalão imediatamente superior do que ao caso caberia.
3. A imposição de pena disciplinar não prejudica a aplicação de outras sanções em virtude da violação do dever de sigilo.
Consideram-se efectuadas ao «segredo de Estado» as referências ao «segredo da Região Administrativa Especial de Macau» constantes de leis, regulamentos, contratos e demais actos jurídicos, com as necessárias adaptações.
São revogados os n.os 2 e 3 do artigo 124.º do Código de Processo Penal.
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Junho de 2024.
Aprovada em 14 de Dezembro de 2023.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Kou Hoi In.
Assinada em 15 de Dezembro de 2023.
Publique-se.
O Chefe do Executivo, Ho Iat Seng.