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1. Relatório
O Ministério Público interpõe para este Tribunal de Última Instância o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância nos autos de recurso penal n.º 372/2021, alegando que este acórdão está em oposição com o acórdão também do Tribunal de Segunda Instância nos autos de recurso penal que aí correram termos sob o n.º 504/2021, relativamente à mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
Na tese do Ministério Público, em ambos os processos supra mencionados o Tribunal de Segunda Instância se pronunciou expressamente sobre a questão de saber se a declaração de rendimentos e património líquido por parte do candidato à atribuição de habitação social integra ou não a definição legal de “documento” constante da al. a) do artigo 243.º do Código Penal e, mais concretamente, se as falsas declarações do candidato à habitação social relativas aos seus rendimentos e património líquido integram ou não o crime de falsificação do documento p.p. pela al. b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, tendo o acórdão-fundamento (Processo n.º 504/2021) concluído no sentido negativo, ou seja, no sentido de que aquela declaração não é um documento no sentido jurídico-penalmente relevante resultante da al. a) do artigo 243.º e de que, portanto, a falsidade dessa declaração não preenche aquele tipo legal de crime, enquanto no acórdão recorrido (Processo n.º 372/2021) o Tribunal de Segunda Instância decidiu em sentido contrário, ou seja, com base no entendimento de que aquela declaração de património e rendimentos consubstancia um documento tal como definido na al. a) do artigo 243.º do Código Penal, decidiu que a respectiva falsidade integra a prática do mencionado crime de falsificação de documento.
Por acórdão de 11 de Março de 2022, o Tribunal de Última Instância ordenou o prosseguimento do recurso, por se verificarem todos os pressupostos para o Tribunal de Última Instância proferir acórdão para fixação de jurisprudência.
O Ministério Público apresentou, nos termos do disposto no artigo 424.º n.º 1 do Código de Processo Penal, as suas alegações, tendo concluindo pela fixação de jurisprudência no seguinte sentido:
“As falsas declarações constantes do boletim de candidatura à habitação social, incluindo na declaração de rendimentos e património líquido dos elementos do agregado familiar a que se refere a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, não integram a prática do crime de falsificação de documento previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.”
Os arguidos condenados no acórdão recorrido também apresentaram as suas alegações, entendendo que as falsas declarações de rendimentos e património líquido constantes do boletim de candidatura à habitação social não consubstanciam documento definido na al. a) do artigo 243.º do Código Penal.
Tendo sido constituído o Colectivo, com a formação referida no n.º 2 do artigo 46.º da Lei de Bases da Organização Judiciária, e corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentos
2.1. Questão a resolver
Constata-se nos presentes autos que, apreciando o recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base que absolveu o(s) arguido(s) da prática do crime de falsificação de documento p.p. pela al. b) do n.º 1 do artigo 244.º, conjugada com a al. a) do artigo 243.º, ambos do Código Penal, o Tribunal de Segunda Instância decidiu, no Processo n.º 504/2021, julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida, enquanto no Processo n.º 372/2021 o mesmo Tribunal concedeu provimento ao recurso também interposto pelo Ministério Público, passando a condenar os arguidos pela prática do crime de falsificação de documento p.p. pela al. b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
Em ambos os processos, está em discussão a questão de saber se a declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar prestada por candidato à habitação social deve ser considerada como “documento” referido na al. a) do artigo 243.º do Código Penal e as falsas declarações ou inexactas apresentadas por candidato em matéria de rendimento e património integram, ou não, o crime de falsificação de documento p.p. pela al. b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, tendo o Tribunal de Segunda Instância adoptado soluções em sentido opostas.
Daí que, no presente recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público para fixação de jurisprudência, há que resolver a mencionada questão.
2.2. Crime de falsificação de documento/conceito de documento
Nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa o indivíduo que, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, “fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante”.
Ao abrigo da al. a) do artigo 243.º do Código Penal, para efeitos do disposto do Código Penal, considera-se como documento:
“(1) A declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão, quer posteriormente; e
(2) O sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta”.
Para o crime ora em causa, é essencial saber como é que se deve qualificar e determinar o que é o documento, tal como é definido.
Como se sabe, o conceito de “documento” definido no Código Penal diferencia-se muito da noção dada no artigo 355.º do Código Civil, segundo o qual “diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”, noção esta que é muito mais ampla do que a dada pelo Código Penal.
O legislador de Macau não seguiu o critério dado no Código Civil, mas sim construiu uma definição própria para fins penais.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º, os documentos tanto podem declaração de vontade ou de ciência como sinal material.
«…, para termos um “documento” haveremos de exigir que ele testemunhe, antes de mais, uma “declaração de vontade”; depois que essa declaração de vontade obtenha corporização não apenas em instrumentos escritos mas também em outros receptáculos materiais; e finalmente que tal declaração de vontade possa chegar à comunidade por forma inteligível, isto é, em termos de poder constituir-se em fonte de conhecimento de um facto juridicamente relevante.»1
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1 Manuel Leal-Henriques, Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Volume V, 2017, págs. 92 e 93.
É de salientar que, no presente caso, o que nos interessa é a disposição da subalínea 1) da alínea a) do artigo 243.º, referente ao documento enquanto declaração de vontade ou de ciência, dado que está em causa a declaração de rendimento e património líquido prestada por candidato à habitação social.
Para Manuel Leal-Henriques, “O documento enquanto declaração de vontade (ou de ciência) só assume relevância jurídico-penal quando essa declaração se revista dos seguintes requisitos cumulativos:
- se encontre corporizada em escrito ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, como por exemplo a fotografia, o cinema, o vídeo, etc.;
- seja inteligível pelos destinatários (a generalidade das pessoas ou apenas um certo círculo delas), o que significa que o respectivo conteúdo deve ser expresso numa linguagem que qualquer pessoa possa compreender;
- permita reconhecer o seu autor, ou seja, que evidencie quem produziu a declaração, o que afasta desde logo os designados documentos anónimos;
- tenha idoneidade para fazer prova de um facto juridicamente relevante.”
E “segundo alguma Doutrina (cfr., v.g., PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit., artigo 255.º; M. MIGUEZ GARCIA/J.M. CASTELA RIO, op. cit., artigo 255.º)”, o documento deve conter:
“- função de perpetuação ou representativa – por via da incorporação em suporte material de uma declaração de vontade (ou de ciência);
- função probatória – por se constituir em instrumento idóneo susceptível de fazer prova do facto juridicamente relevante nele contido;
- função garantística – enquanto dá a conhecer quem produziu essa declaração de vontade ou de ciência.”2
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2 Manuel Leal-Henriques, Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Volume V, 2017, págs. 93 e 94.
Entende-se ainda que “A noção de documento aqui apresentada veio de forma eficaz delimitar o campo da ilicitude; para além dos aspectos mencionados adiante, sublinha-se que de acordo com esta noção já não integra o tipo qualquer falsificação de uma declaração, mas apenas a falsificação de uma declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante. (…)
Documento é pois a declaração de um pensamento humano que deverá estar corporizada num objecto que possa constituir meio de prova; só assim se compreendendo que o crime de falsificação de documentos proteja o específico bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório. (…)”3
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3 Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 666 e 667.
Por outro lado, a evolução história que está subjacente à norma da al. a) do artigo 243.º do Código Penal revela que: i) inicialmente, a protecção penal do documento só teria lugar se o documento constituísse um meio de prova; ii) o documento passou a ser considerado como meio de prova de factos juridicamente relevantes; e iii) finalmente, o documento deve ser idóneo para provar factos com relevo jurídico.
Na ideia vigente actualmente é “de salientar três aspectos na noção de documento. Em primeiro lugar, o documento terá que representar materialmente uma declaração de vontade humana, constituindo este aspecto aquilo que se designou por elemento perpétuo do documento. Por outro lado, terá que ser apto a provar aquilo que contém, isto é, tem que constituir um meio de prova – é o elemento probatório do documento. E, por fim, o autor deve ser reconhecível, isto é, o documento deve tornar a identificação do emitente da declaração para que aquele possa mais tarde reconhecer a declaração como sua – elemento de garantia pessoal do documento”, sendo esta a noção defendida actualmente pela doutrina.4
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4 Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento, págs. 163 a 171.
Considerando a evolução histórica do conceito de documento, vem afirmar-se que, em face da definição dada pelo Código Penal, “o legislador pretendeu, desde logo, dizer que a declaração tem que ser idónea a provar um determinado facto (juridicamente relevante). Não nos diz que o documento é idóneo para provar o facto. Pelo que, logo à partida, nos apresenta um conceito bastante indeterminado de documento, (…).
Documento é a declaração idónea a provar um facto juridicamente relevante (declaração esta que tem que estar corporizada numa qualquer matéria; todavia, aquilo que corporiza a declaração não é o documento – o documento é a declaração). O que vem no seguimento da doutrina que considera que o elemento primordial que permite distinguir o documento de outros objectos é precisamente o facto de integrar uma declaração de um pensamento humano. E só assim se compreende que o crime de falsificação de documentos proteja o específico bem jurídico que é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico-probatório, pois é apenas tendo confiança nas declarações inscritas em documentos que é possível basear toda a vida jurídica naqueles. (…)
Mas será que qualquer declaração falsa (porque declarou facto falso) corporizada em um qualquer objecto constitui um crime de falsificação de documentos? Será que toda e qualquer declaração de facto falso terá dignidade penal para que seja incriminada pelo direito? (…)
Não será, no entanto, todo e qualquer escrito, que incorpore uma declaração de facto, que vai constituir um documento falsificado. Entendemos que este escrito deverá ter uma certa força probatória, pois só contendo esta específica característica é que a sua falsificação implicará um perigo de lesão do bem jurídico aqui em causa. Pelo que, o objecto no qual aquela declaração é corporizada terá que constituir um meio de prova. (…)”5
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5 Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento, págs. 174 a 176.
E quanto a facto juridicamente relevante, esta expressão tem a sua origem em VON LISZT. Segundo este Autor, “facto juridicamente relevante é todo o facto que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. Ora, nem todos os factos são juridicamente relevantes; factos há que produzem efeitos jurídicos – como, por exemplo, a doença que permite ao trabalhador justificar as faltas que deu no serviço – e, todavia, não criam, modificam ou extinguem nenhuma relação jurídica.”6
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6 Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, Da Falsificação Intelectual e da Falsidade em Documento, págs. 229 e 230.
Os documentos podem ser narrativos ou dispositivos, considerando-se documentos narrativos aqueles que “contêm uma declaração de ciência. Se a declaração é desfavorável ao declarante, dizem-se confessórios; de outro modo dizem-se testemunhais”, ao passo que são documentos dispositivos os que “contêm uma declaração de vontade. Podem tratar-se de documentos representando um acto duma autoridade pública (por ex., uma sentença).”7
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7 Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, pág. 223.
Postas as doutas considerações doutrinais, é de voltar ao caso dos presentes autos, em que está em causa uma declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar preenchida e entregue ao Instituto de Habitação para efeito de se candidatar à atribuição de habitação social, que deve ser considerado como documento narrativo.
2.3. A matéria de atribuição (e arrendamento e administração) de habitação social foi regulada no Regulamento Administrativo n.º 25/2009, entretanto revogado pela Lei n.º 17/2019, mas em vigor à data da prática dos factos repostados nos presentes autos, segundo o qual as habitações sociais são em regra atribuídas por concurso (n.º 1 do artigo 5.º).
Os artigos 2.º e 7.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 estatuem que:
Para os efeitos previstos no presente regulamento administrativo entende-se por:
1) Habitação social — os fogos de propriedade da Administração, incluindo os referidos no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41/87/M, de 22 de Junho, e que se destinem a arrendamento em particular por agregados familiares residentes na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM e em situação económica desfavorecida;
2) Agregado familiar — o conjunto de pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e estejam ligadas por laços de casamento, união de facto, parentesco, afinidade e adopção;
3) Agregado familiar em situação económica desfavorecida — o agregado familiar residente na RAEM cujo total do rendimento mensal e do património líquido não ultrapasse os limites estabelecidos por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.”
1. A candidatura à atribuição de habitação é feita mediante a entrega no IH do boletim de candidatura e da declaração de rendimentos e património líquido, devidamente preenchidos e assinados.
2. O IH pode confirmar, a todo o tempo, as informações prestadas pelos candidatos no preenchimento do boletim de candidatura, junto de qualquer entidade pública ou privada, sendo as falsas declarações sancionadas nos termos da lei.
3. A forma de candidatura e os critérios de classificação, ordenamento e selecção das respectivas habitações, bem como a declaração de rendimentos e de património líquido dos elementos do agregado familiar, constam de regulamento a aprovar por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM.”
Por seu turno, dispõe o Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009 e republicado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 376/2017, o seguinte:
1. A abertura do concurso é feita por aviso a publicar no Boletim Oficial da RAEM e realiza-se sempre que tal seja considerada necessária pelo Instituto de Habitação, adiante designado por IH.
2. A divulgação da abertura do concurso é ainda feita através da publicação na imprensa de língua chinesa e língua portuguesa da RAEM e por afixação dos avisos nos locais de atendimento ao público do IH.
3. Do aviso de abertura do concurso deve constar:
1) A data de abertura e encerramento do concurso, incluindo os prazos de entrega de candidatura e de documentos em falta;
2) Os locais e forma do concurso;
3) O local de afixação das listas de espera e de candidatos excluídos, referidas no artigo 7.º;
4) Os requisitos gerais a que devem obedecer as candidaturas;
5) Os locais e horas em que os interessados podem obter informações sobre o concurso;
6) Os documentos exigidos para a candidatura.
1. A candidatura ao concurso formaliza-se com a entrega no IH, do boletim de candidatura devidamente preenchido e assinado, cujo modelo consta do Anexo I ao presente regulamento e do qual faz parte integrante.
2. Para além de outros elementos que forem exigidos no aviso de abertura do concurso, o boletim de candidatura é obrigatoriamente instruído com os seguintes documentos:
1) Fotocópia dos documentos de identificação de cada um dos elementos do agregado familiar, exibindo os respectivos originais;
2) Documentos comprovativos do rendimento mensal e património líquido dos elementos do agregado familiar;
3) Declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar, cujo modelo consta do Anexo I ao presente regulamento e do qual faz parte integrante.
3. O rendimento referido na alínea 3) do número anterior inclui o rendimento auferido na RAEM ou no exterior, designadamente:
1) Rendimento proveniente do trabalho por conta própria ou por conta de outrem;
2) Abonos e pensões de aposentação ou reforma;
3) Montantes concedidos legalmente pelos regimes de assistência ou segurança social, salvo os montantes que não são considerados legalmente como rendimento;
4) Rendimento proveniente de actividades comerciais ou industriais, imóveis, direitos de autor e aplicações financeiras.
4. O património líquido referido na alínea 3) do n.º 2 inclui os activos patrimoniais detidos na RAEM ou no exterior, designadamente contas bancárias, imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais, quotas, acções, participações ou outras partes sociais de capital em sociedades civis ou comerciais, direitos sobre embarcações, aeronaves ou veículos, valores mobiliários, bem como numerário, direitos de crédito, obras de arte, joalharia ou outros objectos de valor superior a 5 000 patacas, sendo deduzidos os débitos de valor superior a 5 000 patacas.
5. Para efeitos do disposto nos n.os 3 e 4, são convertidos em patacas, à taxa de câmbio que for praticada na data de abertura do concurso referida na alínea 1) do n.º 3 do artigo anterior, os rendimentos e patrimónios líquidos calculados em moeda estrangeira.
6. O requisito de residência deve ser provado por documento de identificação ou, se este não for suficiente, por documento comprovativo emitido por entidade competente.
7. Os representantes dos agregados familiares ou indivíduos que pretendam arrendar habitação social devem dirigir-se aos locais referidos no aviso de abertura do concurso para a entrega da candidatura, munidos dos documentos necessários, ou remetê-los por carta registada, salvo se no aviso de abertura do concurso for fixada uma única forma de entrega.
1. As candidaturas devem preencher os requisitos gerais estabelecidos no Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social) e satisfazer as condições estipuladas no presente regulamento e no respectivo aviso de abertura do concurso.
2. Os requisitos referidos no número anterior devem estar preenchidos até à atribuição de habitação, porém, durante a atribuição de habitação, a limitação do total do rendimento mensal e do património líquido do agregado familiar é feita com base nos montantes estabelecidos nos termos da alínea 3) do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 (Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social).
1. Os candidatos são excluídos do concurso se:
1) Apresentarem a candidatura fora do prazo;
2) Não reunirem os requisitos exigidos para a candidatura;
3) Não suprirem documentos exigidos para a candidatura ou alguma deficiência documental no prazo de entrega de documentos em falta fixado na alínea 1) do n.º 3 do artigo 3.º;
4) Qualquer elemento do agregado familiar figurar em mais do que um boletim de candidatura.
2. Sem prejuízo de eventual procedimento criminal, é cancelada a candidatura dos candidatos que prestarem declarações falsas ou inexactas ou usarem de qualquer meio fraudulento para arrendarem habitação, até à data do recebimento da chave.
1. Findo o prazo de entrega de documentos em falta fixado na alínea 1) do n.º 3 do artigo 3.º, o IH elabora uma lista provisória de espera por classificação dos candidatos admitidos e a lista dos excluídos com indicação dos motivos da exclusão.
2. As listas referidas no número anterior são afixadas nos locais referidos no aviso a publicar no Boletim Oficial da RAEM e na imprensa de língua chinesa e língua portuguesa.
3. Podem ser interpostas reclamações das respectivas listas, dirigidas ao presidente do IH, no prazo de 15 dias a contar do dia seguinte ao da publicação do aviso no Boletim Oficial da RAEM.
4. Decididas as reclamações é elaborada a lista definitiva de espera, a qual é divulgada nos termos do n.º 2.
5. Caso não haja reclamações, a lista provisória converte-se em lista definitiva de espera, a qual é divulgada nos termos do n.º 2.
6. A lista definitiva de espera referida nos n.ºs 4 e 5 é elaborada pelo IH, após apreciação dos documentos, informações e declarações apresentados pelos candidatos, sem prejuízo do disposto no artigo 11.º
7. A lista definitiva de espera referida no número anterior é colocada no fim da lista de espera do concurso anterior, constituindo-se uma lista geral englobando todos os candidatos.
8. As alterações do número de elementos que se verificarem no agregado familiar, em virtude de falecimento, nascimento, adopção, casamento, divórcio, fixação de residência na RAEM de cônjuges ou filhos menores e demais factos jurídicos ocorridos após a apresentação de candidatura, só relevam para efeitos de classificação se forem apresentadas as respectivas provas, antes da publicação da lista indicada no n.º 1.”
Ao mesmo tempo, nos termos do artigo 3.º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, foi publicado, no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, n.º 45, II Série, 8 de Novembro de 2017, o Aviso para Abertura de concurso geral para a atribuição de habitação social, concurso este reportado tanto no acórdão recorrido como no acórdão-fundamento.
Com tal Aviso, ficaram os interessados à candidata notificados do prazo para apresentação de candidatura, dos requisitos que os candidatos devem reunir, da necessidade de entrega no IH do boletim de candidatura devidamente preenchido e assinado, obrigatoriamente instruído como os elementos indicados, incluindo os documentos comprovativos do rendimento mensal e do património líquido do representante e de todos os elementos do agregado familiar bem como a declaração do rendimento e do património líquido dos mesmos, etc..
Ora, como se sabe, a habitação social destina-se a arrendamento em particular por agregados familiares residentes na RAEM que se encontrem “em situação económica desfavorecida”, sendo este um dos requisitos necessários que os candidatos devem reunir (de encontrar-se em situação económica desfavorecida) para que lhes seja atribuída a habitação social – al. 1) do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 e ponto 3.1. do referido Aviso.
E entende-se por “agregado familiar em situação económica desfavorecida” o agregado familiar “cujo total do rendimento mensal e do património líquido não ultrapasse os limites estabelecidos por despacho do Chefe do Executivo, a publicar em Boletim Oficial da RAEM” – al. 3) do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009.
Foi posteriormente publicado no Boletim Oficial Despacho do Chefe do Executivo n.º 179/2012, onde se constata que, para efeitos do disposto na al. 3) do artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2009, “o total do rendimento mensal e do património líquido do agregado familiar em situação económica desfavorecida não pode ultrapassar, respectivamente, os valores constantes das tabelas I e II : ….”
Com a fixação dos valores aí indicados, fica-se assim esclarecido o critério para definir a “situação económica desfavorecida”.
Ora, para candidatarem-se ao concurso, os interessados devem entregar o boletim de candidatura, juntando também a declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar, devidamente preenchidos e assinados, para além de outros elementos necessários.
E o rendimento e o património líquido devem abranger os auferidos e detidos tanto na RAEM como no exterior.
Se os candidatos “não reunirem os requisitos exigidos para a candidatura”, ficam logo excluídos do concurso, cabendo ao Instituto de Habitação elaborar a lista dos excluídos com indicação dos motivos da exclusão (e a lista provisória de espera por classificação dos candidatos admitidos), sujeita a eventuais reclamações dirigidas ao presidente do IH.
Após a tomada de decisão sobre as reclamações e apreciação dos documentos, informações e declarações apresentados pelos candidatos, o Instituto de Habitação elabora a lista definitiva de espera; ou não havendo reclamações, a lista provisória converte-se em lista definitiva de espera.
Por outras palavras, se o total do rendimento e do património líquido do agregado familiar indicado na apresentada declaração de rendimento e património líquido for superior aos valores constantes das tabelas I e II publicadas no Despacho do Chefe do Executivo n.º 179/2012, não podem os interessados considerados “em situação económica desfavorecida”, sendo imediatamente excluídos do respectivo concurso, por não reunirem todos os requisitos necessários para a candidatura, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, al. 1) do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social.
No caso contrário, os candidatos serão admitidos para o concurso, incluídos na lista provisória de espera.
E no decurso do procedimento administrativo, se se detectar que os candidatos prestaram declarações falsas ou inexactas ou usaram de qualquer meio fraudulento para arrendarem habitação, é cancelada a sua candidatura, até à data do recebimento da chave.
Daí que a relevância jurídica da declaração de rendimento e património líquido apresentado pelos candidatos, não obstante o poder que o Instituto de Habitação tem para confirmar, a todo o tempo e junto de qualquer entidade pública ou privada, as informações prestadas pelos candidatos no preenchimento do boletim de candidatura.
É de salientar a natural dificuldade, até impossibilidade, em averiguar e confirmar se correspondem à verdade as informações prestadas pelos candidatos, nomeadamente quando eles não incluírem no rendimento e património líquido aqueles detidos no exterior da RAEM. O que torna ainda mais relevante a declaração oferecida pelos candidatos.
Mesmo em relação a rendimento e património líquido tidos na RAEM, mas por interposta pessoa, se os candidatos não os incluírem na respectiva declaração, também não é fácil a sua averiguação e confirmação, como é consabido.
Vamos ver se a declaração de rendimento e património líquido prestada pelos candidatos constitui, ou não, um documento para efeito da punição contida na al. b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
Ora, é indubitável que está em causa uma declaração corporizada em escrito, inteligível pelos destinatários e que permite reconhecer o seu autor.
Resta verificar se tal declaração tem idoneidade para fazer prova de um facto juridicamente relevante, ou seja, se contém uma função probatória.
Salvo o muito respeito por entendimento diverso, encontramos a resposta no sentido positivo.
Desde logo, a declaração em causa destina-se a demonstrar a “situação económica desfavorecida” em que se encontra o agregado familiar interessado em candidatar-se ao arrendamento de habitação social, que é, sem dúvida, um facto juridicamente relevante para efeitos de atribuição de habitação social, pois só os agregados familiares que se encontrem naquela situação económica é que podem ter essa oportunidade.
Nos termos da al. 2) do n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, se o valor total de rendimento e património líquido declarado for superior aos limites estabelecidos por despacho do Chefe do Executivo, os respectivos candidatos ficam logo excluídos do concurso público; caso contrário serão os candidatos admitidos e incluídos na lista provisória de espera.
É verdade que, mesmo admitidos na lista provisória, a candidatura dos candidatos será cancelada se se detectar que eles prestaram declarações falsas ou inexactas, ao abrigo do n.º 2 do artigo 6.º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, não havendo possibilidade de se estabelecer definitivamente a relação jurídica.
No entanto, face à dificuldade, até impossibilidade prática, de averiguar, por parte do Instituto de Habitação, se os candidatos têm rendimento e património no exterior da RAEM ou se os detêm na RAEM por interposta pessoa, eles podem ser também incluídos na lista definitiva, pelo que não se deve negar, na medida absoluta, que a respectiva declaração tenha assumido um papel probatório.
Por outras palavras, face à relevância jurídica da declaração em causa, inclinamo-nos a entender que tal declaração contém uma função probatória, sendo um meio idóneo para provar a situação concreta do património dos candidatos, a fim de serem incluídos na lista provisória, até na lista definitiva, com vista à atribuição de habitação social, nomeadamente quando tomamos em consideração a dificuldade, até impossibilidade, prática que o Instituto de Habitação sente, com certeza, em exercer a faculdade conferida por lei de averiguar e confirmar se os candidatos têm algum rendimento e património no exterior da RAEM ou se os detêm na RAEM por interposta pessoa.
Assim, é de dizer que a referida faculdade legalmente conferida ao Instituto de Habitação não retira a relevância jurídica atribuída também por lei à declaração de rendimento e património nem desonera a sua função probatória.
É de concluir pela idoneidade da declaração em causa para provar um facto juridicamente relevante susceptível de criar uma relação jurídica.
2.4. Acrescentando, é de notar que o Regulamento Administrativo n.º 25/2009 e o Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social, aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, foram revogados pela Lei n.º 17/2019 (Regime Jurídico da Habitação Social) e pelo Regulamento Administrativo n.º 30/2020 (Regulamentação do Regime Jurídico da Habitação Social), respectivamente.
No regime actualmente vigente, continua a ser um dos requisitos necessários para a candidatura o agregado familiar interessado se encontrar “em situação económica desfavorecida” (artigo 7.º n.º 1 e artigo 3.º, al. 2 da Lei n.º 17/2019).
A candidatura a habitação social é feita mediante a entrega no Instituto de Habitação do boletim de candidatura, cujo modelo é fixado por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial da RAEM, acompanhado dos documentos comprovativos do rendimento dos elementos do agregado familiar e documentos comprovativos do património líquido dos elementos do agregado familiar, para além de outros (artigo 3.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020).
Após a apresentação da candidatura, o Instituto de Habitação procede à apreciação preliminar das candidaturas, à numeração da candidatura e depois à apreciação da habilitação das candidaturas (artigos 4.º a 6.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020).
A apreciação da habilitação é feita de acordo com a numeração das candidaturas, sendo apenas admitidas as que reúnem os requisitos legais. As candidaturas são indeferidas se o candidato “prestar declarações falsas ou informações inexactas ou uso de qualquer meio fraudulento nos procedimentos da candidatura”, caso em que também não será efectuada a atribuição e excluída a candidatura (artigo 6.º n.ºs 1 e 3, al. 3 e artigo 9.º, al. 3 do Regulamento Administrativo n.º 30/2020).
E as candidaturas admitidas são classificadas pelo Instituto de Habitação, em conformidade com o mapa de pontuação fixado por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial, sendo que a pontuação de cada candidato se baseia “nas informações prestadas no boletim de candidatura e nos documentos que o acompanham” e que a pontuação obtida não pode ser alterada, excepto nas circunstâncias previstas no referido despacho do Chefe do Executivo e no próprio regulamento administrativo. Efectuado o cálculo da pontuação, o Instituto de Habitação notifica o candidato do resultado. (artigo 7.º n.ºs 1, 2, 3 e 5 do Regulamento Administrativo n.º 30/2020)
Ora, no regime ora vigente já não se encontra nenhuma referência expressa à chamada “declaração de rendimento e de património líquido dos elementos do agregado familiar”, o que não deixa de ser, no entanto, e conforme a lógica das coisas, parte integrante do boletim de candidatura a habitação social preenchido e apresentado pelos candidatos, pois, quando a lei fala nos documentos comprovativos do rendimento e do património líquido dos elementos do agregado familiar e na prestação de declarações falsas ou informações inexactas, tal como já foi referido, naturalmente está a exigir aos candidatos que façam declarações sobre a situação económica do agregado familiar.
E no rendimento e património líquido do agregado familiar estão incluídos tanto o proveito auferido na RAEM ou no exterior como activos patrimoniais detidos na RAEM ou no exterior, designadamente contas bancárias, imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais, quotas, acções, participações ou outras partes sociais de capital em sociedades civis ou comerciais, direitos sobre embarcações, aeronaves ou veículos, valores mobiliários, bem como numerário, direitos de crédito, obras de arte, joalharia ou outros bens de valor superior a 5 000 patacas, sendo deduzidos os débitos de valor superior a 5 000 patacas (artigo 3.º, al.s 9 e 10 da Lei n.º 17/2019, redação esta que também se encontra no n.º 4 do artigo 4.º do já revogado Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social).
Por outro lado, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 9.º da Lei n.º 17/2019, o candidato deve autorizar por escrito o Instituto de Habitação a consultar as suas contas bancárias e fornecer a documentação relevante que lhe for solicitada e, para verificar as declarações ou informações prestadas pelo candidato, pode o Instituto de Habitação solicitar colaboração de entidades privadas, que têm o dever de prestá-la.
Postas tais disposições legais no regime actual que têm interesse no presente caso, é de dizer que o entendimento exposto no ponto 2.3. no âmbito do regime já revogado é também válido.
Mesmo que ao Instituto de Habitação continue a ser conferida a faculdade de solicitar colaboração de todas entidades, públicas e privadas, a fim de verificar as declarações ou informações prestadas pelos candidatos, certo é que se mantém sempre a enorme dificuldade, até impossibilidade, de averiguar se os candidatos têm rendimento e património no exterior da RAEM ou se os detêm na RAEM por interposta pessoa, repetindo.
Com a simplificação de procedimento administrativo verificada no novo regime jurídico da habitação social, torna-se ainda mais relevante a declaração patrimonial prestada pelo candidato, pois resulta claramente do artigo 7.º do Regulamento Administrativo n.º 30/2020 que a pontuação de cada candidato, em princípio não alterada, tem por base “as informações prestadas no boletim de candidatura e nos documentos que o acompanham”, incluindo as declarações sobre o rendimento e o património do agregado familiar, enquanto a classificação de candidaturas admitidas é feita em conformidade com o mapa de pontuação.
2.5. No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância fez consignar o seguinte:
Os candidatos “apresentam a Declaração de Rendimentos e Património Líquido, não para simplesmente fazer uma declaração de bens patrimoniais e interesses junto das autoridades competentes, mas sim para obter qualidade adequada a fim de serem incluídos na lista definitiva de espera e, em última análise, vir a ser-lhes concedida a habitação social, razão pela qual estão em causa os interesses públicos da comunidade e de um grupo não especificado de pessoas. A habitação social é um regime de bem-estar social criado pelo Governo para servir as pessoas com baixo rendimento e faz parte dos recursos públicos. Cada requerente (agregado familiar) que se candidate a habitação social deve declarar fielmente os seus bens patrimoniais e interesses nos termos legais, e entretanto, deve acreditar naturalmente que as declarações apresentadas pelos outros candidatos (agregados familiares) são também prudentes, verdadeiras e críveis, caso contrário, causará necessariamente a falta de confiança do público na seriedade e veracidade do processo de declaração da habitação social, levando à injustiça e desigualdade. Neste sentido, o teor da Declaração de Rendimentos e Património Líquido é, sem dúvida, um facto juridicamente relevante e tem a idoneidade de provar os factos juridicamente relevantes.
Embora os documentos apresentados pelo candidato (agregado familiar) possam ser objecto de uma nova verificação posterior pela autoridade competente através de outros meios de prova no decorrer de apreciação e atribuição de habitação social, a verdade é que, os actos dos serviços públicos no exercício das suas funções não alteram a natureza jurídica dos documentos da declaração. O ponto crucial é que a obrigação legal que impende sobre os interessados no sentido de declarar fielmente os seus bens patrimoniais e interesses decorre da sua expectativa na obtenção dos recursos públicos e está directamente relacionada com os interesses públicos, não sendo assim dispensada por causa duma verificação superveniente por parte dos serviços públicos, nem pelo facto de não haver consequências jurídicas desfavoráveis por não ter feito uma declaração fiel.
…
Ao abrigo das disposições acima referidas, o Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social definiu expressamente como ‘documento’ a Declaração de Rendimentos e Património Líquido e através da apreciação do requerimento e dos ‘documentos’ apresentados pelo candidato pode-se decidir se o mesmo pode ser admitido na lista de espera, constituindo sem dúvida a Declaração de Rendimentos e Património Líquido um ‘documento’ essencial para a decisão.
É certo que, a Lei n.º 17/2019 e o Regulamento Administrativo n.º 30/2020 ora vigentes são diferentes dos regulamentos que estavam em vigor quando os dois recorridos praticaram os factos em causa.
…
A lei nova não elencou a Declaração de Rendimentos e Património Líquido dos elementos do agregado familiar como um ‘documento’ autónomo a apresentar, mas incorpora-a no requerimento, prevendo expressamente que são de apresentação obrigatória os documentos comprovativos do rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar, o que não significa, porém, que deixa de ser documento a Declaração de Rendimentos e Património Líquido dos elementos do agregado familiar.
Ademais, da perspectiva do conteúdo a ser declarado na Declaração de Rendimentos e Património Líquido.
Na Declaração do Rendimento e Património Líquido, os elementos a declarar incluem não só o depósito bancário, como também o numerário, a joalharia, as obras de arte e outros bens, detidos não só na RAEM mas também no exterior. Nem todos estes activos patrimoniais são aqueles em relação aos quais se pode emitir certificados ou que estão em condições de ser verificados pela Administração. Nesta conformidade, tendo ponderado sinteticamente o fim, o princípio e a necessidade do processo da atribuição de habitação social, não é difícil concluir que a Declaração de Rendimentos e Património Líquido nos autos tem as características próprias de ser usada adequadamente para provar factos juridicamente relevantes.”
Concordamos com tais considerações e posição.
2.6. Concluindo, é de considerar como “documento” referido na alínea a) do artigo 243.º do Código Penal a declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar apresentada pelos interessados em candidatar-se ao concurso para efeito de atribuição de habitação social.
Daí que os candidatos que prestem falsas declarações sobre o rendimento e o património líquido dos elementos do agregado familiar, quando preencherem e assinarem a respectiva declaração de rendimento e património líquido dos elementos do agregado familiar (ou o boletim de candidatura à habitação social), cometem o crime de falsificação de documento previsto e punido na alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
2.7. O caso concreto
Por acórdão ora recorrido, foram os arguidos condenados na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, pela prática de um crime de falsificação de documento previsto e punido na alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.
Face à nossa posição acima exposta, não merece censura a decisão posta em causa no presente recurso, no que respeita à qualificação jurídica dos factos ilícitos.8
———
8 Não cabe apreciar as penas concretamente aplicadas (artigo 390.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal).
3. Decisão
Face ao expendido, acordam em:
A) Negar provimento ao recurso.
B) Nos termos do artigo 427.º do Código de Processo Penal, fixar a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais da RAEM:
“As falsas declarações constantes do boletim de candidatura à habitação social, incluindo na declaração de rendimentos e património líquido dos elementos do agregado familiar a que se refere a alínea 3) do n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento de Candidatura para Atribuição de Habitação Social aprovado pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 296/2009, integram a prática do crime de falsificação de documento previsto e punível pela alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal.”
C) Ordenar o cumprimento do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal.
Sem custas.
22 de Fevereiro de 2023
Juízes: | Song Man Lei (Relatora) | |
José Maria Dias Azedo | ||
Sam Hou Fai | ||
Tong Hio Fong | ||
Choi Mou Pan | (Embora tenha assumido a posição contida na sentença de fundamento no presente recurso, mudei esta posição depois da reponderação das mesmas questões envolvidas na ocasião da assinatura da decisão recorrida.) |
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