Pelo Boletim Oficial de Macau passou o essencial da vida pública de Macau e passaram as suas mais importantes realizações.
Sem ele, não teria eficácia local a carta magna que ao Território se dirigia o Estatuto Orgânico de Macau; nem aqui produziria efeitos a Declaração Conjunta Luso-Chinesa. Tão pouco existiriam as leis que protegem os direitos, liberdades e garantias dos habitantes desta terra, ou tribunais independentes para as fazer cumprir.
E foi ainda nestas páginas que os grandes códigos disciplinadores de toda a vida colectiva vêem luz e que Macau aparece ligado, de forma ampla e diversificada, à comunidade internacional, pelos inumeráveis tratados e convenções que constituem o quadro externo da sua actuação jurídica na regulação de actividades e procedimentos, na tutela dos direitos das pessoas, na legítima participação nos fora internacionais.
Pelo Boletim Oficial de Macau passaram, também, os actos da Administração e toda a malha jurídica da actividade económica-social de Macau, desde os concursos públicos às concessões, sem esquecer a constituição de sociedades comerciais, a disciplina dos registos e notariado, o início e o termo de funções dos servidores públicos.
De tudo isto, emerge o Boletim Oficial de Macau como um segmento incontornável da historiografia do Território; e emergem todos os que fizeram, ao longo dos tempos, o jornal oficial, que todos merecem honra, louvor e merecido reconhecimento de Portugal precisamente aqui, onde se foi tornando público tudo quanto em Macau devia ser publicitado.
O Presidente da República
Jorge Sampaio
Um fim arrasta sempre outros fins. Com o termo da Administração Portuguesa do território de Macau, são muitas as expressões dessa Administração que atingem o seu termo.
Uma delas e das mais expressivas é a publicação do último número do Boletim Oficial de Macau. Após mais de quatro séculos de presença portuguesa, traduzida por igual duração do encontro entre Portugal e a China, entre o Ocidente e o Oriente, chega a hora do adeus. Um adeus que não será para sempre, mas até formas renovadas de cooperação e estima recíproca.
A presença portuguesa em Macau correspondeu a uma era que finda. Prolongá-la para lá dessa evidência seria forçar a natureza das coisas. Aceitar sem resistência os determinismos da história é demonstração de sabedoria. A sabedoria de duas velhas nações com uma grande cultura e uma grande história.
Duas nações, para além disso, organizadas politicamente em Estados que há séculos se regem por leis. Leis que exprimiram a vontade do Príncipe sempre que não traduziram a vontade do Povo. Não obstante, o Estado Português como a generalidade dos Estados nem sempre teve a mesma relação com a lei. Tempo houve em que foi mais um governo de homens nem sempre príncipes do que um Governo de leis.
Deixaremos Macau no preciso momento em que somos por certo mais do que nunca um verdadeiro e típico Estado de Direito, caracterizado pela sujeição ao direito, pela actuação através do direito, e pela positivação de normas jurídicas informadas pela ideia de direito (Gomes Canotilho, em «Estado de Direito»).
O Estado de Direito arroga-se vocação universalizante, sem embargo de o nazismo e os fascismos terem sido gerados no seu seio.
Confortemo-nos: aniquilados também.
Uma lei, para poder ser respeitada, tem de revestir uma forma que lhe assegure o requisito da certeza, e uma difusão que lhe garanta o mais possível o conhecimento daqueles de quem se exige o seu acatamento, sem benefício dimanante da ignorância dela.
O Boletim Oficial de Macau foi o instrumento de que a Administração Portuguesa se serviu para atingir esse objectivo duplo. E cumpriu galhardamente esse seu dever, saindo com assinalável pontualidade ao encontro dos residentes no território. Foi respeitado. Foi útil. Assegurou publicidade às leis e outras injunções e certeza ao direito que delas emergia.
Que leis? Que injunções? As que traduziam o poder instituído no território e a vontade da autoridade que exercia esse poder. Um poder e uma autoridade que procuraram sempre, como lhes competia, agir de acordo com os valores e o sentimento colectivo dos destinatários. Essa é, como se sabe, uma condição básica de acatamento da norma jurídica ou do acto administrativo.
Nessa medida, o Boletim Oficial desempenhou também o papel de mensageiro de justiça e paz social.
Chega pois a hora de dizer adeus a esse velho companheiro. Mas não se julgue que, ao deixar de publicar-se, se esgota a sua utilidade. Longe disso!
Quis a grande Nação Chinesa que, na sequência do princípio «Um País Dois Sistemas», o território de Macau passe a reger-se por um «Estatuto Especial» caracterizado por um alto grau de autonomia económica, administrativa, jurídica e judicial. Um dos aspectos mais salientes dessa autonomia consiste na vigência, durante os próximos cinquenta anos, do essencial do sistema jurídico da Administração Portuguesa. A tal ponto foi a tolerância e a sabedoria da grande China.
Pois bem: sendo assim, o velho Boletim Oficial, registo matriz do «legado» das leis portuguesas, constituirá, digamos assim, o «baú» onde se guardam os «tesouros» legislativos da legislação pregressa. Ou mais prosaicamente: o centro de dados, porventura condensado em registos informáticos de fácil reprodução e consulta, que dispara informação em direcção aos habitantes do território.
Rendamos-lhe, por isso, uma sentida homenagem. Ao suporte material que foi e continuará a ser, e aos que, pela sua sabedoria e o seu labor, redigiram as normas que a sua materialidade regista.
Não só a esses. Também aos que souberam negociar o acordo de vontades que tornou possível o entendimento das coisas que acabou por ser consagrado e terá início de execução no próximo dia 20 de Dezembro. Entre esses, o Governador Macau que viabilizou, de forma tão feliz, a passagem do testemunho.
O Presidente da Assembleia da República
António de Almeida Santos
Macau inicia a partir das zero horas de amanhã, dia 20 de Dezembro de 1999, uma nova e decisiva etapa da sua riquíssima vivência histórica.
A transmissão, de Portugal para a República Popular da China, da Administração do Território, será apropriadamente assinalada por cerimónias participadas pelas mais altas autoridades portuguesas e chinesas, num sinal claro do bem fundado da postura de entendimento, diálogo e cooperação, assumida pelos responsáveis dos dois países, durante o longo e complexo período de transição que agora chega a bom porto.
A data que, amanhã, assinalará a emergência mundial de uma nova entidade político-administrativa de amplo recorte autonómico a Região Administrativa Especial de Macau constitui, simultaneamente, o termo final de um processo historicamente exemplar, e o termo inicial de um caminho novo, cujos contornos serão definidos, no essencial, pelo querer e pelo saber da população de Macau.
Portugal honra-se de ter sido, a par da República Popular da China, parte interessada e actuante num processo, histórica e politicamente inovador, ética e humanamente exemplar.
A transferência da Administração de Macau, que amanhã se concretiza, obedeceu a um modelo de transição bilateralmente acordado, temporalmente definido, dotado de órgãos próprios para a discussão e a busca de soluções para os múltiplos problemas que se anteviam, implicando, por isso, uma postura mútua de realismo e lucidez de que, tanto Portugal, como a República Popular da China, deram sobejas provas ao longo de todo este processo.
Portugal orgulha-se de ter contribuído sem prejuízo dos princípios fundamentais para que a Região Administrativa Especial de Macau possa assumir, sem complexos, o carácter único e riquíssimo da sua História, utilizando-o como alicerce da sua identidade própria, num caminho futuro de ampla autonomia político-administrativa, económica e cultural.
Macau, dotado de órgãos próprios de governação, com uma população aberta ao multiculturalismo e à modernidade, com uma situação económica sólida e próspera, continuará a ser como sempre foi um elo de ligação entre o Ocidente e o Oriente, um ponto de encontro e de diálogo entre Portugal e a China, e o porto, seguro e amigo, para todos os portugueses que, de forma crescente, vão continuar a demandar estas paragens longínquas, por razões económicas, por razões de lazer, mas, sobretudo, por razões de profunda e imperecível afectividade.
O Primeiro-Ministro
António Manuel de Oliveira Guterres
O Conselho Consultivo, instituição que apoiou o Governador de Macau nas suas decisões e acções, constituiu um apoio essencial pelo sentido de ponderação e pela experiência e conhecimentos de todos os seus membros, razão para lhes endereçar os meus cordiais agradecimentos.
Essa colaboração teve uma qualidade inestimável, os conselhos foram de uma utilidade indiscutível e foi possível, nas reuniões que regularmente foram realizadas, acompanhar em detalhe o funcionamento dos organismos e serviços públicos e a preparação dos diplomas legais e regulamentares que posteriormente foram aprovados e publicados no Boletim Oficial de Macau.
Quero sublinhar a lealdade, a abertura e o sentido de confiança que sempre encontrei nos trabalhos do Conselho Consultivo e quero afirmar a minha firme convicção de que tanto o Governador como todos os Secretários-Adjuntos muito ficam a dever a cada um dos membros do Conselho Consultivo.
Esta também é a oportunidade adequada para expressar a minha gratidão e reconhecimento a toda a Administração Pública de Macau.
As obras políticas não são independentes da qualidade das equipas que integram os organismos e serviços públicos, pois são elas que tornam realidade, com competência, com inteligência e com sentido de equilíbrio, as orientações estratégicas do Governo.
A responsabilidade da boa governação, assumida e exercida por um sistema administrativo dedicado e eficiente, é um dos alicerces fundamentais para a continuidade e sustentabilidade dos processos de modernização técnica e administrativa.
A Administração Pública de Macau soube organizar as suas competências sectoriais, revelou uma efectiva capacidade de coordenação de projectos complexos e provou que respeitaria todas as condições necessárias para a preparação da transferência de responsabilidades para os órgãos próprios da Região Administrativa Especial de Macau, de modo a que a transição se processe sem descontinuidades, sem prejuízos para a população e sem pôr em causa a imagem internacional de Macau.
Hoje, prestadas as provas e apresentados os objectivos cumpridos, é compreensível que se esqueçam as dificuldades superadas e as dúvidas ou incompreensões alimentadas, em certos momentos, por alguma desconfiança ou incerteza.
O que importa é que os desafios foram assumidos, enfrentados e vencidos.
O que de mais importante se fez no passado continuará, sem dúvida, a ser feito também no futuro.
Macau tem, no seu sistema administrativo e nos funcionários que o servem, um eficaz e poderoso instrumento de resposta às necessidades da sua população e de promoção sustentada dos processos do funcionamento eficaz da Administração Pública de Macau.
Uma Administração Pública eficaz é um factor estratégico fundamental numa sociedade onde a iniciativa privada tem um papel predominante e onde é essencial preservar uma estrita disciplina financeira, com orçamentos equilibrados e sem que o sistema fiscal se torne uma razão de atrofiamento das iniciativas ou um motivo que afaste os investidores internacionais.
Por tudo o que foi feito, é meu dever louvar toda a Administração Pública de Macau, sublinhando aqueles valores que não aparecem nas estatísticas, mas que são os mais importantes indicadores de qualidade: o seu sentido de equipa, a sua capacidade para participar na formação de consensos e a sua permanente procura de entendimento numa realidade social multicultural.
É justamente neste contexto que devo também recordar hoje as muitas gerações de portugueses que, em diferentes funções e em diversos níveis de responsabilidades, tudo deram a este Território e às suas gentes. Todos aqui deixaram obras e sonhos. Muitos aqui ficaram para sempre. Todos merecem a homenagem que lhes é devida por parte dos que assumem a responsabilidade de continuar a construir o futuro.
Deixamos escrita em Macau uma mensagem para o futuro: tornar Macau atractivo para as forças da modernização e do desenvolvimento, com respeito e garantia jurídica dos direitos individuais, com um sistema político próprio, com qualidade de vida, com equipamentos e instituições com capacidade para enfrentar os desafios da globalização competitiva.
Macau tem uma rede de acessibilidades consolidada, tem um quadro eficaz para a formação profissional e avançada dos seus recursos humanos, tem um dispositivo moderno de segurança social, de serviços de saúde e de apoio a grupos carenciados, tem uma efectiva qualidade urbana e tem uma rede de relações regionais e internacionais que lhe permitem realizar a sua vocação como plataforma de cooperação e como base de entendimento.
Este foi o modo de continuarmos o papel histórico de Portugal, a construção do mundo integrado.
Cumpridos os objectivos estabelecidos na Declaração Conjunta, construídas as condições estruturantes da modernização de Macau, asseguradas as bases da autonomia da Região Administrativa Especial de Macau, podemos afirmar, com sentido do dever, que o Governo, o Conselho Consultivo que o apoiou e todos os que integram a Administração Portuguesa de Macau souberam construir a ponte do entendimento para o futuro, souberam unir Portugal e a China, souberam acrescentar valor a Macau.
O Governador
Vasco Rocha Vieira