O apoio judiciário encontra ainda a sua sede legal no Decreto-Lei n.º 33 548, de 23 de Fevereiro de 1944, cuja aplicabilidade foi estendida a Macau através da Portaria n.º 11 502, de 2 de Outubro de 1946, quadro normativo que se encontra hoje completamente desajustado da realidade.
A par de uma assistência meramente compassiva, resulta daquele diploma um pesado e pouco atraente mecanismo para a sua concessão que não se adequa às exigências actuais do sistema de acesso aos tribunais e à protecção jurídica.
Reconhecendo a necessidade de uma reforma neste domínio, o artigo 14.º da Lei n.º 21/88/M, de 15 de Agosto, determinou a regulamentação por decreto-lei do sistema de apoio judiciário, diploma que agora se publica.
Nestes termos;
Ouvida a Associação dos Advogados de Macau;
Ouvido o Conselho Consultivo;
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 21/88/M, de 15 de Agosto, e nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do Estatuto Orgânico de Macau, o Governador decreta, para valer como lei no território de Macau, o seguinte:
1. O apoio judiciário compreende a dispensa, total ou parcial, do pagamento de preparos ou do pagamento de preparos e custas, ou o seu diferimento, e bem assim o patrocínio oficioso.
2. De iguais benefícios goza o interessado para obter o apoio judiciário.
3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, as custas são devidamente contadas.
1. O regime do apoio judiciário aplica-se em todas as jurisdições, qualquer que seja a forma do processo.
2. O apoio judiciário é independente da posição processual que o requerente ocupe na causa e do facto de ter sido já concedido à parte contrária.
3. Nos processos criminais o apoio judiciário apenas pode ser concedido aos acusados e àqueles de cuja acusação depende o exercício da acção penal.
4. O apoio judiciário concedido para procedimento cautelar vale para a acção de que este for dependência e o concedido para a acção é também válido para a execução fundada na sentença nela proferida.
5. O apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa, mantém-se para efeitos de recurso e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que a concessão se verificar.
O apoio judiciário pode ser requerido:
a) Pelo próprio interessado ou por advogado ou advogado estagiário em sua representação, bastando para comprovar a representação as assinaturas conjuntas do interessado e do patrono;
b) Pelo Ministério Público em representação do interessado;
c) Por patrono, nomeado pelo juiz para esse efeito, a pedido do interessado ou do Ministério Público.
1. Têm direito ao apoio judiciário todos aqueles que residam no território de Macau, ainda que temporariamente, e que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para custear, no todo ou em parte, os encargos normais de uma causa judicial.
2. O direito ao apoio judiciário é extensivo às pessoas colectivas e outras entidades com personalidade judiciária, sediadas ou com administração principal em Macau, quando façam a prova a que se refere o número anterior.
1. A insuficiência económica do requerente do apoio judiciário pode ser provada por qualquer meio idóneo, designadamente:
a) Atestado de situação económica emitido pelo Instituto de Acção Social de Macau;
b) Certidão comprovativa de que o requerente se encontra a cargo da assistência pública.
2. Os documentos a que se refere o número anterior devem mencionar expressamente que se destinam a instruir um pedido de apoio judiciário.
1. Goza da presunção de insuficiência económica:
a) Quem estiver a receber alimentos por necessidade económica;
b) Quem reunir as condições exigidas para a atribuição de quaisquer subsídios em razão da sua carência de rendimentos;
c) O filho menor, para efeitos de investigar ou impugnar a sua maternidade ou paternidade ou para acção de outra natureza contra progenitor;
d) O requerente de alimentos;
e) Quem tiver rendimentos anuais, provenientes do trabalho, iguais ou inferiores ao limite de isenção de pagamento do imposto profissional;
f) Os titulares de direito de indemnização por acidente de viação.
2. Deixa de constituir presunção de insuficiência económica o facto de o requerente fruir, além dos referidos na alínea e) do número anterior, outros rendimentos próprios ou de pessoas a seu cargo que, no conjunto, ultrapassem o triplo do montante equivalente ao limite de isenção de pagamento do imposto profissional.
O apoio judiciário não pode ser concedido:
a) Às pessoas a respeito das quais haja fundada suspeita de que alienaram ou oneraram todos ou parte dos seus bens para se colocarem em condições para o obter;
b) Aos cessionários do direito ou objecto controvertido, ainda que a cessão seja anterior ao litígio, quando tenha havido fraude.
A concessão do apoio judiciário compete ao juiz, constituindo um incidente do respectivo processo se requerida durante a pendência da acção, e admitindo oposição da parte contrária.
1. Caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía à data do pedido, ou que adquiriu no decurso da causa e até ao fim desta, meios suficientes para pagar os honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento, é notificado para, no prazo que lhe for fixado pelo juiz, efectuar o respectivo pagamento, sob pena de ser instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias.
2. A acção a que se refere o número anterior segue sempre a forma sumaríssima, qualquer que seja o seu valor, e as importâncias nela cobradas revertem para o Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado.
3. O disposto nos números anteriores não prejudica a instauração de procedimento criminal se, para beneficiar do apoio judiciário, o requerente cometer crime previsto na lei penal.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores e do direito de regresso contra o beneficiário, os honorários e reembolso de despesas dos patronos são suportados pelo Cofre de Justiça e dos Registos e Notariado.
5. O direito de regresso a que se refere o número anterior prescreve decorridos cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da sentença na acção em que o apoio judiciário foi concedido.
1. O apoio judiciário é revogado pelo juiz:
a) Se o beneficiário adquirir meios suficientes para poder dispensá-lo;
b) Quando se prove por novos documentos a insubsistência das razões pelas quais foi concedido;
c) Se os documentos que serviram de base à concessão forem declarados falsos por decisão transitada em julgado;
d) Se o beneficiário for condenado, por decisão transitada em julgado, como litigante de má fé;
e) Se, em acção de alimentos provisórios, for atribuída ao beneficiário uma quantia suficiente para as despesas da demanda.
2. No caso da alínea a) do número anterior, o beneficiário deve declarar, logo que o facto se verifique, que está em condições de dispensar o apoio judiciário, sob pena de ficar sujeito às sanções previstas para a litigância de má fé.
3. O apoio judiciário pode ser revogado oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público, da parte contrária, ou do patrono nomeado.
4. Com o requerimento de revogação do apoio judiciário são oferecidas todas as provas, devendo o beneficiário ser ouvido sempre que não tenha tomado a iniciativa de desistir.
O apoio judiciário caduca pelo falecimento da pessoa singular ou pela extinção ou dissolução da pessoa colectiva a quem foi concedido, salvo se os sucessores na lide, notificados para o efeito ao deduzirem a sua habilitação, o requererem e lhes for deferido.
1. Para a elaboração do pedido de apoio judiciário, pode o interessado, por si ou pelo Ministério Público, requerer ao juiz a nomeação de patrono, declarando especificamente qual a sua situação económica.
2. O patrono nomeado deve formular o pedido de apoio judiciário nos trinta dias seguintes à notificação da nomeação e, se não o fizer, deve justificar o facto.
3. Quando não for apresentada, ou for julgada improcedente, a justificação a que se refere o número anterior, o juiz deve substituir o patrono e, se este for advogado, dar conhecimento da decisão à Associação dos Advogados de Macau para apreciação de eventual responsabilidade disciplinar.
4. O requerimento referido no n.º 1 e o processado subsequente, quando anteriores à propositura da acção, serão oportunamente apensados ao processo principal.
1. O requerimento para a nomeação de patrono a que se refere o artigo anterior, formulado na pendência da acção, determina a suspensão da instância, salvo se for manifesto que tem natureza dilatória ou, em processo penal, se houver arguidos presos.
2. O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido conta-se de novo, por inteiro, a partir do momento da notificação do despacho que dele conhecer.
A nomeação de advogado, advogado estagiário ou solicitador para requerer o apoio judiciário é válida para a própria causa, salvo motivo ponderoso.
1. O pedido de apoio judiciário é formulado nos articulados da acção a que se destina, ou em requerimento autónomo quando for anterior à propositura da acção, ou posterior à fase dos articulados ou a causa os não admita.
2. O requerente deve alegar sumariamente os factos e as razões de direito que interessam ao pedido, oferecendo logo todas as provas.
3. Na petição o requerente deve mencionar os rendimentos e remunerações que recebe, os seus encargos pessoais e de família e as contribuições e impostos que paga, salvo se aplicável presunção de insuficiência económica.
4. Dos factos referidos no número anterior não carece o requerente de oferecer prova, mas o juiz pode mandar investigar a sua exactidão quando o tiver por conveniente.
1. O pedido de apoio judiciário importa:
a) A não exigência imediata de quaisquer preparos;
b) A suspensão da instância, se for formulado em articulado que não admita resposta ou quando não sejam admitidos articulados.
2. O prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido suspende-se por efeito da apresentação deste e voltará a correr de novo a partir da notificação do despacho que dele conhecer.
3. Em processo penal não se suspende a instância havendo arguidos presos.
1. Formulado o pedido de apoio judiciário o juiz profere logo despacho liminar quanto à sua admissibilidade e efeitos.
2. O pedido de apoio judiciário deve ser liminarmente indeferido quando for evidente que a pretensão do requerente, ou a causa para que aquele é pedido, não pode proceder.
1. Não sendo indeferido o pedido, a parte contrária é citada ou notificada para deduzir oposição.
2. Se o apoio judiciário for requerido no articulado ou requerimento inicial, a citação a que se refere o número anterior faz-se juntamente com a citação para a acção ou procedimento.
3. A citação ou notificação não se pode efectuar enquanto a acção ou procedimento não admita a intervenção do requerido.
4. No pedido de nomeação prévia de patrono não há lugar à citação ou notificação a que se referem os números anteriores.
1. A oposição é deduzida no articulado da acção seguinte ao do pedido ou, não o havendo, em articulado próprio, no prazo de cinco dias.
2. Com a oposição são oferecidas todas as provas.
O juiz pode ordenar as diligências que lhe pareçam indispensáveis para decidir o incidente do apoio judiciário.
1. A decisão que conceder o apoio judiciário, a proferir no prazo de oito dias, deve especificar se este é total ou parcial.
2. A decisão de nomeação do patrono é notificada a este e ao interessado, com menção expressa, neste caso, do nome e escritório do patrono, bem como do dever de lhe dar colaboração.
3. Na decisão o juiz deve ponderar da repercussão que a eventual condenação em custas poderá vir a ter para o património do requerente.
4. Se o apoio judiciário for negado, é notificado o requerente para efectuar os preparos e demais pagamentos de que tenha sido dispensado, no prazo e sob a cominação constantes da lei de custas, bem como, sendo caso disso, para constituir patrono que o represente, no prazo que o juiz fixar.
1. A decisão que concede o apoio judiciário é irrecorrível.
2. Da decisão que o nega cabe agravo, em um só grau, com efeito suspensivo e de subida imediata nos próprios autos.
1. O indeferimento do pedido de apoio judiciário não obsta a que seja renovado com fundamento em circunstâncias de facto superveniente.
2. Quando, em recurso limitado ao mérito da causa, for reconhecido que a pretensão oferece condições de viabilidade, é admitida a repetição do pedido de apoio judiciário se houver sido negado por falta desse pressuposto.
1. As custas do incidente do apoio judiciário ficam a cargo da parte vencida, não havendo, porém, custas se o apoio for concedido sem oposição.
2. Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os articulados, requerimentos, certidões e quaisquer outros documentos, incluindo actos notariais e de registo, para fins de apoio judiciário.
3. No incidente processual de apoio judiciário não são devidos preparos.
1. O patrocínio oficioso é exercido, consoante as necessidades da causa, por advogado, advogado estagiário ou solicitador, nomeados pelo juiz mediante escala.
2. Na falta ou impedimento de advogados o patrocínio também pode ser exercido por advogado estagiário, mesmo para além da sua competência própria.
3. Para os efeitos do disposto nos números anteriores, a Associação dos Advogados de Macau organiza as escalas que entender convenientes e remete-as aos tribunais, até ao dia 15 de Dezembro anterior ao ano em que vão vigorar, devendo comunicar a estes todas as alterações a introduzir nas escalas.
4. É atendível a indicação pelo requerente de advogado ou solicitador, quando estes declarem aceitar a prestação dos serviços requeridos.
1. O patrono nomeado antes da propositura da acção deve intentá-la nos trinta dias seguintes à notificação da sua nomeação e, se não o fizer, deve justificar o facto.
2. Quando não for apresentada, ou for julgada improcedente, a justificação a que se refere o número anterior, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 12.º
1. O patrono nomeado pode pedir escusa, ocorrendo motivo justificado, mediante requerimento ao juiz da causa.
2. O requerimento é apresentado no prazo de cinco dias a contar da notificação da nomeação ou, se o patrono não tiver dado prévia anuência à nomeação ou se o facto que fundamenta o pedido de escusa for superveniente, a partir do momento em que chegou ao conhecimento do patrono esse mesmo facto.
3. Em caso de deferimento do pedido o juiz nomeará outro patrono.
4. O disposto no n.º 1 suspende o andamento da acção até à notificação da decisão e, sendo nomeado novo patrono, o prazo que estiver em curso no momento da formulação do pedido conta-se de novo, por inteiro, a partir do momento da notificação do respectivo despacho.
O apoio judiciário é negado ou revogado se a escusa foi concedida por algum dos fundamentos seguintes:
a) Não ser causa viável;
b) Não reunir o interessado as condições legais para requerer o apoio judiciário;
c) Ter-se verificado falta de informação ou diligência por parte do beneficiário.
1. Os advogados, advogados estagiários e os solicitadores têm direito a receber honorários pelos serviços prestados, assim como a serem reembolsados das despesas realizadas que devidamente comprovem, não podendo exigir ou receber quaisquer quantias além das que forem fixadas pelo juiz.
2. A decisão final da acção, qualquer que esta seja, deve fixar os honorários do advogado, advogado estagiário ou solicitador do beneficiário.
3. Os honorários constam de tabelas aprovadas por portaria do Governador, ouvida, no caso dos advogados, a Associação dos Advogados de Macau.
4. Nas tabelas referidas no número anterior deve prever-se um mínimo e um máximo dos honorários a fixar pelo juiz.
5. Na fixação dos honorários, dentro dos limites estabelecidos na tabela, o juiz deve ter em conta o tempo gasto, o volume e a complexidade do trabalho produzido, os actos ou diligências realizados, o valor constante da nota de honorários apresentada pelo advogado, advogado estagiário ou solicitador, bem como, quando for o caso, o valor da causa.
1. As atribuições neste diploma cometidas ao juiz são, nos tribunais superiores, desempenhadas pelo relator.
2. Das decisões finais do relator cabe apenas reclamação para a conferência.
O presente diploma não é aplicável aos processos de assistência judiciária pendentes à data da sua entrada em vigor.
São revogados:
a) Os artigos 10.º e 11.º da Lei n.º 21/88/M, de 15 de Agosto;
b) O Decreto-Lei n.º 33 548, de 23 de Fevereiro de 1944;
c) A Portaria n.º 11 502, de 2 de Outubro de 1946.
O presente diploma entra em vigor no dia 1 de Outubro de 1994.
Aprovado em 27 de Julho de 1994.
Publique-se.
O Governador, Vasco Rocha Vieira.