A presente lei introduz um novo regime do domínio público hídrico do território de Macau, adaptado às necessidades actuais.
O uso privativo dominial passa a poder ser objecto de concessão por arrendamento, desde que motivos de utilidade pública o justifiquem, tendo-se procurado, na definição das utilizações que justificam essa qualificação, o equilíbrio entre os interesses particulares dos investidores e o interesse geral do Território.
Nestes termos;
Tendo em atenção o proposto pelo Encarregado do Governo do Território;
Cumpridas as formalidades do artigo 48.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto Orgânico de Macau;
A Assembleia Legislativa decreta, nos termos do artigo 31.º, n.º 1, alíneas a) e j), do mesmo Estatuto, o seguinte:
Pertencem ao domínio público hídrico do Território os leitos e margens das águas navegáveis ou flutuáveis confinantes com o Território, as praias e os cais, pontes-cais, rampas de alagem e crenagem e planos ou carreiras de construção e reparação.
Consideram-se águas navegáveis as que forem acomodadas à navegação de embarcações e flutuáveis aquelas por onde se puderem fazer derivar objectos flutuantes.
1. Consideram-se leitos os terrenos cobertos pelas águas, quando não influenciados por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades, incluindo-se nos leitos os mouchões, lodeiros e areais neles formados por deposição aluvial.
2. Os leitos das demais águas sujeitos à influência das marés, são limitados pela linha da máxima praia-mar de águas vivas ou ainda pela aresta ou crista superior dos taludes ou muros marginais, linha que é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação ou em condições de cheias médias, respectivamente.
1. Consideram-se margens as faixas de terreno contíguas ou sobranceiras à linha que limita o leito das águas.
2. Sem prejuízo do disposto nos n.os 3, 4 e 5 seguintes, as margens das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição da autoridade marítima são, na península de Macau, coincidentes com os respectivos leitos e, nas Ilhas da Taipa e Coloane, têm a largura de dez metros ou a que vier a ser definida por portaria.
3. Nos portos existentes ou a criar no Território, as margens serão definidas, caso a caso, mediante portaria.
4. Quando tiver a natureza de praia, em extensão superior à estabelecida no n.º 2, as margens estendem-se até onde o terreno apresentar essa natureza.
5. Se aquela largura abranger outros bens dominiais, as margens para efeitos de jurisdição marítima, não os compreende, terminando onde aqueles começam.
6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito, mas se esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada da crista do alcantil.
1. São objecto de propriedade privada, sujeitas a servidões administrativas, as parcelas dos leitos e margens de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que sejam reconhecidas como privadas nos termos do número seguinte.
2. A propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve ser provada, por título legítimo, em como tais terrenos eram objecto de propriedade privada antes de 1 de Julho de 1870.
3. Na falta de documentos susceptíveis de comprovar a propriedade dos terrenos nos termos do número anterior, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, naquela data, estavam na posse em nome próprio de particulares.
4. Quando se mostre que os documentos anteriores a 1 de Julho de 1870 se tornaram ilegíveis ou foram destruídos por incêndio ou facto semelhante ocorrido na conservatória ou no registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que antes daquela data eram objecto de propriedade ou posse privadas.
1. Os leitos dominiais que forem abandonados pelas águas não acrescem às parcelas privadas da margem que porventura lhes sejam contíguas, entrando no domínio do Território, sem prejuízo da definição de margem estabelecida no artigo 4.º
2. Os terrenos conquistados às águas em resultado da execução de aterros nos leitos dominiais, integram-se no domínio privado do Território, sem prejuízo da definição de margem estabelecida no artigo 4.º
Quando haja parcelas privadas contíguas a leitos dominiais, as porções de terreno corroídas lenta e sucessivamente pelas águas consideram-se integradas no domínio público, sem que por isso haja lugar a qualquer indemnização.
1. Em caso de alienação, voluntária ou forçada, por acto entre vivos, de quaisquer parcelas reconhecidas como privadas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º, o Território goza do direito de preferência, de acordo com os artigos 416.º a 418.º e 1 410.º do Código Civil, podendo a preferência exercer-se apenas sobre a fracção do prédio que, nos termos dos artigos 3.º e 4.º, se integre no leito ou margem.
2. O Território pode proceder, nos termos da lei geral, à expropriação por utilidade pública de quaisquer parcelas privadas de leitos ou margens públicos sempre que isso se mostre necessário para submeter ao regime da dominialidade pública todas ou parte das parcelas privadas existentes em certa zona.
3. Os terrenos adquiridos pelo Território de harmonia com o disposto nos números anteriores ficam integrados no domínio público hídrico.
1. A delimitação dos leitos e margens dominiais confinantes com terrenos de propriedade privada compete ao Território, que a ela procederá oficiosamente ou a requerimento dos interessados.
2. Das comissões de delimitação farão parte representantes dos proprietários dos terrenos confinantes com os leitos ou margens dominiais a delimitar.
3. A delimitação, uma vez homologada pelo Governador, será publicada no "Boletim Oficial".
1. As parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitas à servidão de uso público no interesse geral do acesso às águas, e de passagem ao longo das águas, de pesca, de navegação ou flutuação, quando se trate de águas navegáveis ou flutuáveis, e ainda de fiscalização e polícia das águas pela autoridade marítima.
2. Nas parcelas privadas de leitos ou margens públicos, bem como no respectivo subsolo e no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras, permanentes ou temporárias, sem licença dos serviços competentes.
3. Os proprietários de parcelas privadas de leitos ou margens públicos estão sujeitos a todas as obrigações que a lei estabelece no que respeita à execução de obras hidráulicas, nomeadamente de correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza.
4. Se da execução pelo Território de qualquer das obras referidas no número anterior advierem prejuízos que excedam os encargos resultantes das obrigações legais dos proprietários, o Território indemnizá-los-á.
Os terrenos pertencentes ao domínio público hídrico podem ser objecto de uso privativo nas modalidades de concessão por arrendamento ou de uso ou ocupação a título precário.
1. São objecto de concessão por arrendamento os usos privativos que exijam a realização de investimentos em instalações fixas e indesmontáveis e sejam considerados de utilidade pública, e são objecto de licença todos os restantes usos privativos.
2. Consideram-se de utilidade pública, além dos que, como tal, forem declarados por despacho do Governador, os usos privativos para qualquer dos seguintes fins:
a) Aproveitamento de águas públicas por pessoas colectivas de direito público ou de utilidade administrativa e por empresas de interesse colectivo;
b) Exercício de actividades adstritas à função económica dos portos;
c) Instalação de postos para venda de combustíveis ou de estações de serviço para apoio à circulação rodoviária;
d) Edificação de estabelecimentos hoteleiros ou similares declarados de interesse para o turismo e de conjuntos turísticos como tais qualificados nos termos da legislação aplicável.
As concessões e licenças, enquanto se mantiverem, conferem aos seus titulares o direito de utilização exclusiva, para os fins e com os limites consignados no título constitutivo.
1. As concessões são outorgadas pelo prazo máximo de vinte e cinco anos e as licenças pelo período de um ano.
2. Em casos especiais, devidamente justificados, o Governador pode autorizar a outorga de concessão por prazo superior a vinte e cinco anos.
3. O prazo das renovações sucessivas das concessões e das licenças não pode exceder, para cada uma, dez anos e um ano, respectivamente.
1. A renda, que é anual, deve ser fixada no respectivo contrato.
2. O valor da renda é calculado segundo tabela aprovada por portaria.
3. As taxas de ocupação por licença são fixadas por portaria.
1. A transmissão de situações decorrentes das concessões depende de prévia autorização da entidade competente para o deferimento da concessão e poderá ser condicionada à revisão das respectivas condições.
2. O direito resultante da concessão por arrendamento pode ser objecto de hipoteca para garantia dos financiamentos necessários à prossecução dos fins que constem do respectivo título constitutivo.
1. No termo da concessão as obras executadas e as instalações fixas revertem gratuitamente para o Território.
2. Decorrido o prazo da licença as instalações desmontáveis devem ser removidas.
3. O disposto nos números anteriores é inaplicável em caso de renovação da concessão ou da licença, cuja renda ou taxa pode ser actualizada sem tomar em conta o valor das benfeitoras introduzidas.
1. As concessões podem ser rescindidas pela entidade concedente, quando se verificar qualquer dos seguintes casos:
a) Falta de pagamento da renda nos prazos contratuais ou legais;
b) Alteração não autorizada da finalidade da concessão ou do aproveitamento;
c) Violação das demais obrigações legais e contratuais para as quais haja sido estabelecido tal sanção.
2. Rescindido o contrato, o concessionário não terá direito a qualquer indemnização nem poderá levantar as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno.
3. A rescisão operada com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 1 não prejudica a cobrança das rendas em dívida, que sairão da caução depositada, devendo o remanescente ser cobrado em execuções fiscais.
4. O disposto no n.º 2 não prevalece sobre as cláusulas concessionais que disponham diversamente quanto a indemnização e levantamento de benfeitorias.
As licenças para ocupação a título precário cessam, quando:
a) O aproveitamento não tiver sido iniciado no prazo fixado;
b) O aproveitamento for interrompido por período superior ao permitido no respectivo título;
c ) Forem violadas as demais obrigações legais ou que especificamente hajam sido estabelecidas.
1. As concessões e as licenças podem ser extintas, mediante acto fundamentado, se os terrenos dominiais forem considerados necessários à utilização pelo público sob a forma de uso comum ou se outro motivo de interesse público assim o exigir.
2. A revogação das licenças não confere ao interessado direito a qualquer indemnização, podendo ser levantadas as benfeitorias que não afectem a utilidade económica do terreno.
3. A rescisão das concessões confere ao interessado direito a indemnização equivalente ao custo das obras realizadas e das instalações fixas não amortizadas, calculada em função do tempo que faltar para o termo da concessão, não podendo a indemnização exceder o valor das obras e instalações fixas no momento da rescisão.
1. Quando a área afecta ao uso privativo for reduzida em consequência de quaisquer causas naturais ou por conveniência de interesse público, o concessionário pode optar entre a redução proporcional da renda e a renúncia da concessão.
2. No caso de redução da área por conveniência de interesse público, o concessionário terá direito a ser indemnizado nos termos do n.º 3 do artigo anterior.
1. Se for abusivamente ocupada qualquer parcela dominial ou nela se executarem indevidamente quaisquer obras, a entidade competente ordenará a respectiva desocupação ou demolição no prazo que for marcado.
2. Decorrido o prazo fixado, se a ordem não se mostrar cumprida, sem prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem ou da efectivação da responsabilidade civil do contraventor pelos danos que causar, a entidade competente assegurará o destino normal da parcela ocupada, designadamente pelo recurso à força pública, ou mandará demolir as obras por conta do contraventor, sendo as despesas cobradas, pelo processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão passada pela entidade competente para ordenar a demolição, extraída de livros ou documentos donde conste a importância da despesa e com os demais requisitos exigidos na lei processual fiscal.
3. Se o interessado sustentar que o terreno ocupado lhe pertence, deverá requerer a respectiva delimitação, podendo a entidade competente autorizar, provisoriamente, a continuidade da utilização privativa.
Sempre que qualquer parcela se encontre afecta a um uso privativo e este for perturbado por ocupação abusiva ou outro meio, pode o titular da concessão ou licença requerer à entidade competente que tome as providências referidas no artigo anterior ou outras que se revelem mais eficazes, para garantia dos seus direitos.
A concessão e o uso ou ocupação a título precário regem-se, em tudo o que não estiver disposto nesta lei, pelas disposições legais aplicáveis à concessão por arrendamento e à ocupação por licença dos terrenos do domínio privado do Território, respectivamente.
1. As ocupações por licença autorizadas antes da entrada em vigor desta lei passam a reger-se por esta, sem necessidade de substituição do título.
2. Os actuais titulares de licenças de parcelas do domínio público hídrico, que possam ser objecto de concessão por arrendamento, devem requerer, no prazo de seis meses, contado da data da entrada em vigor desta lei, a sua conversão nesta modalidade de uso privativo.
O Governador publicará a legislação necessária à execução desta lei.
É revogada toda a legislação geral e especial que contrarie as disposições desta lei.
Aprovada em 15 de Julho de 1986.
O Presidente da Assembleia Legislativa, Carlos Augusto Corrêa Paes d'Assumpção.
Promulgada em 23 de Julho de 1986.
Publique-se.
O Governador, Joaquim Pinto Machado.