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Relatório
1. O DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE FINANÇAS interpôs o presente “recurso para uniformização de jurisprudência” do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância datado de 28.01.2021 e proferido nos Autos de Recurso Contencioso n.º 938/2020, (doravante designado “acórdão recorrido”), alegando, (essencialmente), que a solução aí perfilhada se encontrava em oposição a idêntica questão de direito decidida em sede do Acórdão do mesmo Tribunal de Segunda Instância, datado de 18.01.2018, e prolatado nos Autos de Recurso Contencioso n.º 576/2017, (doravante designado “acórdão fundamento”).
Nas suas alegações de recurso produz, a final, as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto do acórdão de 28 de Janeiro de 2021 que julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela recorrente, negando provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, que julgou procedente a oposição a execução fiscal e extinta a mesma;
2. A questão controvertida de direito nos acórdãos sub judice é a de saber se “as normas do Código das Execuções Fiscais (CEF), aprovado pelo Decreto nº 38088, de 12 de Dezembro de 1950, podem continuar, transitoriamente, a vigorar no ordenamento jurídico da RAEM, por força do disposto no artigo 4º/1-8) da Lei de Reunificação, aprovada pela Lei nº 1/1999, de 20 de Dezembro, desde que não sejam incompatíveis com os seguintes princípios:
• - Princípio da não ofensa à soberania da RPC;
• - Princípio da não violação da Lei Básica da RAEM;
• - Princípio da não violação das normas legais produzidas pelos órgãos competentes próprios de Macau.”.
3. No acórdão-fundamento de 18 de Janeiro de 2018, do TSI - Processo n.º 576/2017, foi sufragada unanimemente a jurisprudência no sentido do entendimento de que as normas do Código das Execuções Fiscais, aplicável no seu todo antes do estabelecimento da RAEM por remissão expressa feita pelo art.º 176.º/1 do CPAC, continuam a ser aplicadas na RAEM ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 4.º/1-8) da Lei de Reunificação.
4. O Acórdão recorrido teve um voto de “Vencido por entender que as normas do Código das Execuções Fiscais, aplicável no seu todo antes do estabelecimento da RAEM por remissão expressa feita pelo art.º 176.º/1 do CPAC, continuam a ser aplicadas na RAEM ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 4.º/1-8) da Lei de Reunificação.”
5. As normas aplicáveis são essencialmente a mesmas quer o CPAC, quer o Código Comercial, quer as leis fiscais, não tendo ainda sido produzida legislação na RAEM no sentido de codificar num Código Tributário ou lei equivalente a LGT de Portugal, nem num novo Código de Execuções Fiscais,
6. o que tem levado até a data à continuidade da aplicação deste último, em face da especialidade da Lei Fiscal.
7. A Responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais de pessoas colectivas foi mantida e até ampliada, no âmbito da Lei Geral Tributária de Portugal, com norma equivalente à que se vem aplicando na RAEM com referência ao artigo 297.º do “vetusto” CEF, portanto em legislação fiscal especial, fora das normas do Código Comercial, contrariamente ao que vem defendido no acórdão recorrido, salvo melhor opinião, contrário a lógica do sistema e interpretação sistemática da Legislação da RAEM.
8. O acórdão recorrido não assaca ao CEF, designadamente às normas aplicáveis, - art.º 297.º - qualquer desvalor jurídico decorrente da sua desconformidade com a Lei de Reunificação, aprovada pela Lei n.º 1/1999, de 20 de Dezembro, máxime os previstos no disposto no artigo 4º/1-8) da com os seguintes princípios:
• - Princípio da não ofensa à soberania da RPC;
• - Princípio da não violação da Lei Básica da RAEM;
• - Princípio da não violação das normas legais produzidas pelos órgãos competentes próprios de Macau.
9. Em face da oposição de acórdãos supra evidenciada com a jurisprudência do acórdão ora recorrido estão verificados todos os pressupostos processuais, devendo o mesmo seguir, após despacho liminar, os ulteriores termos previstos no artigo 164.º e seguintes do CPAC.
(…)”; (cfr., fls. 146 a 156 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Admitido o recurso, (cfr., fls. 172), e notificados os recorridos AU CHI FEI (區子飛) e LOK CATHERINE BALOYO (陸佳麗), com os restantes sinais dos autos – executados por reversão nos Autos de Execução Fiscal n.º 144/19-EF onde em sede de recurso do decidido se veio a proferir o “Acórdão recorrido” – os mesmos responderam, alegando para, a final, e em síntese, pugnar pela rejeição do recurso por “inexistência de oposição de Acórdãos”; (cfr., fls. 177 a 185).
*
Remetidos os autos a esta Instância, em sede de vista, juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público douto Parecer concluindo que:
“(i) deve ser negado provimento ao recurso interposto;
(ii) deve ser uniformizada jurisprudência no sentido de que, a partir de 20 de Dezembro de 1999, deixaram de vigorar na RAEM as normas de natureza substantiva contidas no Código das Execuções Fiscais aprovado pelo Decreto n.º 38088 publicado no Boletim Oficial de Macau de 6 de Janeiro de 1951”; (cfr., fls. 203 a 209).
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Adequadamente processados os autos, e com os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram à Conferência nos termos do estatuído no art. 44º, n.º 2, al. 1) e art. 46º, n.º 2 da “Lei de Bases da Organização Judiciária”; (Lei n.º 9/1999, alterada pela Lei n.º 9/2004).
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Cumpre decidir.
A tanto se passa.
Fundamentação
2. Da “oposição de acórdãos”.
Regulamentando os “pressupostos” do (presente) “recurso com fundamento em oposição de acórdãos” prescreve o art. 161º do Código de Processo Administrativo Contencioso, (C.P.A.C.), aqui aplicável que:
“1. Excepto quando a solução neles perfilhada esteja de acordo com jurisprudência obrigatória, há lugar a recurso com fundamento em oposição de acórdãos:
a) Do Tribunal de Última Instância, proferidos em primeiro ou segundo graus de jurisdição, que, relativamente à mesma questão fundamental de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão do mesmo Tribunal;
b) Do Tribunal de Segunda Instância, proferidos em segundo grau de jurisdição que, na hipótese prevista na alínea anterior, perfilhem solução oposta à de acórdão desse mesmo Tribunal ou do Tribunal de Última Instância.
2. Há ainda lugar ao recurso previsto no número anterior de decisões do Tribunal de Segunda Instância ou do Tribunal Administrativo, proferidas em primeiro grau de jurisdição, de que não seja admissível recurso ordinário por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 150.º, quando, na ausência de jurisprudência obrigatória, perfilhem solução oposta à de acórdão do Tribunal de Última Instância ou do Tribunal de Segunda Instância relativamente à mesma questão fundamental de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica”.
Atento o assim preceituado, em sede de “exame preliminar”, proferiu o ora relator o despacho seguinte:
“Vem-me os presentes autos conclusos para exame preliminar e, especialmente, para os efeitos do art. 166º, n.º 1 do C.P.A.C., ou seja, para se verificar da “existência da invocada oposição de decisões”.
Ponderando no “decidido” em sede do “Acórdão recorrido” – Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28.01.2021, (Proc. n.º 938/2020) – e atenta a “decisão” proferida no âmbito do “Acórdão fundamento” – Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 18.01.2018, (Proc. n.º 576/2017) – somos de opinião que se verifica a dita “oposição”.
Como com acerto se pronunciou o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“(…)
Com efeito, no acórdão-fundamento, decidiu-se que todas normas jurídicas constantes do Código das Execuções Fiscais de 1950 continuam a aplicar-se, transitoriamente, na Região Administrativa Especial de Macau das República Popular da China (RAEM), salvo quando ocorra violação aos princípios da não ofensa à soberania da República Popular da China, da não violação da Lei Básica e da não violação das normas legais produzidas pelos órgãos competentes da RAEM.
Em princípio, para o acórdão-fundamento, o Código das Execuções Fiscais de 1950 continua a vigorar, em bloco, na RAEM, incluindo, portanto, as normas de natureza substantiva que nele se encontram, como seja, por exemplo, as normas atinentes à prescrição de créditos tributários (era uma questão de prescrição a que estava em causa no processo decidido pelo acórdão-fundamento).
O acórdão recorrido partiu de uma premissa decisória de sentido contrário: a de que o dito Código das Execuções Fiscais de 1950, a partir do dia 20 de Dezembro de 1999 deixou de vigorar na RAEM e que, por isso, mesmo quando se entenda que normas de legislação da RAEM remetem para esse Código é de considerar que essa remissão não é feita em bloco para todo o Código, mas apenas para determinadas normas, excluindo, em qualquer caso, as normas de natureza substantiva. Por isso decidiu que o regime da responsabilidade subsidiária pelas dívidas tributárias deixou de estar regulado por aquele diploma legal.
(…)”; (cfr., fls. 204 a 204-v).
Na verdade, e como sobre a matéria em questão se mostra de considerar, as “decisões” contraditórias não têm que se verificar, necessariamente, nos “dispositivos dos acórdãos em confronto”, pois que podem ser decisões preliminares ou prévias da formulação do juízo decisório final.
Importa, (nestas hipóteses), é que sejam “manifestações de vontade decisória” e não simples afirmações argumentativas ou juízos de apreciação ou conclusões, isto é, têm de ser decisões sobre “fundamento ou fundamentos de direito” implicantes do sentido da decisão final; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do Pleno do S.T.A. de 05.05.1992, Proc. n.º 029441).
Nesta conformidade, e apresentando-se-nos pois de se dar como preenchido o “pressuposto” a que diz respeito o art. 161º, n.º 1, al. b) do C.P.A.C., motivo não parece haver para que os presentes autos não prossigam os seus normais termos.
Notifique.
(…)”; (cfr., fls. 214 a 215).
Cabendo agora a este Colectivo emitir pronúncia sobre a invocada “oposição de acórdãos”, mostra-se de consignar que se efectuou uma adequada aplicação do preceituado no transcrito art. 161º do C.P.A.C..
Compreende-se a “lógica” dos recorridos, que sustentam a rejeição do recurso por inexistência da aludida “oposição de acórdãos”.
Porém, mais adequado se mostra de perspectivar o “problema” de forma a considerar que a “questão – fundamental – de direito” que foi colocada e decidida nos Acórdãos fundamento e ora recorrido, se prende, (em bom rigor), com a da “vigência e aplicabilidade do aludido «Código das Execuções Fiscais de 1950»” em face do (hoje) estatuído no Ordenamento Jurídico da Região Administrativa Especial de Macau.
Na verdade, (e em apertada síntese que se tem como adequada), no “Acórdão fundamento”, (Proc. n.º 576/2017), considerou-se que aplicáveis eram as “regras da prescrição” previstas no dito “Código das Execuções Fiscais” por afastada não estar a sua incidência sobre a matéria aí em questão, (cfr., a respectiva Certidão, a fls. 159 a 171-v), entendendo-se, no “Acórdão recorrido”, (Proc. n.º 938/2020), que os ora recorridos eram “parte ilegítima” em sede da “execução fiscal” que contra elas passou a correr por “reversão” porque aplicadas não podiam ser as regras relativas à sua “responsabilidade subsidiária” previstas no mesmo Código dado que este não se encontrava em vigor; (cfr., fls. 135 a 141).
Dest’arte, justificado se nos apresenta pois estar o presente recurso, e, assim, merecendo conhecimento, vejamos se merece provimento.
3. Do mérito do presente “recurso para a uniformização de jurisprudência”.
— Antes de mais, adequada se mostra a seguinte “nota preliminar”.
É público – e como tal, não se pode ignorar – que decorrem os trabalhos legislativos de apreciação e discussão do projecto do (futuro) “Código Tributário da R.A.E.M.” para a sua aprovação pela Assembleia Legislativa.
Porém, e ainda que a sua aprovação e publicação se preveja venha a ocorrer em breve, tal, (como se nos apresenta claro), não implica (qualquer) “prejuízo” ou “inutilidade” para a presente lide recursória.
Nesta conformidade, continuemos.
*
– É esta Instância chamada a emitir pronúncia sobre a (questão da) “vigência e aplicabilidade do Código das Execuções Fiscais” (C.E.F.) aprovado pelo Decreto n.º 38088 de 12.12.1950, e publicado no B.O. n.º 1, de 06.01.1951, do então “Território de Macau” no Sistema e Ordenamento Jurídico da Região Administrativa Especial de Macau.
Imprescindível é assim ter-se presente que com o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, (R.A.E.M.), em 20.12.1999, passou a vigorar (localmente) a “Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau” – adoptada em 31.03.1993, pela Primeira Secção da Oitava Legislatura da Assembleia Popular Nacional e, posteriormente, promulgada pelo Decreto n.º 3 do Presidente da República Popular da China – que, (sendo por muitos autores apelidada de “mini-constituição da R.A.E.M.”), constitui, indubitavelmente, a “base” ou “pedra-angular” em que (necessariamente) assenta todo o “Sistema – Político – Jurídico” de Macau enquanto Região Administrativa Especial da República Popular da China.
Nesta conformidade, e em sede da reflexão que se mostra de – e se irá tentar – fazer sobre a atrás identificada “questão”, evidente é a necessidade de se começar por atentar – muito especialmente – no estatuído nos artºs 8º, 11º, 18º e 145º da referida Lei Básica, onde (nomeadamente) se preceitua que:
Art. 8º
“As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau”.
Art. 11º
“De acordo com o artigo 31.º da Constituição da República Popular da China, os sistemas e políticas aplicados na Região Administrativa Especial de Macau, incluindo os sistemas social e económico, o sistema de garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos seus residentes, os sistemas executivo, legislativo e judicial, bem como as políticas com eles relacionadas, baseiam-se nas disposições desta Lei.
Nenhuma lei, decreto-lei, regulamento administrativo ou acto normativo da Região Administrativa Especial de Macau pode contrariar esta Lei”.
Art. 18º
“As leis em vigor na Região Administrativa Especial de Macau são esta Lei e as leis previamente vigentes em Macau, conforme previsto no artigo 8.º desta Lei, bem como as leis produzidas pelo órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau.
As leis nacionais não se aplicam na Região Administrativa Especial de Macau, salvo as indicadas no Anexo III a esta Lei. As leis indicadas no Anexo III são aplicadas localmente mediante publicação ou acto legislativo da Região Administrativa Especial de Macau.
O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional pode aumentar ou reduzir o elenco das leis referidas no Anexo III a esta Lei, depois de consultar a Comissão da Lei Básica dele dependente e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau. Estas leis devem limitar-se às respeitantes a assuntos de defesa nacional e de relações externas, bem como a outras matérias não compreendidas no âmbito da autonomia da Região, nos termos desta Lei.
No caso de o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional decidir declarar o estado de guerra ou, por motivo de distúrbios na Região que ponham em perigo a unidade ou segurança nacionais e não possam ser controlados pelo Governo da Região, decidir a entrada da Região no estado de emergência, o Governo Popular Central pode ordenar, por decreto, a aplicação das respectivas leis nacionais na Região”.
Art. 145º
“Ao estabelecer-se a Região Administrativa Especial de Macau, as leis anteriormente vigentes em Macau são adoptadas como leis da Região, salvo no que seja declarado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como contrário a esta Lei. Se alguma lei for posteriormente descoberta como contrária a esta Lei, pode ser alterada ou deixa de vigorar, em conformidade com as disposições desta Lei e com os procedimentos legais.
(…)”.
Em face do assim estatuído, e antes de se prosseguir, vale desde já a pena aqui recordar as considerações que o Prof. Ieong Wan Chong teceu em anotação ao transcrito art. 8º:
“Este Artigo dispõe que em geral, os diplomas legais previamente vigentes em Macau se mantêm. A manutenção das leis previamente vigentes que não contrariem a Lei Básica, com base na realidade de Macau, é favorável não só à defesa da soberania do Estado, como também à estabilidade e à prosperidade da RAEM, pelo que este princípio constitui naturalmente um dos conteúdos importantes da política “Um País, Dois Sistemas”.
a. “As leis previamente vigentes” refere-se a leis, decretos-leis, regulamentos administrativos e demais actos normativos legislados pelos órgãos legislativos ou outros órgãos competentes de Macau, não incluindo as leis de Portugal com aplicação extensiva e as leis legisladas pela autoridade portuguesa em particular para Macau. Neste segundo tipo, algumas têm que ser revogadas, depois do dia 20 de Dezembro de 1999, como por exemplo, o Estatuto Orgânico de Macau. Outras, como por exemplo, os cinco Códigos, tais como o Código Civil, o Código Penal, o Código Comercial, etc, devem ser localizadas no período de transição, isto é, emendadas pelos órgãos legislativos de acordo com a realidade de Macau e promulgadas de novo em nome próprio, tornando-se leis locais de Macau. Este trabalho já foi sucessivamente concluído no período de pós-transição com a exortação da parte chinesa.
b. “As leis previamente vigentes em Macau mantêm-se”, significa que na altura da fundação da RAEM, as leis locais, entre os diplomas legais em geral, vigentes em Macau se mantêm. Como a Lei Básica estipula “mantendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes”, mantêm-se naturalmente as leis que se adoptam no sistema capitalista. Depois do Retorno, o sistema legal de Macau desenvolver-se-á à medida do desenvolvimento social e económico. Assim, quando as leis previamente vigentes contrariarem a Lei Básica, ou quando os órgãos legislativos e outros órgãos competentes da RAEM entenderem que é necessário emendar as leis, tendo em consideração a realidade de Macau, todos ou a parte dos artigos destas leis não deverão ser mantidos. Assim, “As leis previamente vigentes em Macau mantêm-se” significa apenas que o antigo sistema jurídico se mantém basicamente inalterado.
c. Compete ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional verificar se “as Leis previamente vigentes” contrariam a Lei Básica. Como a Lei Básica é legislada pela Assembleia Popular Nacional e é a lei básica do Estado que estipula os diversos regimes aplicados na RAEM, a base e o fundamento da legislação da RAEM, as leis previamente vigentes não podem contrariar a Lei Básica. No acto do estabelecimento da RAEM, as leis que previamente vigoram em Macau, são adoptadas pela RAEM, como leis da RAEM, para continuarem a produzir efeitos, excepto as que forem consideradas pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como contrárias à Lei Básica. Se no futuro for verificado que as leis contrariam a Lei Básica, proceder-se-á então à sua emenda ou anulação, em conformidade com as disposições da Lei Básica ou os procedimentos legais. Foi adoptada em 31 de Outubro de 1999 pela Décima Segunda Sessão do Comité Permanente da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional a Decisão do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional relativa ao tratamento das leis previamente vigentes em Macau, de acordo com o artigo 145.º da Lei Básica de Macau. Estipula o artigo 3.º da Lei n.º 1/1999 da RAEM, Lei de Reunificação, o seguinte: 1) A legislação previamente vigente em Macau, enumerada no Anexo I da presente lei (num total de 7), contraria a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não é adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau. 2) A legislação previamente vigente em Macau, enumerada no Anexo II da presente lei (num total de 3), contraria a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não é adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores. 3) As normas legais previamente vigentes em Macau, enumeradas no Anexo III da presente lei (num total de 13), contrariam alguns preceitos da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não são adoptadas como legislação da Região Administrativa Especial de Macau. Em 17 de Agosto de 2018, o Governo da RAEM anunciou que 275 leis e decretos-leis publicados entre 1988 e 1999 já foram revogados tacitamente ou caducados, e revogou expressamente 8 leis e decretos-leis que já estão desactualizados ou que deixaram, na realidade, de ser aplicados ou não têm, de facto, razão de existir. Na totalidade, foram revogadas 283 leis e decretos-leis.
d. O forte contraste entre a subida do número das leis emanadas pelos órgãos legislativos da RAEM e a diminuição do número das leis previamente vigentes depois do estabelecimento da RAEM é um fenómeno histórico inevitável”; (in “Anotações à Lei Básica da R.A.E.M.”, 2018, pág. 46 a 47, com tradução por nós efectuada).
Mais recentemente, sobre o mesmo art. 8º, teceu também o Prof. Wang Yu o seguinte comentário:
“Este artigo estabelece que as leis previamente vigentes em Macau se mantêm basicamente inalteradas. As “leis” previamente vigentes em Macau referem-se aos actos normativos emanados da Assembleia Legislativa durante a Administração Portuguesa. Os “decretos-leis” são actos normativos emanados do Governador de Macau e com força jurídica. O Governador de Macau, para além de ter promulgado decretos-leis, promulgava ainda “portarias” e “despachos” no exercício do poder executivo. Para além dos despachos do Governador, os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau, antes da transferência de soberania, também tinham o poder de emitir “despachos”, quando tratavam dos assuntos internos dos seus departamentos. Após o retorno de Macau à Pátria, a base constitucional de Macau sofreu uma mudança fundamental, isto é, a Constituição da República Popular da China e a Lei Básica de Macau substituíram a Constituição Portuguesa e o Estatuto Orgânico de Macau, constituindo em conjunto a base constitucional da Região Administrativa Especial de Macau. A manutenção das leis, decretos-leis, regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau é condicionada. Estas leis previamente vigentes só podem ser mantidas caso estejam em conformidade com as disposições da Lei Básica de Macau. O artigo 145.º desta lei regula concretamente como é que se pode apreciar e manter as aludidas leis”; (in “Breve Exposição do Conteúdo da Lei Básica de Macau”, pág. 21 a 22, podendo-se, também sobre o mesmo preceito legal, cfr., Xiao Weiyun in, “Conferência sobre a Lei Básica de Macau”, pág. 58 a 61).
Por sua vez, importa também ter presente que, em 31.10.1999, adoptou o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China a seguinte “Decisão Relativa ao Tratamento das Leis Previamente Vigentes em Macau (de acordo com o art. 145º da L.B.R.A.E.M.)”:
“O artigo 145.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (adiante designada por Lei Básica), estipula que “ao estabelecer-se a Região Administrativa Especial de Macau, as leis anteriormente vigentes em Macau são adoptadas como leis da Região, salvo no que seja declarado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional como contrário a esta Lei. Se alguma lei for posteriormente descoberta como contrária a esta Lei, pode ser alterada ou deixa de vigorar, em conformidade com as disposições desta Lei e com os procedimentos legais”. O artigo 8.º da Lei Básica determina que “as leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau mantêm-se, salvo no que contrariar esta Lei ou no que for sujeito a emendas em conformidade com os procedimentos legais, pelo órgão legislativo ou por outros órgãos competentes da Região Administrativa Especial de Macau”. De acordo com as disposições supracitadas, foi apreciada pela Décima Segunda Sessão do Comité Permanente da Nona Legislatura da Assembleia Popular Nacional a proposta da Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional relativa ao tratamento das leis previamente vigentes em Macau, tendo sido decidido que:
1. As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau são adoptados como lei da Região Administrativa Especial de Macau, salvo no que contrariam a Lei Básica.
2. A legislação previamente vigente em Macau enumerada no Anexo I da presente decisão, contraria a Lei Básica e não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau.
3. A legislação previamente vigente em Macau enumerada no Anexo II da presente decisão, contraria a Lei Básica e não é adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica, tendo por referência as práticas anteriores.
4. As normas legais previamente vigentes em Macau enumeradas no Anexo III da presente decisão, contrariam a Lei Básica e não são adoptadas como lei da Região Administrativa Especial de Macau.
5. A legislação previamente vigente em Macau que for adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau, quando aplicada depois de 20 de Dezembro de 1999, deve sofrer as necessárias alterações, adaptações, restrições ou excepções, a fim de se conformar com o estatuto de Macau após a reassunção do exercício da soberania pela República Popular da China e com as disposições relevantes da Lei Básica.
Para além dos princípios acima referidos, a legislação previamente vigente em Macau deve ainda observar o seguinte:
(1) O preâmbulo e a parte com assinaturas não são ressalvados, não fazendo parte integrante da legislação da Região Administrativa Especial de Macau.
(2) Sempre que a legislação previamente vigente em Macau contenha disposições relativas a assuntos externos da Região Administrativa Especial de Macau que não estejam em conformidade com as leis nacionais aplicáveis à Região Administrativa Especial de Macau, prevalecem estas últimas, devendo a primeira conformar-se com os direitos e as obrigações que o Governo Popular Central goze ou assuma a nível internacional.
(3) As normas legais que concedam a Portugal tratamento preferencial não são mantidas, salvo as de reciprocidade entre Macau e Portugal.
(4) As normas legais relativas ao direito de propriedade sobre terrenos são interpretadas nos termos do artigo 7.º da Lei Básica.
(5) As normas legais que atribuam valor jurídico superior à língua portuguesa em detrimento da língua chinesa, devem ser interpretadas como atribuindo igual estatuto oficial a ambas as línguas. Os preceitos que imponham o uso exclusivo do português ou o uso simultâneo do português e do chinês devem ser adaptados nos termos previstos no artigo 9.º da Lei Básica.
(6) As normas legais reguladoras de qualificações profissionais ou de habilitações para o exercício de uma profissão, que sejam consideradas injustas pelo facto de Macau ser administrado por Portugal, podem, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, ser aplicadas transitoriamente, tendo em consideração o preceituado no artigo 129.º da Lei Básica.
(7) As normas legais reguladoras do estatuto e funções dos funcionários e agentes públicos portugueses e estrangeiros, recrutados ao exterior, devem ser interpretadas nos termos do artigo 99.º da Lei Básica.
(8) As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas.
6. Na interpretação e aplicação de designações ou expressões constantes de legislação previamente vigente em Macau, que seja adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau nos termos do ponto n.º 5, deve observar-se os princípios de substituição previstos no Anexo IV da presente decisão, salvo se do contexto resultar o contrário.
7. No futuro, caso se verifique existir incompatibilidade entre a Lei Básica e legislação previamente vigente em Macau que seja adoptada como lei da Região Administrativa Especial de Macau, pode a legislação em causa ser alterada ou revogada, nos termos do disposto na Lei Básica e de acordo com os procedimentos legais.
A legislação portuguesa previamente vigente em Macau, incluindo a elaborada por órgãos de soberania de Portugal exclusivamente para Macau, deixa de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau no dia 20 de Dezembro de 1999.
(…)”; (in B.O. n.º 1, I Série de 20.12.1999, com sub. nosso).
E, em conformidade com consagrado na Lei Básica, (em especial, nos atrás transcritos comandos legais), e o assim deliberado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, cabe atentar ainda no estatuído no art. 3º da “Lei de Reunificação”, (Lei n.º 1/1999, aprovada pela Assembleia Legislativa da R.A.E.M. no dia 20.12.1999), onde, sob a epígrafe “Legislação previamente vigente” se preceitua que:
“1. As leis, os decretos-leis, os regulamentos administrativos e demais actos normativos previamente vigentes em Macau são adoptados como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, salvo no que contrariarem a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau.
2. A legislação previamente vigente em Macau, enumerada no Anexo I da presente lei, contraria a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não é adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau.
3. A legislação previamente vigente em Macau, enumerada no Anexo II da presente lei, contraria a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não é adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, enquanto não for elaborada nova legislação, pode a Região Administrativa Especial de Macau tratar as questões nela reguladas de acordo com os princípios contidos na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, tendo por referência as práticas anteriores.
4. As normas legais previamente vigentes em Macau, enumeradas no Anexo III da presente lei, contrariam a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e não são adoptadas como legislação da Região Administrativa Especial de Macau.
5. A legislação previamente vigente em Macau que for adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, quando aplicada depois de 20 de Dezembro de 1999, deve sofrer as necessárias alterações, adaptações, restrições ou excepções, a fim de se conformar com o estatuto de Macau após a reassunção do exercício da soberania pela República Popular da China e com as disposições relevantes da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau”; (com sub. nosso, e sendo de referir que em relação ao comando legal do “n.º 1”, o mesmo corresponde ao que se poderia chamar de “princípio – geral – da continuidade da legislação previamente vigente”, ou seja, de toda a legislação que vigorava em Macau antes da transferência do exercício da soberania, em 20.12.1999, pois que, desde que “não contrária à L.B.R.A.E.M.”, foi, nos termos do n.º 5, adoptada como “legislação da R.A.E.M.”).
Igualmente (e especialmente) relevante para a “questão” a tratar é o preceituado no art. 4º da aludida “Lei de Reunificação”, onde, referindo-se (expressamente) à matéria do anterior art. 3º – e sob a epígrafe “Interpretação das expressões e designações constantes da legislação previamente vigente” – se estatui que:
“1. Para além dos princípios referidos no artigo 3.º, a legislação previamente vigente em Macau deve ainda observar o seguinte:
1) O preâmbulo e a parte com assinaturas não são ressalvados, não fazendo parte integrante da legislação da Região Administrativa Especial de Macau;
2) Sempre que a legislação previamente vigente em Macau contenha disposições relativas a assuntos externos da Região Administrativa Especial de Macau que não estejam em conformidade com as leis nacionais aplicáveis à Região Administrativa Especial de Macau, prevalecem estas últimas, devendo a primeira conformar-se com os direitos e as obrigações que o Governo Popular Central goze ou assuma a nível internacional;
3) As normas legais que concedam a Portugal tratamento preferencial não são mantidas, salvo as de reciprocidade entre Macau e Portugal;
4) As normas legais relativas ao direito de propriedade sobre terrenos são interpretadas nos termos do artigo 7.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
5) As normas legais que atribuam valor jurídico superior à língua portuguesa em detrimento da língua chinesa, devem ser interpretadas como atribuindo igual estatuto oficial a ambas as línguas. Os preceitos que imponham o uso exclusivo do português ou o uso simultâneo do português e do chinês devem ser adaptados nos termos previstos no artigo 9.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
6) As normas legais reguladoras de qualificações profissionais ou de habilitações para o exercício de uma profissão, que sejam consideradas injustas pelo facto de Macau ser administrado por Portugal, podem, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, ser aplicadas transitoriamente, tendo em consideração o preceituado no artigo 129.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
7) As normas legais reguladoras do estatuto e funções dos funcionários e agentes públicos portugueses e estrangeiros, recrutados ao exterior, devem ser interpretadas nos termos do artigo 99.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau;
8) As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau.
2. Na interpretação e aplicação de designações ou expressões constantes de legislação previamente vigente em Macau, que seja adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau nos termos do n.º 1, devem observar-se os princípios de substituição previstos no Anexo IV da presente lei, salvo se do contexto resultar o contrário.
3. No futuro, caso se verifique existir incompatibilidade entre a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e legislação previamente vigente em Macau que seja adoptada como legislação da Região Administrativa Especial de Macau, pode a legislação em causa ser alterada ou revogada, nos termos do disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e de acordo com os procedimentos legais.
4. A legislação portuguesa previamente vigente em Macau, incluindo a elaborada por órgãos de soberania de Portugal exclusivamente para Macau, deixa de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau a partir do dia 20 de Dezembro de 1999”; (com sub. nosso, mostrando-se de referir que, neste “n.º 4” se consagrou o que se poderia chamar de “excepção ao princípio – geral – da continuidade da vigência da legislação que anteriormente vigorava em Macau”).
Ora, aqui chegados, e dúvidas não se mostrando existir que os comandos normativos dos transcritos artºs 3º e 4º da “Lei de Reunificação” tem como especial referência a matéria regulada no art. 8º da L.B.R.A.E.M. assim como a objecto da deliberação da referida “Decisão do C.P.A.P.N. de 31.10.1999” (sobre as Leis Previamente Vigentes em Macau), adequado se nos apresenta pois de considerar que, (como se referiu), no aludido “art. 3º, n.º 1”, se estabelece o que se poderia chamar de “princípio – geral – da continuidade da vigência da legislação que anteriormente vigorava em Macau”, (desde que não contrária à L.B.R.A.E.M.), consagrando-se, por sua vez, no “n.º 4” do dito preceito uma “excepção” a este mesmo “princípio geral”, pois que com o aí estatuído se revogou toda a “legislação portuguesa previamente vigente em Macau…”, e que, em conformidade com o aí prescrito “deixa” – ou melhor, deixou – “de vigorar na R.A.E.M. a partir do dia 20 de Dezembro de 1999”; (repare-se que até mesmo na Nota Justificativa da recente Proposta de Lei intitulada “Aprovação do Código Tributário” agora em discussão na Assembleia Legislativa nenhuma referência é feita ao “Código das Execuções Fiscais” aqui em questão, podendo-se, sobre a matéria, entre outros e com especial interesse, ver, v.g., Alberto Costa in, “Continuidade e mudança no desenvolvimento jurídico de Macau à luz da Declaração Conjunta Luso-Chinesa”, Revista Jurídica de Macau, 1988, pág. 53 a 69; Jorge Costa Oliveira in, “A Lei Básica e o princípio da continuidade do ordenamento jurídico de Macau”, comunicação apresentada no Colóquio da Associação dos Advogados de Macau em 13 e 20 de Dezembro de 1991, “Localização das leis: rumo ao futuro”, Revista “Macau”, II Série, Setembro de 1992, pág. 61 a 63, “A Continuidade do Ordenamento Jurídico de Macau na Lei Básica da Futura Região Administrativa Especial”, Revista Administração n.º 19/20, Vol. VI, 1993-1º e 2º, pág. 21 a 60; Xu Chang in, “Localização da Legislação de Macau – Uma Nova Abordagem”, comunicação apresentada no Seminário sobre as “Questões de Direito de Macau e do Interior da China no período de Transição”, Beijing, Novembro de 1994; Sun Wanzhong in, “A Lei Básica da R.A.E.M. a construção do sistema jurídico de Macau”, B.F.D.U.M. n.º 13, pág. 53 e segs.; Lok Wai Kin in, “Impacto da Lei Básica da R.A.E.M. na concepção do Direito de Macau”, B.F.D.U.M. n.º 13, pág. 61 e segs.; Wu Xingping in, “O sistema jurídico da R.A.E.M.”, B.F.D.U.M. n.º 13, pág. 74 e segs.; Zhao Guoqiang in, “Continuidade na RAEM das Leis Anteriormente Vigentes em Macau”, B.F.D.U.M. n.º 14, pág. 43 a 52; António Katchi in, “As Fontes de Direito em Macau”, 2006, pág. 198 e segs., F.D.U.M.; e Paulo Cardinal in, “Determinantes e Linhas de Força das Reformas Legislativas em Macau”, Rev. Administração, n.º 40, 1998, pág. 385 e segs., e “Legislação com Origem Portuguesa e o Ordenamento Jurídico de R.A.E.M.”, 2010, “Direito, Transcrição e Continuidade”, pág. 317 e segs.).
Porém, e não obstante o que (de forma certamente abreviada e simplificada) se deixou dito quanto à “excepção” ao “princípio – geral – da continuidade”, e, assim, quanto à “não vigência na R.A.E.M. da legislação portuguesa previamente vigente em Macau”, (cfr., art. 4º, n.º 4 da Lei n.º 1/1999), o que, (por si), implica a natural e necessária conclusão no sentido de que o “Código das Execuções Fiscais” em questão “deixou de vigorar em Macau a partir do dia 20.12.1999” – dado que aprovado pelo Decreto n.º 38088, datado de 12.12.1950, do Governo de Portugal; cfr., B.O. n.º 1, 06.01.1951 – (totalmente) resolvida não se apresenta ou fica a questão nos presentes autos trazida à apreciação e decisão desta Instância.
Na verdade, a “vigência” e a “aplicabilidade” de uma Lei, ainda que constituam conceitos a maior parte das vezes “conexos”, “interligados” e/ou “interdependentes” para a solução jurídica de determinada questão ou situação, podem justificar – e, in casu, implicam – uma análise mais cuidada no que toca à sua distinção, pois que os seus sentidos não se confundem, representando realidades diferentes: a “vigência” de uma Lei corresponde à possibilidade da sua executoriedade compulsiva perante qualquer facto ou situação ocorrida nos termos nela (abstractamente) previstos, sendo, por sua vez, a sua “aplicabilidade” a susceptibilidade da sua utilização (aplicação) nas situações concretas e previamente nela enunciadas.
Com efeito – e como sobre o tema nota A. Kachi no seu atrás referido trabalho, e citando, também, Miguel Reale in “Lições Preliminares de Direito”, Almedina, 1982, pág. 108 – uma norma, (por motivos vários), pode “vigorar”, mas não ser “aplicável”, e também pode ser “aplicável”, sem que esteja em “vigor”; (cfr., os exemplos in ob. cit., pág. 198).
Ora, em nossa opinião, e por força do estatuído na alínea 8, do n.º 1, do art. 4º da Lei n.º 1/1999, (“Lei de Reunificação”), cremos que o aludido C.E.F. encontra-se (exactamente) nesta – segunda – situação, isto é, embora revogado, (e assim, já não estando em vigor), mantém-se as suas disposições (perfeitamente) aplicáveis às situações nele previstas.
De facto, prescrevendo-se neste normativo que “As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau”, adequado se nos mostra de concluir que nas situações em que existam na legislação que se mantém em vigor (na R.A.E.M.) “remissões para o referido C.E.F.”, o mesmo aplica-se – aliás, tal como tem sucedido quer pela Administração Fiscal como, (pelo menos, em alguns casos), pelos Tribunais da R.A.E.M. – pois que as “normas de remissão”, mandando aplicar outras normas – as “remitidas”, (contidas no mesmo ou noutro diploma legal) – “incorporam-nas”, passando o conteúdo destas a dever-se considerar como sua parte integrante, tudo se passando como se a matéria em questão passasse a estar regulada na própria norma de remissão; (com referências à “aplicação do C.E.F.”, cfr., v.g., os Acs. deste T.U.I. de 01.06.2005, Proc. n.º 9/2004 e de 06.06.2012, Proc. n.º 28/2012, e os do T.S.I. de 01.02.2001, Proc. n.º 1153-A; de 20.03.2003, Proc. n.º 78/2000; de 04.12.2003, Procs. nºs 94/2003 e 130/2003; de 18.03.2004, Procs. nºs 170/2003 e 171/2003; de 30.11.2006, Proc. n.º 527/2006; de 17.11.2011, Proc. n.º 672/2010; de 10.11.2016, Proc. n.º 458/2016; de 18.01.2018, Proc. n.º 576/2017, e, mais recentemente, de 28.07.2022,. Proc. n.º 775/2021, podendo-se também sobre a questão ver as considerações do Exmo. Juiz Conselheiro do S.T.A. de Portugal, João António Valente Torrão, in “O Código das Execuções Fiscais (ainda) aplicável na R.A.E.M., Anotado e comentado”, edição digital – Outubro de 2021, pág. 13 e segs., assim como a “edição de Novembro de 2021”, pág. 21 e segs.).
Vale pois a pena aqui recordar as doutas considerações pelo Exmo. Juiz Conselheiro Valente Torrão tecidas a propósito da matéria da “remissão”, onde refere (nomeadamente) que:
“A remissão legislativa, ou remissão legal, é a que ocorre num texto legal (ou mesmo infralegal de legislação), e pode ser feita por duas formas diferentes: ou por menção a um conceito já definido ou mencionado em outra norma, ou por referência a uma específica norma constante de outro dispositivo da mesma lei ou de outra. Em mais ampla forma, a remissão pode ser feita a toda uma lei, ou mesmo a todo um regime jurídico.
A característica básica da remissão consiste em que ela sempre é uma manifestação legislativa que não emite uma norma própria em sua totalidade, mas se apropria de parte de norma existente em outra disposição legal o que significa que, ao invés de definir o seu objeto ou mandamento por completo, em todos os seus elementos, a norma se remete a outra, adotando e absorvendo parte do conteúdo desta.
Deste modo, através da remissão, parte do conteúdo da norma remitida passa a fazer parte da norma de remissão, algumas vezes incorporando a hipótese de incidência (antecedente) da norma remitida, outras o seu consequente normativo.
Dá-se, portanto, através da remissão, a criação de uma nova norma cujo conteúdo (parte dos seus elementos) precisa ser buscado parcialmente em outra, e é por isso que a remissão pode gerar dúvidas e controvérsias que teriam menos possibilidade de existir numa norma que, ao invés da remissão, fosse completa na definição do seu antecedente e do seu consequente.
De qualquer forma, são nítidas as diferenças entre normas de remissão e normas remitidas, a saber:
a)- a norma de remissão é sempre diferente da remitida, porque absorve apenas parte da norma remitida; quer dizer, elas são diferentes porque uma parte não foi absorvida;
b)- a norma de remissão tem fim próprio;
c)- a norma de remissão é uma norma completa, mesmo que tenha parte retirada de outra norma; em outras palavras, o dispositivo legal que contém a norma de remissão não descreve a totalidade do seu objeto, pessoa ou situação, mas a norma por ele manifestada é completa;
d)- por isso tudo, a norma de remissão passa a existir de per si, e não como tendo um cordão umbilical, permanente e indestrutível, com a norma remitida;
e)- ainda por tudo isso, a norma de remissão tem vida autónoma.
O sentido da remissão, é, então, o de incorporar parte do conteúdo de outra norma, mas a norma que assim foi editada (a remissiva) é uma norma autónoma, tendo existência própria, tanto quanto teria se seu legislador tivesse descrito por inteiro a sua hipótese de incidência e a sua determinação normativa, com as mesmas palavras e os mesmos elementos de outra norma, e apenas fizesse alguma mudança no objeto da norma”; (in ob. cit., edição de Novembro 2021, pág. 23 e 24).
Na verdade, como também nota João Baptista Machado, “A remissão é outro expediente técnico-legislativo de que o legislador se serve com frequência para evitar a repetição de normas. São normas remissivas (ou indirectas), de uma maneira geral, aquelas em que o legislador, em vez de regular directamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal (remissão intra-sistemática). Exactamente porque não regulam directamente a questão de direito, tais normas são também designadas por «normas indirectas»”, (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1995, pág. 105), podendo assumir “feições distintas”, pois que como indica o mesmo autor, “Normalmente a remissão vai dirigida à estatuição da norma ad quam (norma para que se remete). Assim, p. ex., o art. 678.º do Código Civil diz que “são aplicáveis ao penhor, com as necessárias adaptações, os arts. 692.º, 694.º a 699.º e 701.º e 702.º” (disposições estas relativas à hipoteca) (…)
Por vezes, a lei faz uma remissão muito ampla, com a finalidade de dar ao regime do instituto para que se remete uma função integradora subsidiária do regime que estabelece para o instituto que está a considerar. (…) Uma remissão deste tipo encontra-se também com frequência naqueles diplomas legais que mandam aplicar subsidiariamente um outro diploma. Assim, p. ex., o art. 1.º do Código do Processo de Trabalho, ao mandar aplicar nos casos omissos o direito processual comum, remete implicitamente para o Código do Processo Civil. (…)
Noutros casos, em vez de uma remissão com função integradora genérica, temos uma disposição legal que expressamente prevê desde logo a extensão do regime de certo instituto a outro ou outros. É o que acontece, p. ex., com o art. 939.º do Código Civil, que manda aplicar as normas da compra e venda a outros contratos onerosos (…)”; (in ob. cit., pág. 105 a 107).
Por sua vez, importa ter presente que a aludida “remissão” pode ser “estática”, (também designada de “material”), ou “dinâmica” (ou “formal”), sendo “estática” quando feita para “certa norma” ou “conjunto de normas”, em atenção ao seu conteúdo que pretende aplicar no âmbito de um instituto jurídico diferente daquele para cuja regulação foram criadas, sendo “dinâmica” quando feita para um determinado “regime legal ou para determinada norma ou conjunto de normas, apenas por serem as que, no momento em que se faz a remissão, regulam determinada matéria com a qual aquela em que se inclui a norma remissiva tem afinidade, o que justifica que todas as alterações que no futuro venham a ser introduzidas nas normas para que se remete sejam de aplicar também no âmbito da matéria em que se faz a remissão.
Como igualmente observa o Exmo. Juiz Conselheiro Valente Torrão: “(…) uma remissão estática liga a norma que determina a remissão ao concreto conteúdo da norma chamada; numa remissão dinâmica o apelo é feito para o espaço no sistema jurídico que é ocupado pela norma chamada, de forma a que as alterações supervenientes da disciplina nela consagrada acabam por ser igualmente importadas pela norma que determina a remissão.
A determinação da natureza em concreto de uma norma remissiva parte da interpretação da norma em causa, a fazer caso a caso, apontando a doutrina alguns critérios que podem apoiar o intérprete na busca de uma resposta a esta questão.
Assim, MENEZES CORDEIRO sintetiza alguns desses critérios doutrinários nos termos seguintes:
«Segundo Castro Mendes “a remissão na lei é em regra formal (= dinâmica), nos negócios jurídicos em regra material (= estática). Na verdade, quando façam remissões, as partes escolhem uma lei que conhecem: a escolha é material e logo estática. Pelo contrário, o legislador remete para a melhor solução existente: a escolha é formal e logo dinâmica, variando as normas ad quem.”
Por seu turno, escreve Dias Marques “[…] a remissão genérica traduzida pela referência a um dado instituto será quase sempre dinâmica. Quando a lei remete para o regime de certo instituto não visa, em geral, a sua regulamentação originária, mas antes o regime que existir no momento em que haja de proceder-se à aplicação”.
E continua esse mesmo autor: “Quando a remissão é específica, isto é dirigida a um preceito concreto, a um artigo da lei designada pelo seu número, já o problema pode revestir maior dúvida. Em todo o caso, ainda aí, na maior parte das vezes, haverá de considerar-se dinâmica a remissão”». Contudo, como refere, ainda, MENEZES CORDEIRO «não devem ser estabelecidas regras rígidas no domínio da interpretação das normas de remissão; apenas em cada caso será possível determinar o seu sentido e, designadamente, a natureza estática ou dinâmica da remissão efetuadas».
Em matéria de remissão é de notar ainda que esta pode ser “simples” ou “dupla” (neste caso, no dizer de Batista Machado, ob. cit., pág. 106 “remissão à segunda potência”). Como exemplos desta podemos referir a remissão do artº 427º do CCM para o artº 282, nº 3, que, por sua vez, remete para o artº 1194º”; (in ob. cit., pág. 25 a 26).
Seja como for, e como observa A. Menezes Cordeiro, adequado é também atentar que “Não devem ser estabelecidas regras rígidas no domínio da interpretação das normas de remissão; apenas em cada caso será possível determinar o seu sentido e, designadamente, a natureza estática ou dinâmica da remissão efectuada. Mas a realidade jurídica subjacente a essa técnica legislativa, tal como tem sido, sem discordâncias, enfocada pela doutrina, aponta para a natural prevalência das remissões dinâmicas ou formais: apenas as especiais razões concretas – maxime uma norma expressa – poderão explicar a adopção da saída inversa”; (in “O Direito”, Ano 121, pág. 194, também citado no Ac. do T.U.I. de 28.03.2001, Proc. n.º 4/2001).
Isto visto, (e expostas as considerações que se tem como adequadas sobre a matéria da “remissão”), avancemos.
Sob a epígrafe “Execução para pagamento de quantia certa”, prescreve o art. 142º do C.P.A. que:
“1. Quando por força de um acto administrativo devam ser pagas a uma pessoa colectiva pública, ou por ordem desta, prestações pecuniárias, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal.
2. Para o efeito, o órgão administrativo competente emite nos termos legais uma certidão, com valor de título executivo, que remete, juntamente com o processo administrativo, à Direcção dos Serviços de Finanças.
3. Segue-se o processo indicado no n.º 1 quando, na execução de actos fungíveis, estes forem realizados por pessoa diversa do obrigado.
4. No caso previsto no número anterior, a Administração opta por realizar directamente os actos de execução ou por encarregar terceiro de os praticar, ficando todas as despesas, incluindo indemnizações e sanções pecuniárias, por conta do obrigado”.
Por sua vez, inserido no “Capítulo X”, (respeitante ao “Processo executivo”), e integrado na Secção das “Disposições gerais”, prescreve o art. 176º, n.º 1 do C.P.A.C., invocado nos Acórdãos em oposição – tirados em sede de recursos de decisões pelo Tribunal Administrativo proferidas em sede de “processos de execução fiscal” – que: “A execução contra particulares para pagamento de quantia certa segue os termos do processo de execução fiscal”.
Ora, atento o teor do art. 4º, n.º 1, al. 8) da Lei n.º 1/1999 – onde se prescreve que “As normas legais que contenham remissões para legislação portuguesa, desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, podem, transitoriamente, antes da sua alteração pela Região Administrativa Especial de Macau, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau” – e em face do estatuído no referido n.º 1 do transcrito comando legal do art. 176º do C.P.A.C., dúvidas não parecem existir que adequado é o entendimento no sentido de que – embora não estando em vigor – aplicável em Macau é o “Código das Execuções Fiscais” em questão.
De facto, por força da “remissão” – autorizada pelo art. 4º, n.º 1, al. 8) da Lei n.º 1/1999, e – efectuada pelo dito n.º 1 do art. 176º do C.P.A.C. para o “processo de execução fiscal”, (aqui, “norma remitida”), motivos não se vislumbram para se adoptar entendimento contrário (ou diverso).
Constitui porém questão a resolver e decidir a de saber se tal “remissão” é – ou deve ser – válida e eficaz para “todas as normas do C.E.F.”, (posição assumida no “Acórdão fundamento”), ou se deve ser entendida como apenas feita para “determinadas normas” (e não em “bloco” para todo o Código”), sendo (nomeadamente) de excluir as de “natureza substantiva”, (assim de tendo decidido no Acórdão recorrido).
Quid iuris?
Cotejando a fundamentação exposta no Acórdão recorrido, retira-se, se bem ajuizamos, que dois são (essencialmente) os motivos para a solução que aí se assumiu no sentido de a “remissão” em causa não dever ser entendida como referente a “todas as normas do C.E.F.”.
O primeiro, em face da expressão ínsita na (própria) “norma de remissão” – o n.º 1 do art. 176º do C.P.A.C., (o mesmo sucedendo com a do art. 142º, n.º 1 do C.P.A.) – pois que, como se viu, aí se preceitua que “A execução contra particulares para pagamento de quantia certa segue os termos do processo de execução fiscal”, (sub. nosso), e, nesta conformidade, considerando-se que se deve distinguir “normas processuais”, (“adjectivas”), e “normas substantivas”, incluídas não se deviam considerar estas últimas, válida sendo apenas a remissão para as normas que regulam os “termos do processo” (e a respectiva tramitação).
O segundo, (e ainda que não muito claramente assumido), diz respeito à natureza “especial” – excepcional – (e transitória) do comando legal contido no art. 4º, n.º 1, al. 8) da Lei n.º 1/1999, que estabelece como pressuposto de aplicação da “norma remitida” – no caso, o “C.E.F.” – o respeito da “soberania da República Popular da China” e do “disposto na Lei Básica da R.A.E.M.”.
Ora, admitindo-se opinião em sentido diverso, afigura-se-nos de considerar, (especialmente, em “matéria” como a que agora nos ocupa), que adequadas não se mostram “perspectivas” assentes na (mera distinção da) “natureza” das normas do C.E.F., (isto é, se “substantivas” ou “processuais”) e sendo de se ter bem presentes os princípios gerais e fundamentais em matéria de “Interpretação da Lei” consagrados no art. 8º do C.C.M., mais adequado se nos mostra de adoptar uma postura (digamos que) mais “pragmática” e “prática”, sem se afastar, (pelo menos, à partida), qualquer disposição legal em virtude da sua mera “natureza”, sem prejuízo da possibilidade de se proceder a uma “apreciação casuística”, em face de “cada norma remitida”, e, cuja “aplicação”, na “situação concreta” em questão se vier a colocar.
Na verdade, e no que toca à redacção do art. 176º, n.º 1 do C.P.A.C. – referindo-se, (expressamente), aos “termos do processo de execução fiscal” – temos para nós que o assim preceituado não deve ser objecto de uma interpretação “restritiva” e/ou (meramente) “literal”.
Com efeito, tal levaria, necessariamente, a um (extremamente) preocupante afastamento de todas as normas do C.E.F. que não tivessem “natureza processual”, (aplicáveis sendo apenas e tão só as que regulassem a “tramitação do processo”), havendo, então, em face do “vazio legislativo” daí resultante que se recorrer (nomeadamente) à aplicação subsidiária das normas do “processo de execução comum” previstas no C.P.C.M. que, como se sabe, estão especialmente pensadas para as “relações entre particulares”, enformadas pelos “princípios da iniciativa e igualdade das partes”, (cfr., art. 3º e 5º do dito C.P.C.M.), e, portanto, com características (muito) próprias e (totalmente) distintas de uma “execução fiscal”, onde, em causa está o “interesse público” na arrecadação de receitas, não se podendo perder de vista a qualidade do sujeito activo, o “Fisco”, ou agora, preferivelmente, a “Autoridade Tributária”, com o seu “privilégio da execução prévia”, e, em que, acima de tudo, e com especial ênfase, se privilegia a “celeridade” e “simplicidade”; (sobre o ponto em questão, cfr., v.g., Rui Duarte Morais in, “A Execução Fiscal”, 2010, 2ª ed., pág. 39; Carlos Valentim e Paulo Cardoso in, “Roteiro de Justiça Fiscal – Os poderes da Administração Tributária versus as garantias dos contribuintes”, 2011, pág. 275; Paulo Marques in, “Elogio do Imposto – A relação do Estado com os contribuintes”, 2011, pág. 146 a 147; Domingos Pereira de Sousa in, “Direito Fiscal e Processo Tributário”, 2013, pág. 377; e Carlos Paiva in, “Processo de Execução Fiscal”, 2ª ed., 2013, pág. 137).
Por sua vez, cremos que uma (mera) análise a idênticas “normas remissivas” contidas noutros diplomas legislativos se nos apresentam igualmente como motivos bastantes (e convincentes) para se considerar que a expressão “termos do processo de execução fiscal”, (contida no art. 176º, n.º 1 do C.P.A.C. e art. 142º, n.º 1 do C.P.A.), não implica – ou não deve implicar – uma remissão limitada às “normas processuais” (que regulam a sua tramitação), devendo, antes, entender-se como referentes ao “conjunto de normas que regulam (todo) o processo de execução fiscal contidas no Código das Execuções Fiscais”.
Tenha-se, pois, (v.g.), em atenção o estatuído no art. 21º, n.º 2 do “Regulamento da Caixa Económica Postal” aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/85/M de 30.03, onde se prescreve que:
“Os empréstimos em situação de cobrança coerciva em Tribunal podem ser regularizados directamente na CEP, conforme o estabelecido nos artigos 215.º a 218.º do Código das Execuções Fiscais, aprovado pelo Decreto n.º 38 088, de 12 de Dezembro de 1950”, prescrevendo-se, também, no n.º 4 e 5 do art. 22 que:
“4. As dívidas à CEP por créditos concedidos por esta, são consideradas, para todos os efeitos, como dívidas à Fazenda Pública e cobradas coercivamente através do Juízo de Execuções Fiscais, nos termos do § único do artigo 1.º do Código das Execuções Fiscais.
5. Para os efeitos previstos no número anterior, a CEP enviará certidão da qual constem os montantes que deverão ser objecto de cobrança”, podendo-se ainda ver o preceituado no art. 91º do Decreto-Lei n.º 11/99/M de 22.03, (“Regime Jurídico do Licenciamento Industrial”), onde no seu n.º 2 se estatui que:
“Na falta de pagamento voluntário da multa no prazo fixado no número anterior, procede-se à sua cobrança coerciva, nos termos do processo de execução fiscal, através da entidade competente, servindo de título executivo a certidão da decisão sancionatória”, o mesmo sucedendo com o art. 60º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 79/85/M de 21.08, (“Regulamento Geral da Construção Urbana”, alterado e parcialmente revogado pela Lei n.º 1/2015, “Regime de qualificações nos domínios da construção urbana e do urbanismo”), onde se estatui que:
“Se a multa não for paga dentro do prazo, proceder-se-á coercivamente à sua cobrança pelo Juízo de Execuções Fiscais, em face do auto de infracção e do despacho determinativo da multa, servindo de título executivo certidão do despacho que a tiver aplicado”, ou o art. 17º do Decreto-Lei n.º 52/99/M de 04.10, (“Regime Geral das Infracções Administrativas e o Respectivo Procedimento”), em que sob a epígrafe “Cobrança coerciva da multa” se preceitua que:
“Na falta de pagamento voluntário da multa procede-se à sua cobrança coerciva, nos termos do processo de execução fiscal, através da entidade competente, servindo de título executivo a certidão da decisão sancionatória”, ou ainda o também preceituado no art. 37º, n.º 1 do “Estatuto da Autoridade Monetária e Cambial de Macau”, (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 14/96/M de 11.03), onde se prescreve que:
“Às quantias em dívida à AMCM, respectivos juros e demais encargos, referentes aos proveitos indicados nas alíneas c) e e) do artigo 26.º, aplicam-se as disposições reguladoras das execuções fiscais”, (podendo-se, entre outros, ver também o estatuído no art. 55º, n.º 2 do “Regime Jurídico da Execução de Obras de Construção Civil e da Garantia de Segurança das Edificações” /“Regime Jurídico da Construção Urbana”, aprovado pela Lei n.º 14/2021, que recentemente entrou em vigor, e onde se preceitua que “Na falta de pagamento voluntário das multas no prazo previsto no número anterior, procede-se à sua cobrança coerciva, nos termos do processo de execução fiscal, através da entidade competente, servindo de título executivo a certidão da decisão sancionatória”).
Nesta conformidade, atento o que se deixou exposto, (e sem prejuízo do muito respeito devido a outro entendimento), motivos cremos que não existem para, com base numa leitura que se nos mostra ser (meramente) literal (e restritiva) do art. 176º, n.º 1 do C.P.A.C. – e art. 142º, n.º 1 do C.P.A. – se limitar o âmbito das “remissões” feitas ao C.E.F. às suas “normas de processo”.
Isto dito, importa agora reflectir sobre os “limites” consagrados no art. 4º, n.º 1, al. 8) da Lei n.º 1/1999, e que dizem (precisamente) respeito à aplicabilidade (transitória) das normas legais que contenham remissões para a legislação portuguesa, “desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violam o disposto na Lei Básica da R.A.E.M.”.
Ora, não sendo – certamente – este o “local” para se tecerem (extensas) considerações (de natureza teórico-política) sobre o sentido e alcance dos aludidos “limites” no referido comando legal referidos, cremos que vale a pena ponderar, (essencialmente), no que segue.
Pois bem, “soberania” – em língua chinesa, “zhǔquán”, “zhu kun”, “主權” – é uma palavra que tanto quanto se julga saber provém do latim “supremitas” + “potestas”, que, significando “poder supremo” (e “incontestável”), implicava, normalmente, a afirmação de que aquele que possui soberania não possuía ninguém além (ou acima) dele.
De acordo com Jean Bodin (1530-1596), um dos precursores no estudo do conceito (político-jurídico) de “soberania”, (cfr., “Los seis libros de la República”, 1576), o mesmo, refere-se, (essencialmente), ao poder reconhecido a uma entidade ou autoridade suprema, geralmente, no âmbito de um Estado – ou Nação – que, no “âmbito interno”, corresponde à “superioridade das suas directrizes na organização da vida comunitária”, correspondendo, no “plano externo”, à ideia de “independência nacional” e de “igualdade de todos os Estados na comunidade internacional”, (cabendo notar que os conceitos de “Soberania” e “Estado” não coincidem necessariamente, havendo quem considere aquela não um elemento do Estado, mas unicamente uma “qualidade” que ostentam determinados Estados e outros não, como v.g., os Estados membros de uma Federação – cfr., v.g., Cristina Queiroz in, “Direito Constitucional”, pág. 29 e Dieter Grimm in, “Soberania: a origem e o futuro de um conceito político e jurídico”).
Dito de outra forma, a “soberania” refere-se à “entidade” que “não conhece superior na ordem externa nem igual na ordem interna”.
E, sem prejuízo da (natural) evolução que o “conceito” foi sofrendo ao longo dos tempos, fruto da mudança e dos contínuos processos de transformação das “concepções socio-políticas” – valendo a pena sobre a “evolução do conceito de soberania” ler o que escreve Georg Jellinek in, “L’État moderne et son droit”, II, pág. 72 e segs., podendo-se também ver v.g., Jean Jacques Rousseau, que transfere o conceito de soberania da “pessoa do governante” para “todo o provo”, entendido como “corpo político” – cremos nós que adequado se mostra de (aqui) realçar que como suas “características” se tem habitualmente destacado a de ser “una” e “indivisível”, “própria” e não “delegável”, “irrevogável”, e, (como se referiu), “suprema na ordem interna” e “independente na ordem internacional”, igualmente justo se nos apresentando de considerar que um “Estado Soberano” não pode deixar de implicar uma “entidade (política)” representada por um “órgão de governo” centralizado com poder de decisão sobre uma “determinada área geográfica”.
O “Direito Internacional (Público)” – expressão atribuída a Jeremy Bentham que a utilizava em oposição ao “Direito Nacional” ou “Direito Municipal”, constituindo um ramo de direito (essencialmente) dedicado às “relações entre Estados”, (e para não se recuar ao “jus gentium” ou “direito das gentes” da Antiguidade Clássica), por muitos considerado como tendo as suas raízes nos “Tratados de Westfália” de 1648, em plena Idade Moderna – define um “Estado Soberano” com recurso aos seguintes elementos identificativos ou constitutivos: “um governo” (ou “poder político”), um “povo”, ou melhor, “população permanente” (ligada ao Estado por um vínculo jurídico designado de “cidadania” ou “nacionalidade”), “um território geograficamente definido”, (ou seja, um “espaço delimitado por fronteiras marítimas, terrestres e aéreas”), e a sua “independência” (ou não sujeição) a qualquer outro poder ou Estado; (cfr., v.g., o art. 1º da “Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados”, realizada em 26.12.1933, Uruguay, podendo-se, sobre o tema, e entre muitos outros ver Rocha Saraiva no seu ensaio “A Construção Jurídica do Estado”, II, 1912, pág. 1 e segs.; Marcello Caetano in, “Manual de Ciência Política e Direito Constitucional”, 6ª ed., Tomo 1, pág. 121 e segs.; Marcelo Rebelo de Sousa in, “Direito Constitucional I – Introdução a Teoria de Constituição”, 1979, pág. 108 e segs.; J. J. Gomes Canotilho in, “Direito Constitucional e Teoria de Constituição”, pág. 89 e segs.; J. Miranda in, “Manual de Direito Constitucional”, Tomo 1, pág. 49 e segs., com interessantes referências aos “tipos históricos de Estado: oriental, grego, romano, mediável e moderno”; Carlos Blanco de Morais in, “Curso de Direito Constitucional”, Tomo 1, pág. 19 e segs.; Jorge Bacelar Gouveia in, “Manual de Direito Constitucional”, Vol. I, pág. 135 e segs., com abundante referência da doutrina sobre o “Estado como estrutura político-jurídica”, na sua dimensão simultaneamente interna e internacional; e João Albuquerque in, “Lições de Ciência Política e Direito Constitucional”, F.D.U.M., pág. 67 e segs.).
Não se nega ou ignora que em conformidade com a “teoria construtiva do Estado” – desenvolvida no Sec. XIX; cfr., “Conferência de Viena” de 1815 – um Estado era soberano se outro Estado soberano o reconhecesse como tal.
Porém, posteriormente, com a “teoria declarativa” – (expressamente) adoptada na referida “Convenção de Montevidéu” – passou-se a dar relevância a outros “critérios”, como os referidos quanto ao “governo”, “território” e “população permanente”, (e ainda à capacidade de se relacionar com outros Estados).
Abreviando, e voltando à “situação” dos presentes autos, cremos que com especial incidência sobre a “matéria” em questão, e para se ter uma clara ideia do que em causa – verdadeiramente – está, basta, acima de tudo, uma leitura a determinados excertos do “Preâmbulo” da Lei Básica da R.A.E.M., assim como do (especialmente) preceituado em alguns dos seus comandos legais.
Ora, do referido “Preâmbulo”, consta o que segue (com especial interesse para a questão a resolver):
“Macau, que abrange a península de Macau e as ilhas da Taipa e de Coloane, tem sido parte do território da China desde os tempos mais remotos. (…)
Em 13 de Abril de 1987, os Governos da China e de Portugal assinaram a Declaração Conjunta sobre a Questão de Macau, afirmando que o Governo da República Popular da China voltará a assumir o exercício da soberania sobre Macau em 20 de Dezembro de 1999, concretizando-se assim a aspiração comum de recuperar Macau, almejada pelo povo chinês desde há longa data.
A fim de salvaguardar a unidade nacional e a integridade territorial, bem como favorecer a estabilidade social e o desenvolvimento económico de Macau, tendo em conta o seu passado e as suas realidades, o Estado decide que, ao voltar a assumir o exercício da soberania sobre Macau, cria-se a Região Administrativa Especial de Macau de acordo com as disposições do artigo 31.º da Constituição da República Popular da China (…).
De harmonia com a Constituição da República Popular da China, a Assembleia Popular Nacional decreta a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, definindo o sistema a aplicar na Região Administrativa Especial de Macau, com vista a assegurar a aplicação das políticas fundamentais do Estado em relação a Macau”.
Por sua vez, nos termos do art. 1º da L.B.R.A.E.M.:
“A Região Administrativa Especial de Macau é parte inalienável da República Popular da China”.
Nos termos do art. 12º que:
“A Região Administrativa Especial de Macau é uma região administrativa local da República Popular da China que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular Central”.
Por sua vez, preceitua o art. 14º que:
“O Governo Popular Central é responsável pela defesa da Região Administrativa Especial de Macau.
O Governo da Região Administrativa Especial de Macau é responsável pela manutenção da ordem pública na Região”.
E, (para não nos alongamos), tenha-se também presente que nos termos do art. 15º da mesma L.B.R.A.E.M.:
“O Governo Popular Central nomeia e exonera o Chefe do Executivo, os titulares dos principais cargos do Governo assim como o Procurador da Região Administrativa Especial de Macau, de acordo com as respectivas disposições desta Lei”, (notando-se ainda que nos termos do art. 102º: “O Chefe do Executivo, os titulares dos principais cargos públicos, o Presidente da Assembleia Legislativa, o Presidente do Tribunal de Última Instância e o Procurador da Região Administrativa Especial de Macau devem, ao tomar posse, prestar juramento de fidelidade à República Popular da China, além do juramento previsto nos termos do artigo 101.º desta Lei”).
Nesta conformidade, em face do que se deixou relatado, tendo-se em (especial) atenção que em questão está (apenas) a aplicação – transitória e – por “remissão”, do C.E.F. na R.A.E.M., (em sede de “processos de execução fiscal”), atento o conceito de “soberania” (e as suas vertentes externa e interna), e ponderando no consagrado nos excertos que se deixaram transcritos do Preâmbulo e preceitos da L.B.R.A.E.M., cabe dizer que não nos parece que motivos existam para se considerar que a referida aplicação do dito C.E.F. se apresenta incompatível com a “soberania da República Popular da China” ou com o “estatuído na L.B.R.A.E.M.”; (sobre a questão, cfr., v.g., Guo Huacheng in, “Interpretação da Lei Básica da R.A.E.M.”, Revista Jurídica de Macau, 1998, pág. 65 a 79; Wang Yu in, “Interpretar «Volta a Assumir o Exercício da Soberania»”, Revista de Estudos de “Um País, Dois Sistemas”, Vol. I, pág. 41 a 52, “A Estrutura Estatal Chinesa Refletida nas Leis Básicas de Hong Kong e Macau”, Revista de Estudos de “Um País, Dois Sistemas”, Vol. IV, pág. 28 a 36, e “O Poder de Gestão Geral do Governo sobre as RAE no contexto de «Um País, Dois Sistemas»”, Hong Kong and Macau Journal, 2016, Vol. 2; Huang Zhen in, “Estudos sobre o alto grau de autonomia das R.A.E.”, Fujian: Xiamen University Press, 2013, pág. 16; Dong Likun in, “A relação entre o poder de gestão do Governo Central e o alto nível de autonomia da RAEHK”, Pequim: Law Press, 2014, pág. 16; Gabinete de Informação do Conselho de Estado in, “A Prática de «Um País, Dois Sistemas» na RAEHK”, Pequim: People’s Publishing House, 2014, pág. 36; Li Yanping in, “Repercussões do Princípio «Um País, Dois Sistemas» na Estrutura Estatal e sua Constitucionalidade”, Revista de Estudos de “Um País, Dois Sistemas”, Vol. IV, pág. 37 a 48; Jiang Chaoyang in, “O poder de gestão da RPC e sua prática nas RAE”, Hong Kong and Macau Journal, 2017, Vol. 2; e Feng Zehua e Zhan Pengwei in, “Um Estudo sobre as Relações entre o Poder de Gestão Geral e o Alto Grau de Autonomia”, Administração n.º 119, Vol. XXXI, 2018, Tomo 1, pág. 127 a 143).
Não se olvida que o “Direito Fiscal”, (ou melhor, “Tributário”), é um dos aspectos da (manifestação da) “soberania de um Estado”.
Com efeito, a “soberania tributária”, é uma parcela, aliás, especialmente relevante e palpável da soberania estadual; (cfr., entre outros v.g., Klaus Vogel in, “Worldwide vs. source taxation of income – A review and re-evaluation of arguments (Part III)”, Intertax, n.º 11, 1988, pág. 393; Ana Paula Dourado in, “A Tributação dos Rendimentos de Capitais: A Harmonização na Comunidade Europeia”, Centro de Estudos Fiscais, 1996, pág. 13; José Casalta Nabais in, “O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Contributo para a Compreensão Constitucional do Estado Fiscal Contemporâneo”, 1998, pág. 290 e segs., e “Por Um Sistema Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal”, 2005, pág. 184 a 202; Ramon J. Jeffery in, “The Impact of State Sovereignty on Global Trade and International Taxation”, Kluwer Law International, 1999, pág. 25 a 27; e José Luís Saldanha Sanches in, “Manual de Direito Fiscal”, 3ª ed., 2007, pág. 76 a 77).
Porém, in casu, importa ter presente que é a própria Lei Básica aprovada (de acordo com o art. 31º da Constituição da República Popular da China) pela Assembleia Popular Nacional e promulgada pelo Presidente da República Popular da China que – “definindo o sistema a aplicar na Região Administrativa Especial de Macau, com vista a assegurar a aplicação das políticas fundamentais do Estado em relação a Macau”, (cfr., Preâmbulo) – preceitua no seu art. 106º que “A Região Administrativa Especial de Macau aplica um sistema fiscal independente”, e que “Tomando como referência a política de baixa tributação anteriormente seguida em Macau, a Região Administrativa Especial de Macau produz, por si própria, as leis respeitantes aos tipos e às taxas dos impostos e às reduções e isenções tributárias, bem como a outras matérias tributárias. (…)”, estatuindo, igualmente, o art. 107º que “Os sistemas monetário e financeiro da Região Administrativa Especial de Macau são definidos por lei”, e que “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau define, por si próprio, as políticas monetária e financeira, garante a livre operação do mercado financeiro e das diversas instituições financeiras, bem como regula e fiscaliza as suas actividades em conformidade com a lei”, cabendo salientar ainda que figurando a R.A.E.M. como “Parte Contratante”, assinados estão diversos “Acordos Internacionais em matéria fiscal”, (nomeadamente), no que toca à “Troca de Informações”, “Dupla Tributação” e “Evasão Fiscal”, (cfr., Avisos do Chefe do Executivo nºs 5/2011, 93/2011, 95/2011, 96/2011, 97/2011, 4/2012, 30/2012, 32/2012, 36/2012, 1/2013, 23/2014, 3/2015, 47/2015, 104/2015, 129/2015, 24/2018, 11/2019, in pág. electrónica da D.S.F.).
E, assim, não se perdendo de vista a “autorização” contida no art. 4º, n.º 1, al. 8) da Lei n.º 1/1999, e sendo (inversamente) de notar que seria antes o “vazio legislativo” que existiria no caso de se ter como inaplicável o C.E.F. que se nos apresenta como “incompatível” com a “estabilidade social e desenvolvimento económico” enunciados no Preâmbulo da Lei Básica, vista cremos que se pode considerar estar esta questão, pois que pelos aludidos “motivos”, razões não se vislumbram para se ter por afastada a aplicação do referido C.E.F. em toda a sua extensão, (isto, sem prejuízo de, em face de uma análise concreta e casuística, se poder considerar menos adequada qualquer uma das suas normas, impondo-se, então, uma “interpretação actualista”).
Mostra-se, porém, de aqui fazer uma derradeira nota.
É a seguinte.
O Acórdão recorrido confirmou a sentença do Tribunal Administrativo proferida em sede dos Autos de Execução n.º 144/19-EF que julgou procedente a “oposição” pelos ora recorridos deduzida, pois que considerou inaplicável o art. 297º do C.E.F. que, atenta a sua qualidade de administradores da companhia executada originária, viabilizava a sua “responsabilização subsidiária”.
Pois bem, para a prossecução do interesse público, a Administração Pública necessita de captar recursos materiais para, mantendo a sua estrutura, poder disponibilizar ao cidadão contribuinte serviços e bens normalmente necessários, assumindo-se muitas vezes como autêntico “provedor das necessidades coletivas”.
Admitindo-se variações possivelmente existentes em conformidade com os sistemas adoptados, indiscutível se nos apresenta que uma das principais fontes de receitas públicas é a cobrança de tributos.
Ora, em apertada síntese, pode-se entender o “Direito Tributário” como o conjunto de normas reguladoras da arrecadação dos tributos, bem como de sua fiscalização, regulando as relações jurídicas estabelecidas entre a Autoridade Tributária e o contribuinte, cuidando dos princípios e normas relativas à imposição e à arrecadação dos tributos, analisando a relação jurídica tributária, em que são partes o ente público e os contribuintes, bem como o facto jurídico gerador dos tributos.
Nos termos do referido art. 297º do “Código das Execuções Fiscais”:
“Por todas as contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado que forem liquidadas ou impostas a empresas ou sociedades de responsabilidade limitada, em relação a actos praticados ou a actividades exercidas por essas sociedades ou empresas, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos administradores ou gerentes e ainda os membros do conselho fiscal nas sociedades em que o houver, se este expressamente sancionou o acto de que deriva a responsabilidade, desde que as mesmas dívidas não possam ser cobradas dos originários devedores.
§ único. As pessoas referidas neste artigo poderão, ainda depois de finda a sua gerência, apresentar qualquer recurso relativamente às dívidas de sua responsabilidade em nome da sociedade”.
Como se vê, prevê-se, tão só, assim, a figura da “reversão fiscal” – que não é estranha noutros ordenamentos jurídicos, cabendo também notar que está igualmente prevista no projecto do futuro “Código Tributário da R.A.E.M.”; (cfr., artºs 26º e segs. e 183º e segs.) – e que, no fundo, constitui um mecanismo exclusivo da execução fiscal que se traduz numa “modificação subjectiva da instância”, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva, de terceiros, (os responsáveis subsidiários legalmente indicados por dívidas tributárias do devedor original), que não são os devedores originários que figuram no título executivo.
Nesta conformidade, e motivos não se vislumbrando para que a pelo ora recorrente requerida “reversão” contra os ora recorridos não prossiga e siga os seus normais termos, imperativo é decidir como segue.
Decisão
4. Em face do que se deixou exposto, acordam:
- conceder provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido do Tribunal de Segunda Instância de 28.01.2021, julgando-se, consequentemente, improcedente a oposição à execução dos recorridos; bem como,
- uniformizar jurisprudência no seguinte sentido:
“Por força do art. 4º, n.º 4 da “Lei de Reunificação” – Lei n.º 1/1999 – o Código das Execuções Fiscais aprovado pelo Decreto n.º 38088 de 12.12.1950 deixou de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau a partir do dia 20 de Dezembro de 1999.
Porém, em conformidade com o estatuído no aludido art. 4º, n.º 1, al. 8) da referida “Lei de Reunificação”, as normas do dito Código das Execuções Fiscais podem, transitoriamente, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau”.
Custas pelos recorridos, com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
Registe e notifique.
Dê-se observância ao estatuído no art. 167º, n.º 4 do C.P.A.C..
Macau, aos 28 de Setembro de 2022
Juízes: José Maria Dias Azedo (Relator)
Sam Hou Fai
Song Man Lei
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
Magistrado do Ministério Público que esteve presente na conferência: Álvaro António Mangas Abreu Dantas
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