I — Relatório
Ao Ieong Kuai Iong (歐陽桂容) interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o Tribunal de Última Instância, do Acórdão de 15 de Abril de 2004, do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 66/2004, invocando que este Acórdão estava em oposição, sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão do mesmo Tribunal, de 13 de Julho de 2000, no Processo n.º 87/2000, publicado na colectânea de Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M, II Tomo, p. 171 e segs.
O referido Acórdão de 15 de Abril de 2004 revogou a sentença de primeira instância, que absolvera a arguida da prática do crime previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, e condenou a arguida como autora do referido crime.
Por Acórdão de 30 de Junho de 2004, este Tribunal de Última Instância reconheceu a existência da referida oposição e determinou o prosseguimento do recurso.
O arguido formulou as seguintes conclusões na sua alegação:
Deve, pelo exposto, para fixação de jurisprudência (n.º 2 do art.º 424 do CPP), decidir-se que:
a) um indivíduo expulso é proibido de reentrar na Região Administrativa de Macau, no período fixo na ordem de expulsão, e a sua reentrada, mesmo com documento válido constitui o crime de violação da proibição da reentrada p. e p. pelo artigo 14.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M.
b) O prazo a fixar de interdição da sua reentrada é essencial e constitui pressuposto de verificação de um elemento constitutivo do tipo de violação da proibição da reentrada.
O Ministério Público formulou as seguintes conclusões na sua alegação:
1 — O art.º 14.º da Lei n.º 2/90/M prevê «crimes cometidos por indivíduos em situação de clandestinidade», punindo com pena de prisão até um ano indivíduos expulsos que violarem a proibição de reentrada em Macau prevista no n.º 2 do art.º 4.º da mesma lei, ou seja, aqueles que violarem a ordem de expulsão.
2 — De acordo com a imposição da lei, a todos os indivíduos que se encontrarem em Macau em situação de clandestinidade é emitida ordem de expulsão, referida no art.º 4.º da lei 2/90/M, cujo n.º 2 prevê a indicação na ordem de expulsão do período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar em Macau.
3 — A questão essencial ora em causa reside em saber se este prazo tem que ser, ou pode não ser, certo, determinado e preciso, sob pena de violar a disposição legal em causa.
4 — Ora, não nos parece que a indicação daquele prazo, certo e determinados, nos termos pretendidos pela recorrente, é essencial para saber se estão ou não preenchidos os elementos objectivos do crime de violação de ordem de expulsão e a falta de sua indicação conduz necessariamente à absolvição do crime.
5 — Não resulta da própria lei que o período de interdição de reentrada há que ser necessariamente certo, determinado e preciso, definido em anos ou meses.
6 — A lei não oferece qualquer critério ou forma que se deve seguir para determinar o prazo em que o indivíduo expulso fica proibido de reentrar.
7 — Compete à Administração, concretamente PSP, fixar o período de interdição segundo a situação concreta em causa, tendo em consideração a finalidade pretendida pela legislação.
8 — Apesar de não ser expressamente estabelecido um certo período, concreto e preciso, de tempo durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar em Macau, a ordem de expulsão acaba por fixar um prazo para tal, que se prolonga «até à obtenção dos documentos legais exigidos para a sua entrada ou permanência», sendo este o prazo determinável.
9 — É compreensível que assim seja, já que atendendo às particularidades geográficas do território e a necessidade de controlo fronteiriço da entrada ilegal em Macau dos cidadãos vindos nomeadamente do interior da China, foi adoptada intencionalmente pela autoridade policial de Macau a política de não fixar expressamente um certo prazo, ou seja, um certo limite temporal da interdição de reentrada. Porém, isto não quer dizer que não haja prazo estabelecido: efectivamente, prevê-se uma «condição» — até à obtenção dos documentos legais exigidos — para servir de referência ao período de interdição, o que não nos parece que tenha violado o art.º 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M, antes pelo contrário, podemos encontrar a sua base na finalidade legislativa da referida Lei de Imigração Clandestina, que visa combater e reprimir a imigração clandestina.
10 — Para alcançar esta finalidade, adopta o legislador dois meios: no primeiro momento, expulsão de imigrantes ilegais mediante a emissão de ordem de expulsão e no segundo, punição penal nos casos em que os imigrantes ilegais expulsos desobedecem a ordem de proibição de reentrada em Macau.
11 — E é neste segundo momento que, com a previsão do art.º 14.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, se pune aqueles indivíduos que, após a expulsão, reentrarem ou voltarem a permanecer ilegalmente em Macau. Repare-se que o crime de violação de proibição de reentrada foi criado não contra indivíduos que, pela primeira vez, se encontram ilegalmente em Macau, mas sim indivíduos que já tenham sido expulsos por serem indocumentados mas insistem em reentrar ou permanecer ilegalmente em Macau.
12 — Em relação a indivíduos expulsos, pode-se pensar em duas situações: uma, depois de ser expulso e passado algum tempo, o indivíduo volta e permanece em Macau munindo de documentos válidos; a outra, volta a reentrar ou permanecer, sem documentos legalmente exigidos.
13 — Se pura e simplesmente se fixar na ordem de expulsão um determinado prazo de interdição, sem fazer referência a documentos legalmente exigidos, significa que, passado tal prazo, o indivíduo já expulso pode em qualquer momento voltar ilegalmente a Macau, sem correr risco de ser punido; e pelo contrário, dentro de tal prazo o indivíduo nunca pode reentrar em Macau, mesmo com documentos válidos, sob pena de cometer o crime de violação de proibição de reentrada.
14 — E se o legislador pretende «punir» (no sentido de proibir a sua legal reentrada durante certo tempo) indivíduos só porque se encontravam ilegalmente em Macau por uma só vez, como é que se pode tolerar a reentrada ilegal de indivíduos porque já passou o prazo fixado de interdição, esquecendo da sua anterior permanência ilegal.
15 — Também não faz sentido fixar na ordem de expulsão o prazo de interdição, certo e determinado, e, ao mesmo tempo, estabelece a condição de possuir documentos válidos, pois tal condição acaba por ser decisiva para saber se o indivíduo cometeu ou não o crime.
16 — No nosso entendimento, a reentrada e permanência dos indivíduos expulsos de Macau por se encontrar em situação de clandestinidade só deve ser permitida no caso de conseguirem documentos válidos emitidos pelas autoridades competentes; caso contrário, ou seja, se fixasse na ordem de expulsão um prazo determinado sem fazer referência à obtenção de documento válido, significaria que permite a reentrada ilegal do expulso, sem cometer crime, logo passado o prazo estabelecido.
17 — O prazo fixado por expressão «até à obtenção dos documentos legais exigidos», ou equivalente, que oferece a expulsos a informação de que a sua reentrada em Macau sem documentos válidos constituirá um acto punível, é assim um prazo determinável, flexível e, por isso, mais eficaz em resposta à realidade social e particularidade da RAEM.
18 — O mais importante é que aquela maneira de fixar o prazo de interdição de reentrada em Macau pode alcançar a finalidade da Lei de Imigração Clandestina e nada obsta a que os indivíduos expulsos tomem conhecimento do período durante o qual ficam interditados de reentrar em Macau.
19 — Concluindo, se partilhássemos o entendimento do recorrente, ficaria esvaziados de conteúdo todo o espírito e política legislativa e administrativa em combater o fenómeno de imigração clandestina e criaria o absurdo em não punir as situações de reentrada ou permanência ilegal, mesmo que tivesse feito anteriormente a legal advertência.
Pelo exposto, deve, para fixação de jurisprudência, decidir-se que:
«A indicação na ordem de expulsão do período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar em RAEM mediante a expressão literal congénere à de «até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada e permanência» não compromete a exigência prevista no n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 2/90/M, que deve ser considerada satisfeita desde que o prazo seja determinável.
Se o indivíduo expulso, ciente do teor da ordem de expulsão emitida naqueles termos, volta a entrar ou permanecer em Macau sem ser portador dos documentos legalmente exigidos, comete o referido crime de violação da proibição da reentrada».
II — Fundamentos
A oposição dos acórdãos de 13 de Julho de 2000 e de 15 de Abril de 2004 sobre a mesma questão de direito.
1. Trata-se de saber se, para a prática do crime de violação da proibição da reentrada, previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, é essencial que a ordem de expulsão a que se refere o n.º 1 do art. 4.º da mesma Lei, indique concretamente o período de tempo durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar em Macau.
O acórdão de 13 de Julho de 2000 entendeu que era essencial a fixação de tal prazo, sem o que se não verificava um elemento constitutivo do crime.
Já no acórdão de 15 de Abril de 2004 se considerou que o crime é praticado ainda que na ordem de expulsão se diga que o expulso fica interditado de entrar em Macau até à obtenção dos documentos legais exigidos para a entrada ou permanência. Ou seja, mesmo que na ordem de expulsão não tenha sido fixado um período de interdição de entrada em Macau.
As normas legais relativas à imigração clandestina
2. A Lei n.º 2/90/M, alterada pelos Decretos-Lei n.os 39/92/M, de 20 de Julho e 11/96/M, de 12 de Fevereiro e pela Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto, veio regular várias situações relacionadas com a imigração clandestina.
O art. 1.º da Lei n.º 2/90/M estabelece quem é considerado em situação de clandestinidade em Macau:
1. Os indivíduos que não estejam autorizados a permanecer ou residir no território de Macau, são considerados em situação de clandestinidade, quando nele tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Fora dos postos de migração oficialmente qualificados;
b) Sem serem titulares de qualquer dos documentos legalmente exigidos;
c) Durante o período de interdição determinado na ordem de expulsão prevista na presente lei.
2. Consideram-se ainda em situação de clandestinidade os indivíduos que permaneçam no Território para além dos prazos legalmente estabelecidos».
O art. 2.º determina a expulsão da Região dos indivíduos em situação de clandestinidade:
1 Redacção original.
Os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos do Território, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei».
O art. 3.º prevê a detenção dos clandestinos e a elaboração do processo de expulsão:
2 Redacção original.
1. Os indivíduos que sejam encontrados em situação de clandestinidade devem ser detidos por qualquer agente de autoridade e entregues à Policia de Segurança Pública.
2. A Polícia de Segurança Pública elaborará o processo de expulsão e a respectiva proposta, que apresentará a decisão do Governador, no prazo de quarenta e oito horas contado a partir do momento da detenção».
O art. 4.º prevê a competência para a ordem de expulsão dos clandestinos e para a sua execução, sendo que o n.º 2 especifica o conteúdo da ordem de expulsão:
3 Redacção original.
1. Compete ao Governador ordenar a expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
2. A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.
3. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto.
4. Compete à Polícia de Segurança Pública executar a ordem de expulsão.»
4 Os n.os 1 e 2 têm a redacção original. O n.º 3 foi introduzido pela Lei n.º 8/97/M, que passou o n.º 3 da redacção original a n.º 4.
O art. 14.º, n.º 1 prevê o crime de violação da proibição de reentrada na Região:
1. O indivíduo expulso que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º é punido com pena de prisão até um ano.
2. …»
5 O n.º 1 foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 39/92/M, que passou o artigo original a n.º 2. A actual redacção do n.º 1 foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 11/96/M.
Indicações que devem constar da ordem de expulsão
3. O crime mencionado é praticado pelo indivíduo expulso, por se encontrar em situação de clandestinidade, que viole a proibição de reentrada em Macau prevista no n.º 2 do art. 4.º.
O n.º 2 do art. 4.º contém, como se disse, as indicações que devem constar da ordem de expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
Tais indicações são:
— O prazo para a sua execução;
— O período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na Região;
— O local de destino do indivíduo expulso.
O crime consiste na violação da proibição de reentrada em Macau prevista no n.º 2 do art. 4.º.
Assim, se a ordem de expulsão não indicar o prazo para a sua execução (1.ª indicação) ou se não indicar o local de destino do indivíduo (3.ª indicação), tal falta de indicações não afecta a comissão da prática do crime pelo indivíduo expulso.
Mas já a 2.ª indicação da ordem de expulsão constitui elemento do crime, — o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na Região — visto que o crime consiste na violação da proibição de reentrada prevista no n.º 2 do art. 4.º.
Ao que parece, nas ordens de expulsão que são juntas aos processos judiciais (designadamente a do processo a que se refere o acórdão de 15 de Abril de 2004) pela prática do crime em causa — o previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M — a Administração estabelece que o indivíduo é expulso «… por ter sido encontrado em situação de clandestinidade, ficando interditado de entrar no Território de Macau até à obtenção dos documentos legais exigidos para a entrada ou permanência».
Com uma formulação deste tipo, e de acordo com determinada interpretação, por exemplo a do Ministério Público e a do acórdão recorrido, o expulso pratica o crime sempre que volte a Macau sem os documentos exigidos para a entrada ou permanência, independentemente de já ter decorrido um curto ou um longo período desde a expulsão.
Deste modo, o que releva é apurar se a lei permite que a Administração pratique um acto administrativo com este conteúdo ou se antes impõe que seja fixado um período concreto de interdição de reentrada, restando, neste caso, saber qual.
A fixação do período de interdição de reentrada em Macau
Os trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/90/M
4. O n.º 2 do art. 4.º da Lei n.º 2/90/M mantém a sua redacção original.
A lei teve a sua origem no Projecto de Lei n.º 7/IV, proposto pelos Deputados Susana Chou e Leonel Alves.6 De acordo com a nota justificativa apresentada pelos proponentes «Todos aqueles que entrem clandestinamente no Território — o artigo 1.º tipifica de uma forma ampla os casos em que se considera haver uma situação de clandestinidade — são expulsos, com a sanção de não poderem reentrar durante um determinado período de tempo».
6 Cfr. o Projecto de Lei na Colectânea de Leis Penais Avulsas, n.º 2, Imigração Clandestina, Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, 2002, p. 183.
Os autores do Projecto de Lei pretenderam, expressamente, cominar uma sanção a todos os que fossem clandestinos, que era a de não poderem reentrar durante um determinado período de tempo. Note-se que na intenção dos deputados proponentes, o período de tempo era determinado, isto é, a sanção vigorava temporariamente e não vitaliciamente.
Com esta natureza sancionatória, compreende-se que a intenção fosse de a proibição de reentrada também se aplicar aos expulsos que, mais tarde, obtivessem documentos legais para entrarem em Macau.
Foi esta, aliás, a interpretação do Presidente da Assembleia Legislativa, Dr. Carlos Assumpção — jurista ilustre — na discussão do Projecto de Lei que foi, entretanto, reformulado na Comissão dos Assuntos Sociais, Saúde, Educação e Cultura e que salientou estes pontos, ou seja:
— A natureza sancionatória do período de proibição de reentrada em Macau;
— A sua aplicação aos expulsos que viessem a obter documento válido para entrar em Macau;
— E o carácter temporário da proibição:
«Presidente: Eu queria observar aos senhores deputados que o período durante o qual o indivíduo fica interditado de entrar no Território é a única sanção aplicável ao clandestino. Quer dizer, quem estiver em situação de clandestinidade é expulso, volta à procedência e a única sanção que existe é que mesmo com documento legal e válido, não pode entrar em Macau naquele período».7
7 Colectânea de Leis Penais Avulsas, n.º 2, Imigração Clandestina, atrás citada, p. 214.
Por outro lado, é isso que resulta do art. 1.º, n.º 1, alíneas b) e c). De acordo com o art. 1.º, n.º 1, alínea c), os indivíduos que não estejam autorizados a permanecer ou residir no território de Macau são considerados em situação de clandestinidade, quando nele tenham entrado durante o período de interdição determinado na ordem de expulsão prevista na presente lei. Ora, se o período de interdição não se aplicasse aos que voltassem com documentos legais para entrarem na Região, esta alínea seria inútil visto que tal situação já estaria prevista na alínea b), segundo a qual são clandestinos os que entrarem em Macau «Sem serem titulares de qualquer dos documentos legalmente exigidos».
Por conseguinte, para que a alínea c) tenha algum sentido útil, é forçoso concluir que a intenção legislativa é o de que a todos os clandestinos expulsos deve ser fixado um período de interdição de reentrada — sem prejuízo da discricionariedade administrativa de distinção das situações — mesmo que, entretanto, obtenham documento válido para reentrar em Macau.
Em conclusão, manifestamente, a lei ao dizer que a ordem de expulsão deve indicar o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar em Macau pretendeu que o expulso ficasse impedido de voltar a Macau durante um período determinado.
5. Acresce que quando a Lei n.º 2/90/M foi elaborada não se punha a questão criminal da violação da proibição de reentrada, visto que na redacção inicial tal crime não existia. O crime constante do n.º 1 do art. 14.º da Lei, só foi criado com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/92/M.
E o crime é: «O indivíduo expulso que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º é punido com pena de prisão…».
Ora, o legislador do Decreto-Lei n.º 39/92/M criminalizou, não o indivíduo expulso que entrar ou permanecer clandestinamente em Macau, mas aquele que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º.
Ou seja, se a lei punisse o indivíduo expulso que entrasse ou permanecesse clandestinamente em Macau, estaria dentro da discricionariedade do legislador que a conduta criminosa consistisse numa segunda situação de clandestinidade em Macau, fosse qual fosse o período em que a mesma se verificasse.
Mas não foi essa a opção do legislador. Esta foi antes a da criminalização da violação da proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º. Ora esta proibição, como se viu, não pode ser vitalícia, visto que tem de ser fixado um período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar na Região.
Dito de outra forma, se a lei punisse o indivíduo expulso que entrasse ou permanecesse clandestinamente em Macau, o crime verificar-se-ia fosse qual fosse o tempo que tivesse decorrido desde a ordem de expulsão. E não teria como destinatários aqueles que reentram com documentos legais.
Mas a lei não o faz. Pune aquele que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º. O que significa que abrange aqueles que reentram com documentos legais (desde que a ordem de expulsão lhes fixe prazo de interdição de reentrada, o que parece não vem acontecendo), mas por outro lado exige a fixação de um período de proibição de reentrada em Macau, o que é incompatível com a vitaliciedade da proibição de reentrada.
Em conclusão, viola a lei um acto administrativo que, nos termos do n.º 2 do art. 4.º da Lei n.º 2/90/M, não estabeleça um período determinado durante o qual o expulso fica proibido de reentrar na Região.
Consequentemente, um indivíduo expulso que reentre ou permaneça clandestinamente em Macau, não pratica o crime previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, se o acto administrativo de expulsão não tiver fixado um período de interdição de reentrada na Região, como impõe o n.º 2 do art. 4.º da mesma Lei.
Procede, portanto, o recurso.
6. Entretanto, já após ter sido proferido o acórdão deste Tribunal que reconheceu a existência da oposição sobre a mesma questão de direito, entrou em vigor a Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, lei que regula a imigração ilegal e a expulsão de não-residentes, que revogou expressamente, no seu art. 29.º, a Lei n.º 2/90/M. Simplesmente, o crime previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 desta Lei continua previsto na nova lei (art. 21.º), pelo que continua a ter relevância a uniformização de jurisprudência, atento o disposto no art. 2.º do Código Penal.
III — Decisão
Face ao expendido:
A) Concedem provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido, para ficar a subsistir a sentença de primeira instância, que absolvera a arguida pela prática do crime em questão;
B) Nos termos do art. 427.º do Código de Processo Penal, fixam a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais:
Os indivíduos expulsos da Região Administrativa Especial de Macau por se encontrarem em situação de clandestinidade, que tenham reentrado ou permanecido clandestinamente em Macau, não praticaram o crime previsto e punível pelo art. 14.º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, se o acto administrativo de expulsão não tiver fixado um período determinado de interdição de reentrada na Região, como impunha o n.º 2 do art. 4.º da mesma Lei.
C) Ordenam o cumprimento do disposto no art. 426.º do Código de Processo Penal.
Sem custas neste Tribunal e no Tribunal de Segunda Instância.
Macau, 22 de Setembro de 2004.
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (relator) — Sam Hou Fai — Chu Kin — Lai Kin Hong (Vencido nos termos do Acórdão do TSI de 15.4.2004, proferido no Proc. 66/2004) — Choi Mou Pan.